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Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

Movimentos dialógicos: uma orquestra de vozes que perpassa uma campanha publicitária


Alba Valéria Alves Ignácio
Jucelina Ferreira de Campos
Lezinete Regina Lemes


Os conceitos de ato e atividade/evento, ético e estético estão presentes nas obras do Círculo de Bakhtin, como por exemplo, em Para uma filosofia do ato (1919/1921) e no texto O autor e o herói na atividade estética (1920-1923). São dois textos inacabados em que o propósito maior é, segundo Faraco (2009, p. 18), “a construção de uma reflexão filosófica ampla.” Vale ressaltar que esses conceitos compõem os estudos dos textos literários com os quais Bakhtin teve muitos diálogos bem como os estudos sobre linguagem, realizados posteriormente à publicação dessas duas obras (FARACO, 2009).

Para compreendermos esses conceitos, elegemos uma propaganda institucional, promovida pela Secretaria do Estado de Saúde e pelo governo do Estado de Mato Grosso, cujo mote dessa campanha é a dengue.

Inicialmente, podemos dizer que a partir dos conceitos de Bakhtin a respeito dos gêneros discursivos – formas relativamente estáveis que são produzidos em inúmeras esferas da atividade humana – tomaremos a noção de linguagem que exerce um importante papel na constituição dos enunciados concretos. Como bem salienta Bakhtin/Volochinov (1929), a linguagem é o produto e processo da interação verbal.

No processo de interação entre interlocutores é que a linguagem se estabelece, uma vez que, em contato com o enunciado do outro, o “eu” traz também em seu discurso interior, suas palavras, mas também a palavra do outro, quer dizer, nossas palavras não são neutras, não são isoladas, corroborando o que Bakhtin (1952-53/1979, p. 294-295) nos afirmava acerca do discurso:

[...] é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilidade, de um grau de vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos.

Nesse processo de reelabrorar e reacentuar, o eu torna-se único e seus enunciados únicos, irrepetíveis também. Com base nessa unicidade do sujeito, afirmamos que o eu e o outro são responsáveis pelos seus atos (ético), à medida que cada um responderá a seus interlocutores, conforme sua visão de mundo, ressaltando a ideia de que “cada um é um universo de valores” (FARACO, 2009, p. 21), pois a cada réplica, haverá uma entonação, uma apreciação valorativa dos sujeitos envolvidos nessa interação.

É exatamente, nessa interação que se dá, a partir de então, a constituição do indivíduo, pois, ao se constituir se modifica, se altera. E isso se solidifica nas relações sociais, por meio da linguagem.

Para efeito de compreensão, apresentamos a campanha contra a dengue veiculada na revista “Ótima S/A- informação que faz a gente pensar” em Fevereiro de 2009. Essa campanha leva em conta estas razões sócio-históricas: uma epidemia da doença que preocupa população e poder público e exige conscientização e ações de ambos os segmentos.

Propaganda extraída da revista Ótima s/a- informação que faz a gente pensar. Edição 32- fevereiro /2009, ano 03, p.02-03.



Com base no contexto sócio-histórico, podemos analisar essa propaganda, observando como o enunciado foi construído e ressignificado pelos seus interlocutores.

Na visão bakhtiniana, em uma análise do ato, há necessariamente que se considerarem as inter-relações anteriores e posteriores, o que nos dá a impossibilidade de ver a ocorrência do ato de modo isolado. Em outras palavras, a avaliação do ato envolve uma postura ética, daquilo que é real ou dado.

Dessa forma, o ato da campanha no período em que foi publicado pode ser entendido como enunciado concreto que surge de um ato concreto para evocar outros atos, dito de outra maneira, parte dos casos alarmantes de dengue para conscientizar a população acerca das ações que devem ser tomadas por elas para diminuir outros casos.

A campanha pode, de forma análoga, ser entendida como obra estética, porque consideramos que o discurso instaurado nela está perpassado por outras vozes. Elas estão materializadas pelo discurso verbal e não-verbal.

Assim, temos, a priori, a cor como um elemento que deve ser considerado, posto que ela é componente importante das imagens, em outras palavras, “a cor está, de fato, impregnada de informação, e é uma das mais penetrantes experiências visuais que temos em comum” (DONDIS, 2003, p.64).

A cor é um modo semiótico muito versátil. Algumas das funções das cores em um texto são: atrair a atenção, guiar o olho, estabelecer uma determinada atmosfera e associações. Assim, o poder que a cor tem de prender a atenção do leitor é amplamente reconhecido.

As cores podem ser classificadas em quentes e frias. As cores quentes são as solares: amarelo, laranja e vermelho. As cores frias são as do mar e do céu: azul, verde e violeta.

Em uma campanha ou propaganda, por exemplo, a cor pode ser utilizada para diferentes finalidades. Assim, se uma mensagem requer mais atenção, empregam-se as cores quentes, se a mensagem tem uma prioridade mais baixa, usam se as cores frias.

Na campanha em questão, prevalece a cor amarela que abrange as duas páginas da campanha, isso reforça em chamar a atenção do leitor para a atual preocupação que atinge o estado de Mato Grosso. Já as outras cores: o vermelho, o laranja e o azul aparecem distribuídos de modo harmônico nas páginas, fica evidente, então, que são exatamente as cores do atual partido do governo do estado de Mato Grosso. Isso reforça a voz institucional, deixando evidente que o governo está preocupado com a população e por isso lança a campanha para informar a prevenção da dengue.

O enunciado verbal da campanha “Dengue! Este assunto é sério” juntamente com o não-verbal: a imagem de duas pessoas com as expressões faciais sérias denotam a seriedade da campanha, uma vez que as pessoas que participam da campanha são comediantes e, que nesse momento para tratar de um assunto sério, descaracterizaram de seus personagens para assumir a seriedade do assunto.

Esses atores regionais, que no dia a dia representam papéis sociais de pessoas comuns, ao participarem de uma campanha contra a dengue assumem uma responsividade ética. Segundo Sobral (2005), o agir do sujeito se refere aos planos ético e estético, ao ético (o processo – o agir no mundo, o que se liga diretamente à realidade) e estético (a valorização – a reflexão elaborada, portanto com acabamento – e não necessariamente acabada – acerca da ação ética realizada pelo sujeito). Esses dois elementos ligam-se às concepções de responsabilidade e responsividade, estudados por Bakhtin.

De acordo com Sobral (2005), a experiência de cada sujeito situado historicamente é sempre mediada pelo agir contextualizado e pela avaliação do sujeito, que lhe atribui o sentido a partir do contexto social dado. Logo, o agir de cada indivíduo, somado ao contexto social dado, a sua realidade de mundo, irá postulá-lo ou criá-lo, em termos estéticos.

Isso pode ser visualizado na campanha, em que os artistas descaracterizam-se dos seus personagens cômicos e assumem outro papel social. Ao fazerem isso, estão ressignificando a realidade para chamar a atenção do leitor para um fato de extrema seriedade. Essa seriedade é notada também no gesto feito com a mão apontando o dedo indicador para cima em direção ao enunciado verbal. Um simples gesto que diz muito, pois é exatamente a mão esquerda que faz o gesto, e nela há a presença de uma aliança de compromisso, de casamento. Logo, temos uma outra voz perpassando nesse embate dialógico, a voz social, a relação do casamento como um ato de responsabilidade, de compromisso sério, simbolizado pelo uso da aliança.

Assim, podemos dizer o sujeito estará sempre se constituindo no processo de interação com outros sujeitos, com outros discursos. Esses elementos são apresentados pelo Círculo de Bakhtin como elementos integrados, inseparáveis e constitutivos aos atos humanos, ou seja, o sujeito é considerado sempre de forma situada em uma dada situação social, histórica e concreta.

Bakhtin afirma que o sujeito responde por seus atos no mundo, ele é responsável por eles. O ato responsável corresponde ao ético, pois envolve o conteúdo do ato, o seu processo, valorado (avaliado) – ato estético – pelo sujeito com respeito ao seu próprio ato, quando reflete sobre ele e lhe dá um acabamento.

A concepção de estética resulta de um processo que busca representar o mundo do ponto de vista da ação exotópica (lugar de fora, ainda que um fora relativo, pois uma posição de fronteira, lugar móvel, sem uma delimitação pré-determinada, de onde o sujeito vê o mundo com certa distância, a fim de transfigurá-lo na construção de seu discurso – sua veridicção do sujeito, fundada no social e no histórico.

A posição exotópica é a posição a partir da qual é possível o trabalho estético, a ação de construir o objeto estético.

Podemos, então, afirmar que, na campanha, ocorrem dois movimentos dentro do evento: a recorrência dos casos de dengue no estado de Mato Grosso e a busca pela conscientização da população da região. Esses movimentos, então, são ressignificados, de forma estética, por meio da valoração dada pela construção da campanha: um enunciado verbal: “Dengue! Este assunto é sério.”, aliado a constituição do não-verbal: dois artistas regionais, comediantes, que se apresentam descaracterizados de seus personagens, para apresentar uma nova valoração acentuando a seriedade da campanha.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, M./VOLOCHINOV. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:Hucitec, 1997.
BAKHTIN, M (1952-1953/1979). Os gêneros do discurso. In:_____. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 261-270.
BAKHTIN, M. M. (1975). Questões de Literatura e Estética (A Teoria do Romance). Traduzido por Aurora Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Editora da UNESP, 2002.
DONDIS, Donis A. A sintaxe da linguagem visual. 4.ed. São Paulo: Marins Fontes, 2003.
FARACO, C. A. Linguagem & Diálogos: as idéias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
SOBRAL, A. Ético e estético – Na vida, na arte e na pesquisa em ciências humanas. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin Conceitos-Chave. São Paulo: Contexto, 2005, p. 103-121.
SOBRAL, A. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin Conceitos-Chave. São Paulo: Contexto, 2005, p.11-36.




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