Paola Goussain de Souza Lima
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História do Gênero: da Antiguidade a Bakhtin
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Os gêneros eram classificados de acordo com suas formas poéticas. Aristóteles, em Poética, utilizou o modo de representação mimética para especificar os gêneros - poesia de primeira voz representa a lírica; de segunda voz, a épica e de terceira voz, o drama.
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Já, antes de Aristóteles, Platão, numa primeira abordagem, propôs uma classificação binária – gênero sério (epopéia e tragédia) e gênero burlesco (comédia e sátira) - , tomando como enfoque para tal classificação o juízo de valor de obras representativas. Numa segunda abordagem, Platão, através das relações entre realidade e representação, elaborou a tríade: gênero mimético ou dramático (tragédia ou comédia); gênero expositivo ou narrativo (ditirambo, nomo e poesia lírica) e gênero misto (epopéia).
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Na literatura, a classificação aristotélica se consagrou, tornando a base de seus estudos. No entanto, o estatuto de gênero aristotélico teria se consagrado, se não fosse o surgimento da prosa comunicativa.
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Com o aparecimento da prova, passou-se a reivindicar, para o estudo sobre gênero, as análises das formas de interação realizadas pelo discurso. E, através, desta urgência em se estudar as formas discursivas, Bakhtin desenvolveu a noção de gêneros discursivos, considerando, como base, o dialogismo dos processos comunicativos. Conseqüentemente, mudou-se a rota dos estudos: além das formações poéticas, devem-se considerar as práticas que os diferentes usos da linguagem fazem do discurso – a pluralidade.
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Gênero: Definição, Problematização e Categorização
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Qualquer atividade humana, independentemente de sua esfera, envolve a língua, sendo que esta se concretiza por meio de enunciados. O enunciado é composto por conteúdo, tema, estilo verbal e por construção composicional e, reflete as condições e finalidades de cada esfera da comunicação. Cada esfera de comunicação elabora seus “tipos relativamente estáveis de enunciados”, denominando estes últimos de gêneros do discurso. Não havendo possibilidade de um enunciado concretizar-se, materializar-se senão por meio de um gênero.
As esferas comunicativas comportam, cada uma, determinados tipos de gêneros de discurso e estes se desenvolvem à medida que a esfera evolui. São infinitas as variedades de gêneros, pois há uma grande variedade de atividades humanas. Os gêneros são heterogêneos, apresentando, com isto, diversidades funcionais.
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Uma explicação para a problemática do estudo sobre o gênero do discurso é o fato deste, devido à sua heterogeneidade, parecer ter traços abstratos. Os gêneros literários foram estudados desde a Antiguidade sob o ângulo artístico-literário. O estudo sobre as particularidades dos enunciados, que compõem o gênero, não foi levado em consideração. Os gêneros retóricos, também, foram estudados: apesar de haver uma maior preocupação com a natureza verbal dos enunciados – estudava-se a relação com o ouvinte, a influência do enunciado sobre este, a conclusão verbal do enunciado -, deixava-se de lado a natureza lingüística. Com os estudos sobre os gêneros do discurso cotidiano, evidenciou-se a especificidade do discurso oral.
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No entanto, nestes estudos anteriores, não houve uma cobertura de toda a natureza lingüística do enunciado e, conseqüentemente, do gênero. Para um estudo mais abrangente, deve-se considerar a diferença essencial existente entre o gênero de discurso primário e o gênero de discurso secundário.
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O gênero de discurso primário ocorre em atividades comunicativas mais simples, está ligado ao plano oral da língua. Enquanto que o gênero secundário aborda situações mais complexas e evoluídas, sendo que este tipo de gênero absorve e transforma os gêneros primários, fazendo-os adquirir outros valores.
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A distinção entre gênero primário e secundário tem grande importância, pois, a partir desta distinção, será possível elucidar a natureza do enunciado, definindo-a através da análise de ambos os gêneros.
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O estudo da natureza dos enunciados e diversidade dos gêneros, nas diferentes esferas comunicativas, tem grande importância para a lingüística e filologia. Todo trabalho, toda pesquisa acerca de um material lingüístico concreto lida com enunciados concretos que, por sua vez, lidam com diferentes áreas de atividades humanas, originando determinados gêneros do discurso. É do gêneros que os pesquisadores retiram os fatos lingüísticos que precisam.
“A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua” (Bakhtin, p. 282).
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Gênero e Estilo
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O estilo está intrinsecamente ligado ao enunciado e, conseqüentemente, ao gênero de discurso. O enunciado, seja oral ou escrito, primário ou secundário, por ser individual, carrega a individualidade de quem o falou ou o escreveu, tendo, por isto, um estilo individual.
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Os gêneros literários são mais propícios ao estilo individual, pois oferecem variadas possibilidades de expressão, provendo às diversas necessidades. Já, os gêneros de discurso - como o documento oficial e a nota de serviço, por se destinarem a uma determinada função e, por isto, ter uma forma padronizada - não refletem tanto o estilo individual. Ocorre que, na maioria dos gêneros do discurso, o estilo individual será mais um complemento, porque não faz parte da intenção do enunciado, não servindo às suas finalidades.
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O grande problema do enunciado é saber o que, na língua, cabe ao uso corrente e ao uso do individuo,é saber a definição do estilo geral e do estilo individual dentro da diversidade dos gêneros.
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O estilo lingüístico ou funcional é o estilo de um gênero peculiar de uma esfera comunicativa - uma dada função e condição, dentro de um tipo de atividade humana gera determinado gênero (um dado tipo de enunciado relativamente estável do ponto de vista temático,composicional e estilístico).
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O estilo está fortemente vinculado às unidades temáticas determinadas e unidades composicionais: tipo de estruturação e de conclusão de um todo, tipo de relação entre o locutor e os outros actantes da comunicação verbal.
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Devido a tais características, citadas acima, o estilo é um elemento da unidade do gênero e seu estudo deve basear-se num estudo prévio dos gêneros em sua diversidade. As falhas no estudo sobre estilo resultam na ausência de classificação dos gêneros do discurso, de acordo com a sua esfera comunicativa, e na ausência de diferenciação entre os gêneros primários e secundários.
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As mudanças lingüísticas são indissociáveis das mudanças efetuadas nos gêneros do discurso. As mudanças nos gêneros do discurso refletem a menor mudança na vida social. “Nenhum fenômeno novo (fonético, lexical, gramatical) pode entrar no sistema da língua sem ter sido longamente testado e ter passado pelo acabamento do estilo-gênero” (Bakhtin, p.285).
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A língua escrita, em qualquer época de desenvolvimento, é marcada não só pelo gênero secundário, como também pelo primário. Incorporar, na escrita, diversas camadas da língua popular, acarreta em mudanças na organização e conclusão de todos os gêneros, levando a reestruturação e renovação destes. Passar o estilo de um determinado gênero para outro, muda não somente o estilo em questão, mas há, também, reconstrução e renovação do próprio gênero.
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A gramática, apesar de se distinguir da estilística, incorpora-a em seus estudos – até a seleção gramatical feita por um locutor é um ato lingüístico.
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O estudo do enunciado – da unidade real da comunicação verbal – “deve permitir compreender melhor a natureza das unidades da língua (língua como sistema): as palavras e as orações” (Bakhtin, p. 287).
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Referências Bibliográficas
Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Brait, B. (org.). Bakhtin, Dialogismo e Construção do Sentido. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.
______________. Bakhtin: Conceitos-chave. São Paulo: Editora Contexto, 2005.
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História do Gênero: da Antiguidade a Bakhtin
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Os gêneros eram classificados de acordo com suas formas poéticas. Aristóteles, em Poética, utilizou o modo de representação mimética para especificar os gêneros - poesia de primeira voz representa a lírica; de segunda voz, a épica e de terceira voz, o drama.
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Já, antes de Aristóteles, Platão, numa primeira abordagem, propôs uma classificação binária – gênero sério (epopéia e tragédia) e gênero burlesco (comédia e sátira) - , tomando como enfoque para tal classificação o juízo de valor de obras representativas. Numa segunda abordagem, Platão, através das relações entre realidade e representação, elaborou a tríade: gênero mimético ou dramático (tragédia ou comédia); gênero expositivo ou narrativo (ditirambo, nomo e poesia lírica) e gênero misto (epopéia).
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Na literatura, a classificação aristotélica se consagrou, tornando a base de seus estudos. No entanto, o estatuto de gênero aristotélico teria se consagrado, se não fosse o surgimento da prosa comunicativa.
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Com o aparecimento da prova, passou-se a reivindicar, para o estudo sobre gênero, as análises das formas de interação realizadas pelo discurso. E, através, desta urgência em se estudar as formas discursivas, Bakhtin desenvolveu a noção de gêneros discursivos, considerando, como base, o dialogismo dos processos comunicativos. Conseqüentemente, mudou-se a rota dos estudos: além das formações poéticas, devem-se considerar as práticas que os diferentes usos da linguagem fazem do discurso – a pluralidade.
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Gênero: Definição, Problematização e Categorização
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Qualquer atividade humana, independentemente de sua esfera, envolve a língua, sendo que esta se concretiza por meio de enunciados. O enunciado é composto por conteúdo, tema, estilo verbal e por construção composicional e, reflete as condições e finalidades de cada esfera da comunicação. Cada esfera de comunicação elabora seus “tipos relativamente estáveis de enunciados”, denominando estes últimos de gêneros do discurso. Não havendo possibilidade de um enunciado concretizar-se, materializar-se senão por meio de um gênero.
As esferas comunicativas comportam, cada uma, determinados tipos de gêneros de discurso e estes se desenvolvem à medida que a esfera evolui. São infinitas as variedades de gêneros, pois há uma grande variedade de atividades humanas. Os gêneros são heterogêneos, apresentando, com isto, diversidades funcionais.
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Uma explicação para a problemática do estudo sobre o gênero do discurso é o fato deste, devido à sua heterogeneidade, parecer ter traços abstratos. Os gêneros literários foram estudados desde a Antiguidade sob o ângulo artístico-literário. O estudo sobre as particularidades dos enunciados, que compõem o gênero, não foi levado em consideração. Os gêneros retóricos, também, foram estudados: apesar de haver uma maior preocupação com a natureza verbal dos enunciados – estudava-se a relação com o ouvinte, a influência do enunciado sobre este, a conclusão verbal do enunciado -, deixava-se de lado a natureza lingüística. Com os estudos sobre os gêneros do discurso cotidiano, evidenciou-se a especificidade do discurso oral.
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No entanto, nestes estudos anteriores, não houve uma cobertura de toda a natureza lingüística do enunciado e, conseqüentemente, do gênero. Para um estudo mais abrangente, deve-se considerar a diferença essencial existente entre o gênero de discurso primário e o gênero de discurso secundário.
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O gênero de discurso primário ocorre em atividades comunicativas mais simples, está ligado ao plano oral da língua. Enquanto que o gênero secundário aborda situações mais complexas e evoluídas, sendo que este tipo de gênero absorve e transforma os gêneros primários, fazendo-os adquirir outros valores.
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A distinção entre gênero primário e secundário tem grande importância, pois, a partir desta distinção, será possível elucidar a natureza do enunciado, definindo-a através da análise de ambos os gêneros.
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O estudo da natureza dos enunciados e diversidade dos gêneros, nas diferentes esferas comunicativas, tem grande importância para a lingüística e filologia. Todo trabalho, toda pesquisa acerca de um material lingüístico concreto lida com enunciados concretos que, por sua vez, lidam com diferentes áreas de atividades humanas, originando determinados gêneros do discurso. É do gêneros que os pesquisadores retiram os fatos lingüísticos que precisam.
“A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua” (Bakhtin, p. 282).
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Gênero e Estilo
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O estilo está intrinsecamente ligado ao enunciado e, conseqüentemente, ao gênero de discurso. O enunciado, seja oral ou escrito, primário ou secundário, por ser individual, carrega a individualidade de quem o falou ou o escreveu, tendo, por isto, um estilo individual.
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Os gêneros literários são mais propícios ao estilo individual, pois oferecem variadas possibilidades de expressão, provendo às diversas necessidades. Já, os gêneros de discurso - como o documento oficial e a nota de serviço, por se destinarem a uma determinada função e, por isto, ter uma forma padronizada - não refletem tanto o estilo individual. Ocorre que, na maioria dos gêneros do discurso, o estilo individual será mais um complemento, porque não faz parte da intenção do enunciado, não servindo às suas finalidades.
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O grande problema do enunciado é saber o que, na língua, cabe ao uso corrente e ao uso do individuo,é saber a definição do estilo geral e do estilo individual dentro da diversidade dos gêneros.
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O estilo lingüístico ou funcional é o estilo de um gênero peculiar de uma esfera comunicativa - uma dada função e condição, dentro de um tipo de atividade humana gera determinado gênero (um dado tipo de enunciado relativamente estável do ponto de vista temático,composicional e estilístico).
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O estilo está fortemente vinculado às unidades temáticas determinadas e unidades composicionais: tipo de estruturação e de conclusão de um todo, tipo de relação entre o locutor e os outros actantes da comunicação verbal.
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Devido a tais características, citadas acima, o estilo é um elemento da unidade do gênero e seu estudo deve basear-se num estudo prévio dos gêneros em sua diversidade. As falhas no estudo sobre estilo resultam na ausência de classificação dos gêneros do discurso, de acordo com a sua esfera comunicativa, e na ausência de diferenciação entre os gêneros primários e secundários.
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As mudanças lingüísticas são indissociáveis das mudanças efetuadas nos gêneros do discurso. As mudanças nos gêneros do discurso refletem a menor mudança na vida social. “Nenhum fenômeno novo (fonético, lexical, gramatical) pode entrar no sistema da língua sem ter sido longamente testado e ter passado pelo acabamento do estilo-gênero” (Bakhtin, p.285).
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A língua escrita, em qualquer época de desenvolvimento, é marcada não só pelo gênero secundário, como também pelo primário. Incorporar, na escrita, diversas camadas da língua popular, acarreta em mudanças na organização e conclusão de todos os gêneros, levando a reestruturação e renovação destes. Passar o estilo de um determinado gênero para outro, muda não somente o estilo em questão, mas há, também, reconstrução e renovação do próprio gênero.
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A gramática, apesar de se distinguir da estilística, incorpora-a em seus estudos – até a seleção gramatical feita por um locutor é um ato lingüístico.
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O estudo do enunciado – da unidade real da comunicação verbal – “deve permitir compreender melhor a natureza das unidades da língua (língua como sistema): as palavras e as orações” (Bakhtin, p. 287).
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Referências Bibliográficas
Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Brait, B. (org.). Bakhtin, Dialogismo e Construção do Sentido. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.
______________. Bakhtin: Conceitos-chave. São Paulo: Editora Contexto, 2005.
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