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A palavra e a multiplicidade dos olhares sobre o mundo

Antonieta Bernadete Teixeira de Andrade


Para Bakhtin, a palavra é o modo mais puro e sensível de relação social. Para percebermos como essas relações se constituem é necessário lembrar que “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência”[1] , uma vez que se faz no elo entre todos os domínios sociais e da convivência. É por meio da palavra que percebemos as mudanças mais efêmeras de ocorrências quer no âmbito das relações locais, quer no âmbito de uma sociedade.

Para compreender as relações e interações entre os sujeitos e como ocorre a construção dos sentidos, é necessário perceber na palavra seu signo ideológico, que tem a capacidade de assumir múltiplas semânticas envolvendo diferentes campos como a política, nos valores morais e sociais de uma determinada localidade.

A reflexão sobre essas idéias bakhtinianas da linguagem e da palavra nos possibilita refletir sobre o papel da escola pública enquanto espaço de convivência social, formada por alunos procedentes de grupos sociais desfavorecidos economicamente e com pouco acesso aos meios culturais.

Assistimos a representação de novas linguagens, textos e contextos, que reproduzem, muitas vezes, uma série de mal entendidos e desencontros entre os sujeitos de convivência, pelo emprego de terminologias que se modificaram no tempo recente em seus significados e sentidos.

Essas modificações também são reflexos de um tempo de grande fluxo de informações ocorridas na criatividade de construção de novos ambientes de comunicação e interação entre os sujeitos, que se expressam em manifestações discursivas na perspectiva das inovações semânticas, para novas formulações de interação social e entendimento.

É nas atividades humanas construídas neste cotidiano vivido como educadora[2] e mediadas pelos diálogos, que vamos compondo nossas narrativas com a riqueza plural dos repertórios das palavras e linguagens, das histórias orais de vivências muitas vezes a nós peculiares, porém tradutoras de uma riqueza cultural sutil, de informações e reflexões sobre novas concepções de olhar a escola enquanto local de formação humana.

Na busca de compreender o ambiente escolar, nas suas práticas pedagógicas, no interagir diário e conhecer a história local contada por seus sujeitos, me vi envolvida e mergulhada nas narrativas, de suas gentes que tem traduzido outros significados e olhares de um mundo que se desvela sobre uma perspectiva singela de quem está ali por tanto tempo, vivenciando, cada espaço, cada momento, cada gesto, cada pessoa, na vida simples do cotidiano, que muitas vezes na pressa do fazer nos passa despercebida.

Isso foi se desvelando quando busquei compreender esses sujeitos, seus olhares, a lógica da consciência[3] e na tentativa de contribuir com o processo de aprendizagem para transformar os espaços. Porém, transformei a mim mesma, na perspectiva sensível de olhar esses sujeitos.
Estas histórias que estamos buscando compor vão sendo organizadas pelos estudos dessas múltiplas falas narradas de fatos ocorridos que trazem os debates e os conflitos das convivências, diferentes formas de compor o ambiente dos que ali convivem e como percebem e praticam sua docência ou as outras atividades no cotidiano da escola.

Neste sentido a necessidade em compreender o olhar comum local, e como é construído, para que possamos interagir em nossa prática como educadora e gestora do fazer escolar, entendemos que o processo de interação só ocorre mediante as articulações dos saberes individuais, das reflexões pessoais e coletivas, da elaboração de idéias a partir das experiências individuais dos sujeitos e em que se abrem os espaços para o imaginário criativo. Isso só ocorre quando os diálogos e as relações com o outro e vão tecendo as reflexões nas narrativas e nas estórias relatadas e desfrutadas com as emoções das vivências compartilhadas.
Porém, a construção desses diálogos se faz nas falas, nos gestos, nas palavras, nos discursos, fruto da história de cada um, que ali interagem e interferem, que enriquecem, que se unem e que se desunem, na dinâmica das relações cotidianas, que para nós nem sempre é fácil de dimensionar seus efeitos e afetos envolvidos.

Nas idéias e concepções de Bakhtin sobre o homem que dialoga com a realidade por meio da linguagem, percebemos a multiplicidade de olhares que há sobre o mundo e a amplidão de significados que se expressa nas vozes do sujeito.

Nossa percepção se amplia ainda mais a partir dos diversos rumores que envolvem essas vozes, esses sons e essas linguagens, nos seus diversos e múltiplos sentidos, que se modificam e se re-significam diante do vivido e interagido.

Portanto, a palavra assume papel primordial, de mediadora das interações entre os sujeitos históricos, pois é a partir de suas vivências que o sujeito se constitui, para pensar e para sentir e nessa perspectiva traduzir a sua realidade, seu campo e perspectiva de enxergar a vida.

Para Bakhtin, que afirma que a palavra é o material privilegiado da comunicação na vida cotidiana e, também, o primeiro meio da consciência individual, forma-se nos signos criados dentro de um grupo social que estão condicionados a interação nos planos social, econômico, histórico e ideológico.

Por isso o ideológico sempre possui um índice de valor social, que chega à consciência individual que traduz as formas dessa construção coletiva. Precisamos desprendimento de nós mesmo, em prol do outro, para perceber os silêncios produzidos por aqueles que não conseguem fazer do uso da palavra como forma de expressão, valorizar as escutas, as ressonâncias.

Na concepção de Bakhtin, a palavra é polissêmica e dialógica em situação de uso, é um espaço de produção de sentidos, que são tecidas pelos fios ideológicos e empregadas em todas as relações sociais, portanto a palavra sempre será o indicador mais sensível de todas as transformações sociais.

A linguagem, expressa na palavra no seu uso cotidiano, gera o espaço da produção de sentido, de significações que faz no espaço criado por interlocutores um contexto sócio-histórico, gerador de um ambiente, muitas vezes, controlado pelos próprios mecanismos sociais que no debate de suas criações se constituíram como regras, determinando qual a palavra adequada a ser empregada.

Neste contexto o sujeito que fala ao contexto social pode submeter-se, modifica-se para adequar-se à ordem social em que está inserido, mas pode também, interferir e mudar tal contexto, uma vez que a linguagem não é sistema fixo e abstrato, por isso permite aos envolvidos abrir caminhos, construir outros sentidos, quando sua consciência interior romper com o sentido dado à palavra, em situações de uso, revestida de novos valores, sentidos, tons, preencher-se de outros significados os espaços das interações.


A palavra

Muitas vezes nossa parceira, nossa aliada,
porque nos põem em contato com o outro e com o mundo.
Muitas vezes nossa inimiga,
porque quando a proferimos, destruímos relações, afetos;
nos causa dor, ao ouvi-la ou ao dizê-la...
Aí pensamos
porque não nos silenciamos diante do fato.
O fato é que
não a dominamos nunca nas suas polissemias,
nos seus significados,
por mais que busquemos aprimorá-la,
buscando uma semântica precisa.
O espectro dos sentimentos em nós é
muito mais amplo
para que nossa razão possa traduzir em palavras.
Aí nos perdemos diante do desconhecido mundo interior
que não consegue traduzir a dor,
o amor, os afetos, as incertezas...

Quando ditas se tornam malditas,
machucam pessoas, machucam a nós.
Muitas vezes dizê-las destrói,
corrói aquilo que muitas vezes foi construído
no belo silêncio das atitudes dos sentimentos.

Mas como não proferi-la?
Ela é a expressão humana que nos liga ao outro,
ela compõe e descreve a vida
nas suas mais amplas dimensões!

Saber usá-la é uma arte,
saber ouvi-la é uma dádiva,
saber senti-la
é o que nos torna humanos!

Andrade, A.
14/09/09


Referências Bibliográficas
BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud & Yara Frateschi Vieira 12ª ed. São Paulo, Hucitec, 2006.
_____________________. Estética da Criação Verbal. 4ª ed São Paulo: Martins Fontes Editora Ltda, 2003.


[1] BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12ª ed. São Paulo, Hucitec, 2006, p.36
[2] Atuo como vice-diretora na EMEF Gal. Humberto de Sousa Mello, Campinas SP.
[3] BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12ª ed. São Paulo, Hucitec, 2006, p.36

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