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Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

IDEOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS E BAKHTIN

José Kuiava
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O título do presente tema, proposto pelos coordenadores e ideólogos do Circulo – Rodas de Conversa Bakhtiniana 2009, revela a “exatidão” do seu justo significado: Ideologias Contemporâneas. No plural, as ideologias conferem o verdadeiro significado em seu sentido social histórico.
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De qualquer modo, para esboçar os apontamentos com o propósito de iniciar as conversas, é preciso dizer de onde parto no exame das categorias e de quais conceitos de ideologias estou falando. Para tanto, faz-se necessário explicitar um pressuposto, uma espécie de significado comum e permanente à todas as ideologias. Assim, as ideologias (e seus conceitos e significados) são produzidas pelos fatos sociais, ou seja, são históricas, resultantes de realidades determinadas. E por serem históricas, os seus conceitos e significados não se eternizam numa categoria única, abstrata e a-histórica: a ideologia no singular. Precisamos falar na multiplicidade de ideologias e não na univocidade. Não há como considerar a ideologia em seu sentido puro, unívoco, embora isso já tenha sido feito, por interesses ideológicos, é óbvio. Porém, mesmo tomada em seu conceito genérico demonstrando que ideologia seria a maneira de esconder o processo da história, um eterno, permanente e novo modo de ocultamento da realidade social em seu novo contexto. Seria um incômodo jogo de legitimar as condições sociais das classes dominantes/dirigentes pela exploração e dominação das classes subalternas, parecendo ser verdadeiro e justo tal modo de exploração e dominação, convalidado pelas próprias classes exploradas. Este parece ser o papel e a intencionalidade permanentes das ideologias historicamente produzidas. Por este significado, ideologia (no singular) seria o ocultamento da realidade social. Assim, em sua essência, o conceito da ideologia não mudaria, mudariam apenas os seus matizes.
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Entretanto, examinadas as ideologias em seus devidos contextos sociais, elas se manifestam críticas historicamente. Inicialmente, vou rememorar sucintamente três pensadores e seus conceitos/significados de ideologias: Marx, Gramsci e Bakhtin. No final, identifico as ideologias hegemônicas da atualidade.
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Ideologia em Marx – Quando Marx faz a crítica ao significado do termo Napoleônico, diz: “o ideólogo é aquele que inverte as relações entre as idéias e o real” (CHAUI, 1983,p.25). Em seguida, Marx assinala um pressuposto fundamental; não é possível separar a produção das idéias e as condições sociais e históricas nas quais são produzidas (idem, p.32). Há um pressuposto anterior a produção da ideologia: a história como um conhecimento dialético e materialista da realidade social. Há, portanto, uma relação entrelaçada entre o conceito de história e ideologia. Esta, a ideologia é um dos aspectos da história. Para a exata compreensão de ideologia em Marx, é necessário evocar os significados de contradição e oposição. A contradição é a negação interna. A oposição pressupõe a existência de dois termos. Exemplo, os termos “Senhor” e “escravo” são opostos. Dois termos de significados opostos. No caso de eu me referir ao termo “Senhor” (homem livre) ele mesmo, por si mesmo nega o seu contrário “escravo” (homem sem liberdade). Não permite o seu contrário em si mesmo. Bem, esta diferenciação foi fundamental para Marx formular o conceito de ideologia, a partir do pressuposto histórico: … “as contradições mão existem como fatos dados no mundo, mas são produzidas. A produção e superação das contradições é o movimento da história. A produção e a superação das contradições revela que o real se realiza como luta” (CHAUI, 1983, p.38). Daí, para Marx, a ideologia e a ideologia burguesa em geral, são produzidas em suas formas e modalidades em cada época e contexto. Acima de tudo e sempre, a ideologia burguesa é a forma, o mecanismo de alienação das classes trabalhadoras. Três termos fortes e determinantes integram o conceito de ideologia: alienação (entregar a própria vontade ao burguês), reificação (tornar o ser humano em coisa) e fetichismo (atribuir poder mágico, camuflado a determinados termos). Daí que, produzir, distribuir, comerciar, acumular, consumir, investir, poupar, trabalhar, são termos embevecidos de significados próprios que se impõem aos seres humanos, independentes da vontade dos homens. Pela clareza dos conceitos vou recorrer novamente às palavras de Marilena Chauí:
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… A ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação, fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados.
… quando se diz que o trabalho dignifica o homem e não se analisam as condições reais de trabalho, que brutalizam, entorpecem, exploram certos homens em benefícios de uns poucos. Estamos diante da idéia de trabalho e não diante da realidade histórico-social do trabalho (p. 86,88).
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É possível perceber o conceito de ideologia nos escritos em geral de Marx, sobretudo em A Ideologia Alemã. Um livro muito didático para este fim é O que é Ideologia, de Marilena Chauí.
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Ideologia em Gramsci – Gramsci não modificou nem negou a concepção de ideologia de Marx. Pelo contrário, ampliou o conceito, agregou ao núcleo conceitual básico de Marx novos significados de acordo com as novas condições objetivas da história. É como se Gramsci tivesse falado: é isso aí, camarada Marx. Ainda agora, 80 anos depois o que você falou e escreveu continua válido. O capitalismo de agora continua capitalismo, só que um pouco mais sacana. Agora que a industrialização pegou força e velocidade ninguém mais segura a humanidade. O capitalismo já não é mais o mesmo. É aquela velha e pré-socrática história de filósofo, o inventor da dialética. Heráclito de Efeso, após ter tomado banho no rio, já na barranca, ao olhar as águas sujas, que havia deixado, indo rio abaixo, sacou: “um homem não pode tomar banho duas vezes no mesmo rio. Porque da segunda vez não será o mesmo homem, nem estará nas mesmas águas (Heráclito, apud. Konder, 1983, p.8). Gramsci não era Marx, nem Heráclito, e nem o capitalismo era o mesmo dos tempos de Marx.
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Gramsci conectou o conceito de ideologia ao conceito ampliado de Estado, em relação ao conceito restrito de Estado de Marx. Marx falou e escreveu: “o estado é um comitê executivo da burguesia para proteger a própria burguesia e o capital. Gramsci percebeu que o estado não era mais essa ordem monolítica e nem o monopólio do poder da burguesia (classe dominante) e do bloco no poder (classe dirigente). Aí formulou o conceito de estado, segundo o qual há dois componentes: a sociedade política (as forças coercitivas repressoras, os aparelhos de estado) e a sociedade civil (a estrutura e a superstrutura: bloco histórico). Daqui Gramsci extraiu o germe do conceito de ideologia: “...do conceito de ideologia dos pensadores franceses do século XVIII, ideologia como a “ciência das idéias”, como “análise sobre a origem das idéias”. Gramsci diz que o significado do conceito de ideologia deve ser examinado historicamente. Só assim é possível atingir a superação dos conceitos a- históricos de ideologia. O conceito de ideologia deve ser entrelaçado à filosofia da práxis.
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Para caracterizar a concepção de ideologia em Gramsci, nada melhor do que ele, Gramsci, falando:
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… ideologia… o significado mais alto de uma concepção do mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas manifestações de vida individuais e coletivas.
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… O sentido pejorativo da palavra tornou-se exclusivo, o que modificou e desnaturou a análise teórica do conceito de ideologia. O processo deste erro pode ser facilmente reconstruído: 1) identifica-se a ideologia como sendo distinta da estrutura e afirma-se que não são as ideologias que modificam as estruturas, mas sim vice-versa;, mas sim vice-versa; 2) afirma-se que uma determinada solução política é “ideológica”, isto é, insuficiente para modificar a estrutura, mesmo que acredite poder modificá-la; afirma-se que é inútil, estúpida, etc.; 3) passa-se a afirmar que toda ideologia é “pura” aparência, inútil, estúpida, etc.
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É necessário, por conseguinte, distinguir entre ideologias historicamente orgânicas, isto é, que são necessárias a uma determinada estrutura, e ideologias arbitrárias, racionalistas, “desejadas”. Na medida em que são historicamente necessárias, elas “organizam” as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc. Na medida em que são “arbitrárias”, elas não criam senão “movimentos” individuais, polêmicos, etc. (nem mesmo estas são completamente inúteis, já que funcionam como o erro que se contrapõe a verdade e a afirma).
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Recordar a frequente afirmação de Marx sobre a “solidez das crenças populares”, como elemento necessário de uma determinada situação. Ele diz mais ou menos isto: “quando esta maneira, de conceber tiver a força das crenças populares”, etc. Utra afirmação de Marx é a de que uma persuasão popular tem, na maioria dos casos, a mesma energia de uma força material (ou algo semelhante), o que é muito significativo. A análise destas afirmações, creio, conduz ao fortalecimento da concepção de “bloco histórico”, no qual, justamente, as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma – sendo que esta distinção entre forma e conteúdo é puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais (GRAMSCI, 1981, p.16, 62-63).
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É interessante lembrar que Gramsci relaciona permanentemente a produção de ideologia aos intelectuais. Sem intelectuais não há produção de ideologia. Relaciona também ideologia e hegemonia e contrapõe a estas os novos conceitos de contra-hegemonia e contra-ideologia. Gramsci percebe com muita propriedade o modo como a sociedade civil se articula em sua organização interna, por meio da qual a classe dirigente difunde sua ideologia. Chama a esta organização de “estrutura ideológica” da classe dirigente. E quais organizações tem a função de difundir ( inculcar) a ideologia? Segundo Gramsci, as organizações: a igreja, a escola e a imprensa/edição. A Igreja detinha, até certo momento da história, o quase monopólio da sociedade civil e com ela o domínio da ideologia religiosa. A organização escolar, como aparelho do Estado (também a de organismos privados) como aparelho do conjunto cultural da sociedade civil. É ela, a escola (e a universidade) a que melhor produz e preserva a concepção de mundo de seu tempo. A imprensa/edição é a terceira instituição máxima da sociedade civil. Nos tempos de Gramsci, a imprensa era ainda nascente, mas com grande valor e poder, como a mais dinâmica da sociedade civil. Naqueles novos tempos, Gramsci constata que “as editoras tem um programa implícito ou explícito e se vinculam a uma corrente determinada” (esta última síntese e citação está em Hugues Portelli, Gramsci e o Bloco Histórico).
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Ideologia de Bakhtin - Bem, acho melhor deixar esta conversa para os entendidos em Bakhtin. Principalmente, àqueles que entendem sobre ideologia em Bakhtin.
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As Ideologias Contemporâneas – Por uma questão prática (embora não seja a melhor solução) podemos denominar genericamente de ideologia neoliberal do final do séc.XX e inícios do séc. XXI. Para sua análise, permanecem válidos os conceitos de ideologia de Marx, Gramsci e Bakhtin. Porém, há novos matizes. Particularmente, novos modos, novas maneiras, novos meios de difusão e de persuasão. Menos coercitivos, menos inculcadores. Poderíamos dizer que há um novo clichê pedagógico de alienação: a pedagogia da persuasão pelo encantamento, pela sedução – a informação eletrônica.
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Na visão de Neil Postman, três novos deuses dominam a sociedade, aos quais o sistema educacional serve: a tecnocracia, o utilitarismo e o consumismo. É como se nos proclamassem: estes três deuses nos tornam humanos, quer dizer, felizes. Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant, em A Nova Bíblia de Tio Sam, abrem, com muita graça e fina ironia, um texto, também publicado no Fórum Social Mundial. Vamos ao texto.
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Os efeitos da nova vulgata são tão poderosos e perniciosos que ela é veiculadanão apenas pelos partidários do neoliberalismo, mas por produtores culturais emilitantes de esquerda que, em sua maioria, ainda se consideram progressistas.
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Em todos os países avançados, patrões, altos funcionários internacionais,intelectuais de projeção na mídia e jornalistas de primeiro escalão, se puseramde acordo em falar uma estranha novilíngua cujo vocabulário, aparentementesem origem, está em todas as bocas: "globalização", "flexibilidade";"governabilidade" e "empregabilidade"; "underclass"e "exclusão" ; "novaeconomia" e "tolerância zero"; "comunitarismo (2)", "multiculturalismo" e seusprimos "pós-modernos", "etnicidade", "minoridade", "identidade","fragmentação" etc.
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A difusão dessa nova vulgata planetária -- da qual estão notavelmenteausentes capitalismo, classe, exploração, dominação, desigualdade, e tantosvocábulos decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou depresumida impertinência -- é produto de um imperialismo apropriadamentesimbólico: seus efeitos são tão mais poderosos e perniciosos porque ele éveiculado não apenas pelos partidários da revolução neoliberal -- que, sob acapa da "modernização", entende reconstruir o mundo fazendo tábula rasa dasconquistas sociais e econômicas resultantes de cem anos de lutas sociais,descritas, a partir dos novos tempos, como arcaísmos e obstáculos à novaordem nascente, -- porém também por produtores culturais (pesquisadores,escritores, artistas) e militantes de esquerda que, em sua maioria, ainda seconsideram progressistas.
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Bem, acho que já é assunto para muita conversa.

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