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Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

O pensamento bakhtiniano na atualidade ou a atualidade do pensamento bakhtiniano

José Kuiava

Eis a (não) questão. A beleza do tema se revela na possibilidade de pensar os dois sentidos e significados da questão. Não se trata de uma ambivalência do título – o título não nega a si mesmo invertido, ou contrário – pois os dois sentidos se expressam em todos os contextos, ou seja, no “pequeno tempo - a atualidade, o passado imediato e o futuro possível”e no “Grande tempo – o diálogo infinito e inacabável em que nenhum sentido morre” (BAKHTIN,2006, p.409). Isso é Bakhtin. É profundamente bakhtiniano. Equivale a pergunta: quanto Bakhtin é lido e por quem, no mundo e no Brasil, e quais o sentido e o significado do pensamento bakhtiniano para os seres humanos nos dias atuais e nos dias de amanhã?

José Luiz Fiorin faz duas revelações/advertências nos dois primeiros parágrafos do seu livro Introdução ao pensamento de Bakhtin. A primeira: “Não é fácil ler a obra de Bakhtin”. A segunda: “Bakhtin é um autor que está na moda”(FIORIN,2006,p.5). Não há dúvidas sobre a veracidade da primeira revelação: não é fácil ler Bakhtin. Mas é sedutor. É o prazer vertendo da dor, da dificuldade, do não revelado, do texto não “fechado”, do ambivalente, do eternamente inacabado. Os escritos de Bakhtin, além de não obedecer formas didáticas na exposição (forma textual), estão permeados de uma espécie de anúncio de tópicos, como se fossem títulos e subtítulos de assuntos, sem verbo explícito, sem afirmação, sem os complementos de uma frase acabada. São frases inacabadas, sem conceito explícito às claras. São palavras na forma de coisas (objetos) não personalizados, pois cabe ao leitor personalizá-los. Provavelmente, Bakhtin estava bem intencionado: eu forneço a coisa inacabada (o texto “não fechado”, não pronto, não acabado) e o leitor que vá escrever do jeito e tipo que quiser. Isso me faz lembrar Ítalo Calvino:

[…] àquela época minha ilusão era de que os mundos escrito e não-escrito se esclareceriam mutuamente; as experiências de vida e as experiências literárias seriam complementares, e se progredisse num campo, progrediria no outro. Hoje, posso afirmar que sei muito mais sobre mundo escrito do que antes: nos livros, a experiência ainda é possível, mas seu domínio termina na margem branca da página (CALVINO, 2005, p.141).

Assim, cabe ao leitor escrever nos espaços entre linhas e nas margens brancas das páginas. O leitor, ao ler, continua escrevendo o “texto” no novo “contexto” e nos vários “contextos”.

Já não se pode dizer o mesmo da segunda questão: está na moda ler Bakhtin. Primeiro, seria necessário demonstrar quem já leu e quem continua lendo as obras do pensador no Brasil. Com certeza, isso não é assunto para este texto. Segundo, talvez valesse a pena recorrer ao método de Antônio Gramsci ao abordar a filosofia: “Deve-se destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia seja algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos” (GRAMSCI, 1981, p.11).

Para Gramsci “todos os homens são filósofos” (embora cada um a sua maneira!) e era necessário demonstrar isso. Era necessário descer a filosofia das alturas para o chão. Ou melhor, recolher e reconhecer a filosofia que se vivencia e manifesta na própria linguagem (um conjunto de noções e conceitos vitais determinados e não de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo); no senso comum e no bom senso (na sabedoria popular); na religião popular, nas crenças, superstições, opiniões (e tudo o que se manifesta no folclore).

Assim, a filosofia não é um campo restrito e reservado apenas aos filósofos profissionais – uma categoria de intelectuais únicos capazes de formular uma concepção unitária do mundo e criticamente coerente, atingida pelo pensamento mundial mais elevado e desenvolvido – mas importa difundir (socializar) o pensamento mais elaborado às massas populares - “ida até ao povo”. Pelo caminho de volta (détour metodológico) importa elevar a consciência das massas “a uma forma superior de cultura e de concepção de mundo”. Gramsci se vale da analogia do alto clero e baixo clero para demonstrar esse processo.

Este retorno a Gramsci é útil para formular a seguinte pergunta: a leitura de Bakhtin está na moda de qual categoria de intelectuais? Os intelectuais da esfera mais elevada, do nível mais exigente, os intelectuais que atingem a “profundidade da penetração” na compreensão dos significados do pensamento de Bakhtin? A ambivalência avoluma-se mais nesta relação “exatidão/imprecisão”(vulgarização). Ou, é possível popularizar sem vulgarizar? Se assim for, estabelece-se a ambivalência da elitização (abrangência restrita) e a popularização (abrangência universalizada). É possível popularizar um pensador e o seu pensamento sem vulgarizá-los? A popularização implica necessariamente na vulgarização? Quem tem acesso à moda bakhtiniana? Quem pratica a leitura, quem atinge a leitura, a compreensão e a interpretação não “coisificadas”, não “fechadas” dos escritos de Bakhtin? Quem leva jeito bakhtiniano de ler, de pensar, de falar, de discutir, de ouvir, de escrever? O que seria exatamente “vulgarizar” o pensamento, as idéias, os conceitos bakhtinianos? Seria justo não popularizar (vulgarizar) as idéias de Bakhtin? Ele mesmo se opõe ao “fechamento no texto”, ou seja, a uma compreensão e interpretação únicas.

A popularização de Gramsci (e de seu pensamento) se deu, ou melhor, se iniciou por ele mesmo : nos “Conselhos de Fábrica”, Conselhos/Sindicatos, Conselhos/Partido Político e de modo singular na Escola para Prisioneiros no Cárcere (Gramsci ensinou lógica, filosofia e história para os companheiros do cárcere). O princípio educativo em Gramsci está melhor formulado didaticamente, quando ele propõe a escola única, unitária, ativa, criativa e politécnica – de cultura geral humanística do novo tipo e de formação profissional de bases científicas, pensada para as camadas populares. Era moda ler Gramsci nas décadas de 70 e 80 no Brasil. A popularização de Gramsci se faz até hoje pela grande influência sobre todos os que lutam por uma democracia substantiva e por uma renovação de uma nova cultura e uma nova sociedade. Volta-se à pergunta: como ocorre a popularização do pensamento de Bakhtin? Como ler, compreender, interpretar o pensamento bakhtiniano? Como levar Bakhtin aos sindicatos, movimentos sociais , partidos políticos, às escolas, aos movimento culturais e artísticos populares? Como descer Bakhtin dos “nichos” das universidades (dos cursos de letras?) e invadir as escolas, penetrar nos ambientes e cenários educacionais?

Neste momento, no Paraná, o Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, está promovendo estudos, discussões e seminários em todo Estado para 2.600 professores, sobre o tema: Trabalho, Cultura e Escola em Gramsci. Estou participando em três dos cinco seminários, com o enfoque: O princípio educativo em Gramsci na atualidade. Perguntei para mim mesmo: porque o PDE não incluiu o princípio educativo em Bakhtin na Educação do Paraná? Logo me surgiram outras perguntas: quais seriam os princípios educativos em Bakhtin? E os princípios pedagógicos? E como seria a escola em Bakhtin?

Bem, este é um dos três eixos do tema central do Círculo – Rodas de Conversa Bakhtiniana 2009. Com certeza, muito será escrito e conversado sobre este tema, para além das belas e originais conversas “abakhatinianas”(!).
Por fim, para rememorar e provocar, quando leio Bakhtin me vem à memória Marx, Gramsci, Ítalo Calvino, Sartre, Fellini entre outros pensadores. Percebo um entrelaçamento dos conceitos, sentidos, significados das categorias de análise entre estes pensadores/diretores (Fellini, particularmente em E La Nave Va). Seria uma legítima sinfonia polifônica das vozes destes pensadores ou uma prova da vulgarização e imprecisão intelectuais).

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