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Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

O GCOEM (Grupo Colaborativo em Educação Matemática) visto por uma ótica bakhtiniana

Maria Aparecida Vilela Mendonça Pinto Coelho
Helen Cristina Liberatori
Thelma Cardinal Duarte Campaña
Renata Moro Sicchieri
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O GCOEM (Grupo Colaborativo em Educação Matemática) surgiu da necessidade de alguns professores de se unir para superar o isolamento da sala de aula e poder contar com pares para pesquisar e discutir sobre suas práticas pedagógicas. No início procuramos estudar e refletir sobre o que seria um trabalho colaborativo, com base em Fiorentini (2004): À medida que seus integrantes vão se conhecendo e adquirem e produzem conjuntamente conhecimento, os participantes adquirem autonomia e passam a auto-regular-se e a fazer valer seus próprios interesses, tornando-se, assim, grupos efetivamente colaborativos (p.53)
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Quando o autor se refere ao conhecimento entre os membros do grupo, podemos estabelecer relações com o relacionamento destacado por Bakhtin (2006) entre um retrato executado por um artista que tem autoridade para aquele que está sendo representado na obra. O autor coloca em evidência a importância de sermos olhados e interpretados pelo outro que nos conhece.
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Outra coisa é o meu retrato executado por um artista que tem autoridade para mim; aí temos realmente uma janela para o mundo onde eu nunca vivo, efetivamente uma visão de mim no mundo do outro pelos olhos de outro indivíduo puro e integral – o artista, uma visão como adivinhação, que traz em si uma natureza que me predetermina em pequena medida (BAKHTIN 2006, p. 32).
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Nesse sentido, o outro, colega de grupo, parece que vai se tornando mais conhecido e vai conhecendo melhor a todos. As relações vão se modificando, os enunciados brotam mais facilmente e se produzem a partir dos enunciados dos outros.
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Nas reflexões sobre nossas práticas pedagógicas chegamos também a interpretar a relação professor-aluno como a do autor-personagem onde o autor procura dar acabamento ao personagem, inserindo nele um propósito de vida. O professor vê o aluno como um personagem de seu mundo, de seu horizonte. De acordo com Bakhtin (2006), é possível uma dupla combinação do mundo com o homem: de dentro deste, como seu horizonte, e de fora, como seu ambiente.
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De dentro de mim, no contexto dos valores e sentidos de minha vida, o objeto a mim se contrapõe como objeto do propósito dessa mesma vida (ético-cognitivo e prático); (...) De dentro da minha consciência participante da existência, o mundo é o objeto do ato, do ato-pensamento, do ato-sentimento, do ato-palavra, do ato-ação; seu centro de gravidade situa-se no futuro, no desejado, no devido e não no dado auto-suficiente do objeto, em sua presença, em seu presente, em sua integridade, em sua já-exequibilidade (p. 89).
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Nesse sentido, segundo Bakhtin (2006), nossa relação com os objetos do nosso horizonte nunca são concluídas, mas sugeridas, pois o acontecimento da existência é aberto. Na obra de arte, o mundo material serve de ambiente ao personagem e ele não existe fora de seu ambiente. Essa relação que estabelecemos entre o autor/personagem bakhtiniano e o professor/aluno nos parece adequada se pensarmos que o professor procura “criar” seus alunos segundo seus modelos, eles que são o objeto do propósito de sua vida profissional.
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Como nos alerta Bakhtin (2006), para que se realize o processo de criação estética, que na nossa problemática é a produção do conhecimento a partir da prática pedagógica do professor, é necessário que o autor tire proveito dessa posição exotópica.
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O conceito de acabamento de Bakhtin nos leva também a valorizar o outro, aquele que nos faz adotar uma perspectiva diferente para ver o mundo. Segundo Bakhtin (2000),
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Nenhuma projeção de mim mesmo pode assegurar-me meu total acabamento pois, sendo imanente apenas a minha consciência, essa projeção se tornará um fator dos valores e do sentido na evolução subseqüente de minha consciência: minha palavra sobre mim mesmo não poderia em princípio ser a última, não poderia ser a palavra que me assegura o acabamento (p. 157);
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Os professores comentam que as mudanças nas práticas pedagógicas desafiam as intenções dos professores e que entre o discurso e a ação existem fatores que interferem e impedem que essas mudanças aconteçam de maneira fácil. Esses fatores, segundo eles, são de ordem cultural. Bakhtin (2000) pode nos ajudar a compreender esse fato quando se refere ao ato estético.
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Dentro de si mesmo, o homem adota uma postura ativa no mundo; sua vida consciente é sempre ato; atuo mediante o ato, a palavra, o pensamento, o sentimento; vivo, venho a ser através do ato. Contudo, não me expresso nem me determino de maneira imediata pelo ato (p. 154).
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De acordo com o autor, os valores políticos, sociais, estéticos, morais e dos significados cognitivos, é que determinam os valores do ato para o sujeito atuante. Quando eu deixo claro o meu interesse e minha curiosidade de compreender o que uma pessoa está relatando, eu apresento um reforço a ela, um estímulo para prosseguir. De acordo com Bakhtin (2000),
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A concordância/discordância ativa (se não for predeterminada de modo dogmático) estimula e aprofunda a compreensão, dá á palavra alheia maior firmeza e autonomia, exclui uma dissolução e uma confusão mútuas. Separação clara entre duas consciências, contraposição e correlação delas (p. 382).
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Segundo Bakhtin (2000) não pode haver enunciado isolado. Um enunciado sempre pressupõe enunciados que o precederam e que lhe sucederão (p. 375). O enunciado é um elo de uma cadeia e não pode ser estudado fora dela. Existe entre os enunciados uma relação impossível de ser definida por categorias lingüísticas. Na relação dialógica que se segue podemos perceber essa relação.
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TÂNIA1 – Eu dei estatística este ano, ainda. O ano que vem vai depender de...
ANA – Nem consta. É isso que está me deixando... Mandaram uma fórmula de bolo pronta.
CIDA – É mesmo. Quanto tempo?
ANA – E vão mandar mais coisa pronta pra nós do estado. De que maneira nós vamos avaliar nossos alunos, nós vamos ter cadernos de avaliação.
TÂNIA – É cartilha, agora
ANA – Cartilha.
TÂNIA – Então, não é mais espiral. Está vendo? Então o espiral caiu de moda. É tudo modismo na Educação, e é isso que não está certo. (GCOEM, 07/12/2007).
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Este episódio, com muitas reticências, pode representar pensamentos incompletos ou conclusões que sabemos que os destinatários sabem a que fatos se referem e, portanto, que palavras viriam a seguir. De acordo com Bakhtin (2000) o pensamento cria um mundo comum a todos os homens, independentemente de uma relação com o eu e o outro. (...) O eu se esconde no outro, nos outros, quer ser o outro para os outros (p. 388).
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O tema dominante dos debates foi a relação teoria/prática e o desenvolvimento profissional do professor.
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TÂNIA – Então, eu acho que a gente precisa pensar urgentíssimo. Eu queria ter já uma solução para começar o ano que vem diferente. E a gente ainda fica pensando: Ele não estuda porque... Eu acho que nós temos que contar com o que ele estuda ali conosco, porque na casa dele ele não tem ambiente, ele não tem uma mesinha para estudar.
CIDA – Eu não acho que solução é uma coisa complicada, você pode ir com umas pistas.
TÂNIA – Com umas pistas.
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A professora Tânia declara que julga urgente que uma solução seja encontrada para seus problemas de sala de aula porque ela pretende trabalhar de forma diferente já no próximo ano letivo. Nesse momento percebemos a importância de um grupo nas reflexões. O outro, que vê a situação de modo diferente, e que possui elementos para emitir juízos de valor pela distância no tempo, no espaço e no sentido do acontecimento, pode colaborar com a produção do conhecimento através da introdução de elementos do discurso que instigam, interrogam, permitem aprofundar o sentido.
Em relação ao outro, de acordo com Bakhtin, situo-me fora e a última palavra, a palavra do acabamento, me pertence, uma exotopia no tempo, no espaço e no sentido (BAKHTIN 2000, p. 142). Como o outro que se contrapõe ao eu, me encontro em uma posição na qual posso validar valores. Por outro lado, de acordo com o autor, uma forma estética significante não procura fazer descobertas de sentido no terreno do herói (p. 143), mas devolver à contradição a ingenuidade e a espontaneidade. Podemos interpretar essa idéia bakhtiniana como um respeito pelo não acabamento do outro, uma aceitação de sua forma de ser não acabada, ao invés da tentativa de usar da minha posição de outro para tentar formar uma idéia acabada sobre o sentido de seus enunciados.
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Referências bibliográficas
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BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

FIORENTINI, D. Pesquisar práticas colaborativas ou pesquisar colaborativamente? In: Pesquisa Qualitativa em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 47-76.




1 Os nomes dos professores são fictícios.

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