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Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

O que tem a noção de gênero para ser tão convocada no ensino brasileiro?

Márcia Maria Magalhães Borges PG/UFG
Orientadora: Kátia Menezes de Sousa

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A noção de gêneros encontra seus contornos traçados desde a antiguidade clássica. Na tradição ocidental, a sua observação sistemática inicia-se em Platão e se firma com Aristóteles, passando por Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, o Renascimento e a Modernidade, até os primórdios do século XX. Entretanto, se a noção de gênero estava vinculada à literatura e à retórica, hoje ela tomou novas diretrizes.
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No Brasil, especialmente no campo da lingüística aplicada ao ensino de línguas, a partir de 1995, as teorias de gêneros textual/discursivo têm sido alvo de discussão. Em parte, a mudança de enfoque se deve a dois domínios institucionais em que a noção de gênero tem circulado – o domínio da teorização acadêmico-científica e o domínio da normatização oficial do ensino de língua portuguesa. O primeiro, segundo Gomes-Santos (2004), refere-se ao saber acadêmico produzido no espaço universitário, ou seja, ao conjunto de práticas que ordenam determinados saberes segundo a especificação de aportes teóricos e correntes disciplinares. O segundo relaciona-se ao conjunto de práticas oficiais de regulação do sistema de ensino efetivadas pela instância estatal – especificamente pelo Ministério da Educação e do Desporto do governo federal. De acordo com o autor acima, esses dois dispositivos são considerados lugares de visibilização do conceito de gênero.
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Sendo assim, uma explosão de pesquisas a respeito dessa noção eclodiu sob a inscrição de diferentes correntes teórico-metodológicas, tais como as de tendência dos estudos textuais ou análise da conversação e estudos brasileiros de tendência similar como os de Koch (2000), por exemplo. Esses estudos contemplam a análise do funcionamento de um determinado fenômeno da dimensão textual-discursiva da linguagem em diferentes gêneros.
Outra tendência faz remissão a aportes teóricos inscritos nos estudos anglófonos como: os trabalhos de Swales e o do Modelo Tridimensional de Análise Crítica do Discurso, cujo expoente principal é Fairclough. Além disso, há estudos brasileiros de tendência similar como os trabalhos desenvolvidos por Meurer, Motta-Roth e outros. Também são realizadas pesquisas de tendência centradas nos estudos genebrinos que fundam o conceito de gênero, por um lado, nos estudos do Grupo de Genebra, cujos representantes principais são Bronckart, Scheuwly e Dolz. No Brasil, encontramos pesquisas desta linha no programa de estudos de pós-graduação em lingüística aplicada e estudos da linguagem (LAEL) da PUC-SP (GOMES-SANTOS, 2004).
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Além desses estudos realizados acerca dos gêneros, temos os trabalhos agrupados sob a nomeação estudos enunciativo-discursivos de extração francófona e estudos brasileiros de tendência similar. Essa tendência se diferencia das outras três aqui mencionadas, exatamente, porque essa vertente remete tanto a estudos inscritos na escola francesa de Análise do Discurso, cujos autores representativos podemos citar Pêcheux, Authier-Revuz, Maingueneau, como àqueles ligados à história das idéias e mentalidades e à história nova – com Foucault, Chartier, de Certeau. Há também referência a estudos enunciativos como os de Benveniste, Ducrot. Ainda conforme Gomes-Santos (2004), a diversidade de trabalhos agrupados nesse bloco inclui, dentre outras, quatro preocupações: (1) a problematização do conceito de gênero e sua relação com a noção de tipologia textual; (2) a caracterização de práticas discursivas particulares – slogan político, por exemplo; (3) a análise de conceitos-chave da teoria do discurso em gêneros particulares – subjetividade e interdiscursividade; (4) autoria.
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Essa orientação teórico-metodológica inclui autores brasileiros como Brait, Brandão, Possenti, Geraldi. Do ponto de vista institucional, destacamos os trabalhos desenvolvidos nessa linha pela UFPB, Unicamp, USP, Unesp (sobretudo de Araraquara-SP).
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Há, ainda, outros pertencimentos teórico-metodológicos que consistem em um conjunto diverso de trabalhos que alternam entre uma corrente particular ou se inscrevem em correntes teóricas reconhecidas. Dentre essas correntes, temos Sociolinguística, Pragmática, Psicolinguística, mas essas linhas não têm tomado parte da reflexão sobre gênero tal como ela se configura na conjuntura acadêmico-científica mais recente.
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Diante de todas essas tendências aqui delineadas, ficamos nos perguntando: o que tem essa noção de tão importante que atraiu tanto a atenção do ensino brasileiro, sem contar que houve a migração desse conceito das esferas das ciências da linguagem para as propostas, os programas e parâmetros ou referenciais curriculares para a educação básica em língua e linguagem no mundo?
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Parece que trabalhar com essa noção, não é mais uma questão de opção, mas de obrigação. Pensamos dessa forma, porque se os gêneros não são propostos de forma explícita como objeto de ensino nos referenciais brasileiros para o ensino fundamental - PCN de 1º, 2º ciclos (1997); 3º e 4º ciclos (1998) - e dos referenciais genebrinos para a escola primária e secundária, a divisão apresentada nesses documentos por capacidades, competências ou habilidades, que, de maneira geral, abarcam as atividades como escrever, ler, falar e ouvir, apontam para um trabalho centrado na noção de gênero.
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Sendo assim, não temos medo de afirmar que o texto intitulado “os gêneros do discurso”, Bakhtin (2000), é o mais lido, citado e conhecido. Essa realidade nos faz ficar curiosos para entender como os gêneros discursivos entraram para o Brasil. O que propiciou a sua inserção e propagação. É certo que nenhuma teoria surge do nada, porque existem sempre enunciados já realizados suscitando outros que ainda estão por vir. Então, o que tem de fato a noção de gênero para ser tão convocada no ensino brasileiro, a ponto de suscitar textos e livros que a contemplem? E como essa noção foi requisita e não outra em seu lugar? Parece mesmo que o conceito de gênero desestabiliza práticas de ensino que priorizam uma abordagem tradicional.
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Referências Bibliográficas
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BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. IN: Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. (Trad. Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira). São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa – Primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
_______. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa – terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
GOMES-SANTOS, S. A questão do gênero no Brasil: Teorização acadêmico- científica e normatização oficial. Tese de doutorado. Campinas: IEL/UNICAMP, 2004

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