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O sujeito divulgador constitutivamente dialógico

Sueli Maria Ramos da Silva

Este trabalho tem como fundamentação teórica os conceitos desenvolvidos pela teoria do Círculo de Bakhtin.

Partindo do princípio dialógico da linguagem, tal como proposto por Bakhtin (2003), reconhecemos o sujeito da enunciação constitutivamente dialógico.

A teoria do Círculo de Bakhtin destaca-se por sua natureza interdisciplinar, obtida mediante uma formulação conceitual não restrita a uma única disciplina acadêmica. O que caracteriza as especificidades dessa teoria é a noção do enunciado concreto, dialógico, o “discurso, ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da linguística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso” (BAKHTIN, 2005, p.181). Para Bakhtin, todos os campos (esferas) da atividade humana estão impregnados de relações dialógicas. A metalinguística, síntese do projeto do Círculo, tem por objeto o estudo das relações dialógicas estabelecidas nos enunciados: “ultrapassa os limites da linguística e possui objeto autônomo e metas próprias” (BAKHTIN, 2005, p.183).

A noção de esfera da comunicação discursiva, noção que será determinante nesse trabalho, é compreendida na teoria do Círculo como um nível de coerções ideológicas, de acordo com a lógica de um determinado campo/esfera (religião, ciência, literatura, etc.).

Conforme salienta Bakhtin, ao longo do estabelecimento da definição da problemática dos gêneros do discurso, todos os campos da atividade humana, nas suas mais diversas manifestações, ligam-se ao uso da linguagem. O caráter e as formas desse uso são tão multiformes, quanto os campos da atividade humana.

Por conseguinte, o emprego da língua se efetua por meio de enunciados que refletem as condições específicas de cada campo da atividade humana. Os gêneros do discurso apresentam uma riqueza e variabilidade infinitas, pois são inesgotáveis as possibilidades da atividade humana “e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida em que se desenvolve e se complexifica um determinado campo” (BAKHTIN, 2003, p. 262).

Cada um dos campos de utilização elabora tipos relativamente estáveis de enunciados, denominados “gêneros discursivos”, caracterizados por uma estrutura composicional, uma temática e um estilo. A temática é característica da esfera de sentido e diz respeito ao assunto de que trata o gênero. A estrutura composicional é representada por meio da estrutura apresentada pelo texto. O estilo, segundo Bakhtin (2003), refere-se às marcas lingüísticas exigidas por um determinado gênero e que o caracterizam.

Em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis (BAKHTIN, 2003, p.266).


Estabelecemos, dentro do campo discursivo religioso, subconjuntos de formações discursivas, que correspondem ao espaço discursivo de divulgação religiosa.

A escassez de trabalhos que já teriam versado sobre esse tema, somada à presença cada vez mais constante do discurso religioso em todos os tipos de mídias atuais, foram determinantes para a escolha do nosso corpus de pesquisa. A determinação do corpus, dadas às singularidades do discurso religioso contemplado, nos permitiu a construção do termo discurso de divulgação religiosa (Cf. RAMOS-SILVA, 2007) como categoria de análise. Haveria uma distinção entre gêneros que se podem considerar como pertencentes à divulgação religiosa e outros gêneros específicos do domínio estritamente religioso? Essas são algumas das questões que procuramos elucidar por meio de nossa pesquisa.

A própria noção de divulgação, por sua natureza dialógica, apresenta influência do destinatário (público alvo presumido) na maneira como o enunciado estrutura-se composicionalmente e estilisticamente.

Conceberemos, assim, os discursos de divulgação caracterizados pela propagação e difusão de saberes, crenças, ideais, valores e pontos de vista, de uma formação discursiva determinada.

Tomando, especificamente, a divulgação religiosa, da qual nos ocupamos em nosso estudo, verificamos que as crenças partilhadas por esse discurso são inseridas em uma natureza informativa.

Observamos nesse discurso a imbricação entre saberes de crenças (avaliativos e apreciativos) e saberes de conhecimento (informacionais). A interpelação do outro é determinada para fazer com que esse “outro” compartilhe determinados julgamentos sobre o mundo (relação de cumplicidade), após realização do julgamento epistêmico e posterior tomada de posição em relação à avaliação proposta (Cf. CHARAUDEAU, 2006, p.46).

O discurso religioso de divulgação, ao operacionalizar a dimensão cognitiva, apresenta ao homem um programa de ação por meio da execução de um fazer persuasivo, ou seja, por meio da proposição de um dever-fazer ao destinatário.

Dessa maneira, a descrição dos mecanismos de construção do sentido nos enunciados enfeixados pelo discurso religioso e pelo discurso de divulgação, e que entendemos como cenas enunciativas complementares, nos permite compreender a instituição de um pacto fiduciário diferenciado no que corresponde à socialização do conhecimento que se refere a esses dois discursos.

Feitas essas considerações iniciais, tomemos, por conseguinte, a função referencial própria aos discursos de divulgação, para que possamos estabelecer a hipótese preliminar a respeito dos discursos de divulgação religiosa.

Para a elaboração dessa hipótese preliminar, tomamos como base os estudos de Bueno (1985) e Grillo (2006a, 2006b), concernentes ao discurso de divulgação científica.

Bueno (1985) realiza a oposição entre dois tipos de discursos: disseminação científica e divulgação científica (BUENO, 1985, p. 1421). A disseminação científica (especializada) teria como característica a presença de um código restrito, sendo voltada ao público alvo de especialistas. Ela poderia ser de dois tipos: a) disseminação intrapares (circulação de informações científicas e tecnológicas entre especialistas da área); b) disseminação extrapares (circulação de informações para especialistas situados fora a área objeto de disseminação). Já a divulgação científica, segundo o autor, “compreende a utilização de recursos técnicos e processos para a veiculação de informações científicas e tecnológicas para o público em geral” (BUENO, 1985, p. 1421).

Contrariamente ao que estabelece Bueno (1985), não nos utilizamos da diferenciação entre disseminação e divulgação. Utilizaremo-nos, tão somente, da noção de divulgação no estabelecimento da noção de discurso de divulgação proposta.

Procuramos demonstrar como se processa no enunciado o conjunto de pontos de vista e, por conseguinte, o diálogo entre as esferas determinada pela atitude responsiva, discordância, controvérsia, ética e tomada de posição. Para isso, procuramos demonstrar como se articulam as especificidades dos recursos estilístico-composicionais empregados no enunciado para a organização do conteúdo semântico-objetal do enunciado, bem como as formas empregadas para incorporação, apreensão e contestação do discurso alheio.Desse modo, passamos a designar a noção de discurso de divulgação religiosa, ao conceito pertinente à cena enunciativa proposta pelos gêneros doutrinários (artigo jornalístico de divulgação religiosa, catecismo, encíclica, livro instrucional, brochura de estudo bíblico, etc.). O espaço discursivo de divulgação religiosa é descrito por apresentar uma cena enunciativa que propõe fazer-crer, e mais do que isso, uma cena que propõe fazer-saber, ou seja, doutrinar conforme determinado modo de vida, tido como o apregoado pelos valores de uma determinada formação ideológica.


Referências Bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4ª. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Original russo.
______.Problemas da poética de Dostoiévski. 3ª. ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. Original russo.
BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo Científico: conceito e funções. Ciência e Cultura. São Paulo: SBPC, vol. 37, n.9, p. 1420-1427, set. 1985.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. Trad. Angela M.S. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2006. Original francês.
GRILLO, S.V.C. A divulgação científica na esfera midiática. Intercâmbio (CD-ROM), v.15, p. 1-10, 2006a.
_____.Esfera e Campo. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006b.
RAMOS-SILVA, Sueli Maria. O discurso de divulgação religiosa materializado por meio de diferentes gêneros: dois ethé, duas construções do Céu e da Terra. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2009.

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