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O pensamento de Mikhail Bakhtin na atualidade

João Vianney Cavalcanti Nuto
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A permanência da obra de Bakhtin deve-se a características intrínsecas do seu pensamento, mas também a certas condições de produção e de recepção. Uma das primeiras razões é a noção de inacabamento ou inconclusibilidade. Trata-se, antes de tudo, de uma concepção filosófica, que já se encontra expressa, indiretamente, em uma de suas primeiras obras: ”Para uma filosofia do Ato”, uma vez que a eventicidade do ser, que não pode ser plenamente resgatada pelo pensamento teórico, implica uma permanente abertura, evitando a redução da singularidade de cada ser humano – com seu contexto e responsabilidade específicas seja diluída – seja diluída na sua assimilação por um sistema teórico fechado e totalizante. Se há uma cisão inevitável entre o pensamento teórico e a experiência vivida, a melhor maneira de uma aproximação entre esses dois mundos seria por meio de um pensamento participativo, que não desconsidere a singularidade nem a responsabilidade que dela decorre [1]. Disso advém sua valorização daquilo que não se encontra plenamente constituído nem é plenamente previsível, qualidade que, no âmbito da Literatura, Bakhtin vai encontrar no gênero romance, especialmente em sua vertente carnavalizada, e na obra de Dostoievski em particular.
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O inacabamento em Bakhtin também se manifesta em um traço estilístico, que é a repetição com variações. Percebe-se em Bakhtin evita definições fechadas, preferindo testar determinadas concepções centrais em variados contextos [2], que não se restringem a passagens diversas de uma mesma obra analisada, nem a questões de uma mesma disciplina. Na verdade suas concepções são reavaliadas por meio de um pensamento que as retoma a problemas relacionados com diferentes áreas do saber. Pelos menos duas concepções bakhtinianas precedem o termo: o inacabamento e o dialogismo, pois já estão presentes, avant la lettre, em “Para uma filosofia do Ato”, “O autor e o personagem na atividade estética” e “O problema do conteúdo, do material e da forma na atividade estética”, só para citar algumas das obras mais antigas. A devida atenção a esse estilo de pensamento é de grande importância para a compreensão da obra de Bakhtin, pois evita a redução de um conceito central e transdisciplinar, que é o dialogismo, a sua versão estruturalista: a intertextualidade.
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O próprio inacabamento tem um sentido filosófico, mas também se manifesta literalmente, nas obras não concluídas de Mikhail Bakhtin. Por uma combinação de temperamento com circunstâncias da vida, Bakhtin é um pensador ensaísta. Já as características mencionadas no parágrafo anterior implicam um conjunto de textos que podem ser classificados como “ensaios”, também no sentido original, de tentativa, busca ou experimento. Mas existe também, em Bakhtin, aquele inacabamento circunstancial, derivado das dificuldades tanto de produção como de publicação de sua obra. Assim, boa parte de sua obra recuperada é formada por rascunhos; ensaios concluídos, mas não preparados para publicação; esboços; anotações e apontamentos. A riqueza de cada observação contida mesmo nos apontamentos de Bakhtin e sua relação com o todo da obra justificam o interesse por sua publicação, pois um Bakhtin elíptico ou aforístico ajuda a compreender o pensador analítico e vice-versa.
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Somente quem não conhece ou não compreende bem a obra de Bakhtin pode deduzir que este caráter ensaístico implica falta de rigor. Apesar de seus dotes, Bakhtin nunca pretendeu produzir ensaios puramente literários, mas encontrou, no ensaio, a forma mais adequada para expressar o inacabamento. Por outro lado, as anotações revelam a criatividade do autor em luta com as dificuldades objetivas de produzir uma obra mais acabada. Contudo transparece, nesse inacabamento intencional ou circunstancial, um pensador rigoroso. A própria transferência de suas concepções centrais para campos diversos revelam um pensador que não em reduzir a complexidade dos problemas que aborda.
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Há, portanto, muita disciplina na aparente indisciplina de Bakhtin. Mas se trata de uma disciplina diferente daquele formalismo que reprime a fecundidade do pensamento nas grades de um jargão ou de um campo específico: disciplina indisciplinada em sua transdisciplinaridade, extremamente difícil de ser imitada, pois é atributo dos pensadores de maior envergadura. Por este motivo, entre outros, Bakhtin sempre se considerou não um cientista, mas um pensador, cuja obra não pode ser restrita a um campo específico, pois se realiza nas fronteiras de campos diversos. Não é, contudo, pela simples liminaridade que a grandeza de Bakhtin deve ser avaliada, mas pela eficácia e profundidade com que seu pensamento contribui para áreas diversas. Trata-se de uma abrangência efetiva – atestada pelas recorrências a seu pensamento por pesquisadores dos mais diversos campos – muito longe de qualquer espécie de ecletismo superficial. Apesar de sua vasta erudição e memória, Bakhtin não tinha a pretensão entender, como especialista, de todas as áreas que hoje reinvidicam seu pensamento. Mas lançou uma base epistemológica muito fecunda para as Ciências Humanas, caracterizadas, por Bakhtin, pelo dialogismo, em que sujeitos diferentes interagem por meio de produção de discursos e interpretações, ao contrário das ciências da natureza, em que o sujeito examina um objeto mudo. Esta característica permite que seu pensamento permaneça válido, mesmo que algumas de suas observações pontuais sobre aspectos históricos ou antropológicos possam ser contestadas.
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Ao inacabamento filosófico, estilístico e circunstancial da obra de Bakhtin, acrescente-se o caráter fragmentário de sua recepção. Só muito recentemente temos acesso a uma leitura cronológica do conjunto da obra de Bakhtin. No início sua obra foi publicada de forma desordenada: a primeira edição do livro sobre Dostoievski, em 1929; a segunda edição, em 1963; o livro sobre Rabelais, 1965; “Os estudos literários hoje: resposta a uma pergunta de revista Novi Mir”, em 1970. Trabalhos mais antigos só foram coligidos e publicados a partir do ano de sua morte: Questões de literatura e de estética: a teoria do romance, em 1975; e Estética da criação verbal, em 1979. Para complicar este quadro, há também as obras assinadas por outrem, que, a partir de 1970 lhe foram atribuídas. Dessas, as que tiveram maior repercussão foram Marxismo e filosofia da linguagem, assinada por Voloshinov; e O método formal nos estudos literários, assinada por Medvedev.
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Tendo permanecido no esquecimento a maior parte da sua vida, Bakhtin viu-se subitamente reconhecido tanto na então União Soviética quanto no Ocidente. Mas esse reconhecimento repentino transferiu ao Ocidente o mesmo caráter fragmentário da recepção na Rússia, com o agravante do desconhecimento do contexto original e com a interpretação marcada por um contexto estruturalista. O resultado foi um conhecimento muito parcial de sua obra, em que cada faceta parecia o trabalho de um pensador diferente. Assim, cada área apropriou do seu Bakhtin: tivemos Bakhtin, lingüista; o Bakhtin teórico da Literatura; o Bakhtin crítico de Dostoievski e Rabelais... mas só há pouco tempo pudemos conhecer mellhor o filósofo que dá unidade às diversas facetas dessa obra, cujo inacabamento lhe confere certa assistematicidade formal, mas não conceitual.
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Esse caráter inacabado, dialógico, multifacetado e transdisciplinar da obra de Bakhtin rendeu-lhe apropriações que teriam que surpreendido o próprio filósofo. Essas apropriações revelam, por um lado, os perfis de seus intérpretes; por outro, certa abertura latente em sua própria obra. A primeira dessas apropriações é a do marxismo. Trata-se de uma assimilação meio desconcertante, se considerarmos que o próprio Bakhtin era muito reticente em relação ao marxismo e tinha suas restrições à dialética.
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A questão da autoria acaba tendo alguma influência nessa questão, já que as obras assinadas por Volochinov e Medvedev apresentam-se com a clara intenção de contribuir para o marxismo. A terminologia marxista também está muito presente nessas obras, mas quase não aparece nos textos assinados pelo próprio Bakhtin. Esta seria uma razão plausível para sua relutância em admitir ter sido autor ou mesmo co-autor dessas obras. Mais que desvendar esse mistério biográfico, importa admitir que Vochinov e Medvedev – sejam eles autores, co-autores ou copidesques – são os membros que dão o tom marxista ao hoje chamado Círculo de Bakhtin. Ainda assim, convém lembrar que era um marxismo ousado em relação às propostas ortodoxas do marxismo oficial da época – e grande parte desse caráter inovador se deve ao fundo conceitual que encontramos também nas obras assinadas por Bakhtin. Recorrendo à própria terminologia de Bakhtin a respeito da autoria – embora o filósofo se referisse ao romance[3] – podemos dizer que, independentemente de quem tenha sido o autor-pessoa desses textos, há muita presença do autor-criador Bakhtin nesses textos. Por outro lado, há mais marxismo nos autores-criadores dos textos assinados por Volochinov e Medvedev que no autor-criador Bakhtin. Quanto ao autor-pessoa, sua relação problemática com o marxismo oficial transparece em alguns fatos da sua vida, na própria questão da autoria e nas declarações dadas a Viktor Duvakin. Portanto dizer que Bakhtin é marxista faz mais sentido quando se tomarmos o nome do filósofo como metonímia do que chamado Círculo de Bakhtin.
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Por razões óbvias a apropriação marxista foi a primeira; mas não foi a única. Toda a polêmica travada por Bakhtin com o Formalismo e o Estruturalismo não impediu certa apropriação estruturalista de sua obra, quando o amplo conceito de dialogismo, foi reduzido, de maneira formalista, ao conceito de intertextualidade. A própria noção de relações entre textos embora dialógica, não convém a um pensador que se preocupava, antes de tudo, com o discurso e sua manifestação por meio dessa combinação de regularidade e singularidade que são os enunciados, relacionados com gêneros específicos.
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Entre tantas apropriações do pensamento bakhtiniano, podemos destacar a relação com os Estudos Culturais e até mesmo com algumas teorias pós-modernas. Em ambos os casos, a relação se dá mais pela fecundidade e abertura do pensamento de Bakhtin do que pelo âmbito dos objetos e pela coincidência de concepções gerais. Pelo menos no que diz respeito ao objeto de suas pesquisas, Bakhtin não pode ser considerado um precursor dos estudos culturais. Em Literatura, seu repertório é o mais canônico: Dante, Rabelais, Goethe e Dostoievski. Mas sua obra tem aspectos teóricos que serviram de apoio aos estudos culturais, como mostram as constantes referências a Bakhtin por Stuart Hall.
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Em primeiro lugar, certa porosidade do conceito de literatura, com uma atenção profunda ao que a Literatura tem em comum com os outros discursos. Veja-se, por exemplo, seu conceito de gênero, que abrange em um continuum, os gêneros do discurso em geral e os gêneros literários [4]. Além disso, embora não seja um teórico da oralidade, sua atenção à língua falada, particularmente à entonação como sinal valorativo, também colaboram para esses estudos. Da mesma maneira, contribui a sua noção de enunciado, em que se pressupõe uma relação dialógica e axiológica, nem sempre pacífica, entre interlocutores reais ou virtuais. Mas a maior contribuição involuntária de Bakhtin para os estudos culturais encontra-se no livro sobre Rabelais. Ao contrapor a cultura popular à cultura erudita, vista como oficial, Bakhtin, dando nova luz a um autor decididamente canônico, lançou concepções que seriam de grande utilidade para a justificativa da exploração de novos objetos pelos estudos culturais. Certamente não se pode confundir a proposta bakhtiniana de analisar a literatura com base na sua integração com o todo da cultura com a definição de novos objetos pelos Estudos Culturais, mas também não se pode deixar de verificar que suas concepções sobre a literatura e a cultura – mesmo como resposta a um materialismo histórico mais superficial – contribuíram para a problematização da própria literatura e das relações entre cânone e poder por parte dos teóricos dos Estudos Culturais [5].
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A remissão a Bakhtin pelos adeptos dos estudos pós-coloniais se explica de maneira semelhante a sua apropriação pelos estudos culturais. O problema da colonização e suas seqüelas não fazem parte do âmbito, já bastante vasto, do pensamento de Bakhtin. Entretanto a valorização da alteridade, como parte inalienável do processo dialógico, as considerações que, de certa forma, remetem a questão do local da enunciação, que também é um local da cultura, enfim, o caráter antropológico do seu pensamento, torna a obra de Bakhtin atraente para aqueles que estudam as relações entre colonização e literatura.
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A relação de Bakhtin com as teorias da pós-modernidade é mais problemática. Antes de tudo cabe lembrar que as reflexões sobre a pós-modernidade tomam várias direções. Alguns poderiam associar o inacabamento bakhtiniano, a noção de Lyotard de fim dos “grandes relatos”, o que seria certamente seria precipitado. A contraposição de Bakhtin entre o pensamento puramente teórico e o pensamento participativo, bem como sua rejeição da dialética, não implica a rejeição pura e simples dos grandes relatos, mas uma interpretação flexível, não-dogmática. A religiosidade de Bakhtin – e, de certa forma, seu apego às grandes obras do cânone – nos leva a duvidar de que fosse um partidário do apregoado fim dos grandes relatos. Mas sua visão opõe, sem dúvida, à rigidez do grande relato épico, a maleabilidade e o inacabamento do grande relato romanesco [6]. Em outros termos bakhtinianos: trata-se não da abolição, mas da prosificação dos grandes relatos [7].
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Mas qualquer associação de Bakhtin com a pós-modernidade é impertinente se não levarmos em consideração os diferentes contextos do pensamento de Bakhtin e daquele dos teóricos contemporâneos da pós-modernidade. Bakhtin responde, de maneira que muitos consideram alegoria e alusiva – ou “esopiana”, para retomar o termo utilizado por Emerson e Morson – ao totalitarismo estalinista. Já os teóricos da pós-modernidade pensam a partir do capitalismo avançado, com características que se acentuam com o fim da guerra fria e com o incremento da globalização [8]. Seria errôneo, portanto, ver em Bakhtin um precursor das teorias da pós-modernidade. Do mesmo modo, seria precipitado alinhá-lo com as diversas correntes pós-estruturalistas por causa de suas críticas ao Estruturalismo.
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De qualquer maneira, Bakhtin é referência constante, naquele tipo de teoria, que, em vez de procurar reflexões mais amplas e vagas sobre o contexto da pós-modernidade, concentram-se em características da arte pós-moderna, como é o caso de Linda Hutcheon. Em seus estudos da arte pós-moderna, Linda Hutcheon destaca o papel da paródia e da ironia na contemporaneidade, valendo-se das reflexões de Bakhtin sobre a paródia. Neste caso, trata-se, principalmente, de aproveitar uma concepção de paródia que ultrapassa a noção clássica de “canto paralelo”, em geral de tom burlesco, em favor de uma estilização bivocal tensa, em que as diferenças ideológicas entre os discursos estilizado e discurso estilizador são exploradas. Neste caso, a associação com Bakhtin é mais pertinente, pois o filósofo é não para a explicação puramente sociológica do contexto pós-moderno, mas para uma análise de obras de arte específica, que se valem de suas fecundas reflexões sobre língua e literatura. Pelo viés negativo – em sentido oposto ao de Linda Hutcheon – Bakhtin também poderia ser lembrado a respeito da distinção entre a riqueza da paródia e a pobreza do pastiche, tal como caracterizado por Frederic Jameson.
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Todas essas apropriações contemporâneas, umas talvez mais pertinentes que outras – ou, melhor, umas formas mais pertinentes que outras – dão mostras da vitalidade do pensamento de Bakhtin. Cabe, a respeito disto, lembrar o dito espirituoso, citado pelo próprio filósofo de que “os antigos gregos não sabiam que eram antigos gregos”. Dado o contexto em que produziu sua obra, Bakhtin já esperava que uma recepção favorável fosse influenciada por uma suposta filiação marxista – que ele negou de maneira mais ou menos explícita – assim como, mesmo identificados como marxista, ele e outros membros do seu círculo pagaram seu preço por não se seguirem a linha do marxismo oficial do governo de Stalin. Mas, certamente, Bakhtin nunca imaginou que seria referência para os Estudos Culturais, os Estudos Pós-Coloniais e algumas reflexões pós-modernas... De qualquer maneira, essas apropriações – muitas vezes polêmicas – estão em conformidade com aquela atitude, valorizada por Bakhtin, de observar, no estudo de sociedades passadas, mais do que as próprias sociedades enxergavam de si mesmas.
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A diversidade de apropriações decorre do fato de o pensamento de Bakhtin ser construído em um sistema teórico aberto (inacabado), em oposição aos sistemas totalizantes fechados. Como conseqüência de sua própria riqueza e abertura do seu pensamento o pensamento de Bakhtin tem sido invocado em defesa de posições às vezes divergentes. Isto decorre, em parte, do novo ambiente de recepção; em parte, da abertura de uma obra que – sem perder o rigor que lhe é pertinente [9] – acaba por adquirir certa autonomia em relação ao autor. Mas não é desejável que esta variedade de recepções gere uma acomodação que transforme o pensamento em uma espécie de panaceia, em que seus conceitos, assimilados de forma superficial, sirvam indiscriminadamente para qualquer coisa. Interessa antes que essa diversidade promova esta forma de dialogismo, que é a polêmica. Filósofo do dialogismo, Bakhtin certamente preferiria recepções diversas, mesmo que polêmicas, a uma recepção dogmática [10].
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[1] Para Bakhtin, é a obra de arte, não o pensamento teórico, o que mais se aproxima da união entre abstração e singularidade.
[2] Esta característica é mais patente nos ensaios inacabados. Nas obras preparadas para publicação, encontramos a combinação da definição demonstrada com sua ausência. Veja-se, por exemplo, no livro sobre Rabelais, a definição, muito sucinta, de carnavalização da literatura, sem o mesmo equivalente na noção de “cultura popular” , a qual é construída, ao longo da análise, como uma cultura de resistência à cultura oficial.
[3] Bakhtin referia-se às relações entre o autor-criador e seus personagens. Ao utilizar os mesmos conceitos para os textos teóricos, cometo uma extrapolação – entre tantas que já foram cometidade pelos intérpretes de Bakhtin – que, no entanto, considero pertinente, como forma de responder à questão da autoria, e principalmente, do marxismo, em termos não-biográficos.
[4] O conceito de gênero não se refere à divisão clássica em lírico, épico e dramático, mas a cada forma literária específica, vista não como pura forma composicional, mas como resultados históricos dos processos discursivos. As noções de lírico, épico e dramático, entre outras – como conteúdos valorativos integrados nas formas – fazem parte daquela dimensão que Bakhtin denomina “objeto estético”.
[5] Na verdade Bakhtin, assim como Gramsci, foi apropriado como uma resposta, no âmbito do marxismo a concepções que viam de maneira muito automática as relações entre infraestrutura e superestrutura. Não deixa de ser interessante verificar que os estudos culturais, ao reivindicar base marxista, trava polêmicas com outras vertentes do marxismo. Trata-se, portanto, de uma nova forma de apropriação de Bakhtin pelo marxismo...
[6] Neste caso, penso nas noções de épico e romanesco como espécies de ethos que ultrapassam o âmbito da literatura. Em contrapartida, podemos pensar em uma maneira epicizante ou romancizante de leitura, embora a própria expressão “grande relato”, por si só, já tenha uma conotação épica.
[7] Penso no termo “prosaística”, utilizado por EMERSON e MORSON, referindo-se à valorização do quotidiano e do singular tanto no pensamento filosófico como na prosa artística.
[8] Caryl Emerson refere-se ao contexto de recepção de um “pós-modernismo pós-comunista” na Rússia, mas não conheço nenhum pensador russo que se identifique como pós-moderno, nem seria apropriado atribuir um caráter “pré-pós-moderno” a Bakhtin...
[9] Uma cientificidade diferente da cientificidade da ciência, no dizer do próprio Bakhtin.
[10] Compreender, para Bakhtin, não consiste somente em recuperar o pretenso sentido original do texto, mas em acrescentar sentidos trazidos pela experiência e conhecimento do sujeito que interpreta.
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