Os textos foram publicados por ordem de chegada.
Para ler os textos sobre temas específicos, clique no tema, no menu ao lado.
Para ler os textos de autores específicos, clique no nome do autor, no menu ao lado, mais abaixo.
Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

O ESPELHO INFIEL: QUANDO A PUBLICIDADE REFLETE O DISCURSO PROIBIDO

Flávia Lago
=
A humanidade encontra-se envolvida num processo interativo-comunicativo marcado por intencionalidades, identidades coletivas e coletividades expressivas, moldadas por contextos de naturezas várias. Isso significa dizer que trocamos inter-subjetividades por meio de enunciados concretos, visando satisfazer nossa necessidade comunicativa, interagindo com o nosso interlocutor. Quanto a este aspecto específico, Bakhtin (2005, p. 68) acrescenta que o enunciado concreto nasce, vive e morre mediante o processo de interação social que ocorre entre os participantes da enunciação.
=
O enunciado é um acontecimento único, individual, irreproduzível, concreto e mutável, é próprio de quem o produz, pois o sujeito o elabora para satisfazer uma necessidade de “enunciar”, dizer, exprimir um pensamento em uma determinada situação comunicativa, visando ser compreendido por um interlocutor e aguardando uma “resposta” (uma reação) em relação ao que foi enunciado. Por isso, a unidade da comunicação verbal é o enunciado, que diferentemente da oração, é carregado de sentido, construído em situação de uso efetivo da língua.
=
É assim que se intutiu o dialogismo bakhtiniano – nas relações existentes entre o eu (self) e o Outro (selves)
[1]. Segundo Bakhtin (2004, p.94) self e selves estão juntos e ao mesmo tempo à parte, ou seja, um está no outro e fora do outro, visto que cada um ocupa tempo e espaço únicos na existência. Ao falar desses parceiros, Bakhtin (ibidem, p. 93), diz que o self é um ato de graça, uma dádiva do outro e que sozinho não apresenta sentido, daí a necessidade de auto criar-se, de auto definir-se no outro. Por isso
=
O self Bakhtiniano nunca é completo, uma vez que só pode existir dialogicamente. Não é uma substância ou essência por direito próprio, porém existe num relacionamento com tudo que é outro e, isto é o mais importante, com outros selves. (Billy e Holquist. 2004. p.91)
=
Segundo Miotello (2004, p.202-203) o “eu” se define no outro, mas apresenta o excedente de visão estética, do qual trata Holquist e Clark (ibiden p. 94-95), que faz referência à individualidade, à expressividade do self. Miotello afirma que as atividades humanas para Bakhtin são dialógicas, uma vez que o sujeito só poder existir numa relação discursiva com os outros. Assim como as relações humanas, os enunciados também são dialógicos, uma vez que ninguém pode produzi-los sozinho, visto que nascem da relação com o “eco dos discursos alheios” e mantêm viva outras relações, com outros discursos alheios, indefinidamente.
=
Assim, nessa troca discursiva, o locutor, ao produzir seus enunciados, não é um inventor de palavras, de discursos. Ele se apropria de enunciados anteriores, reestrutura-os, modifica-os, mergulha-os em sua expressividade e os lança a seu interlocutor, que os recebe, os compreende e os “responde”. Os enunciados do locutor também funcionam como enunciados-respostas, e os produzidos pelo interlocutor, o tornam locutor, ser ativo dentro deste processo de interação verbal, no qual não há espaço para papel primário e secundário; locutor e interlocutor encontram-se na mesma posição hierárquica, assim são sempre agentes ativos no jogo interativo. Isso é reforçado por meio das palavras de Miotello (2004, p. 201-202):
=
A palavra sempre é do outro, palavra alheia, e o eu vai buscar as palavras que usa não no dicionário ou nas gramáticas, mas nos lábios alheios e em contextos alheios; esse alheio é a alteridade. Garante o que diferente do eu. O excedente da visão estética da qual trata Bakhtin (...) é o mundo exterior que, ao mesmo tempo em me determina (não me obriga), proporciona, pela própria existência concreta do meu corpo, um excedente de minha visão para com o outro, o qual, dialogicamente revisto e ressuscitado ao longo de minha vida, constitui o que podemos chamar aqui de individualidade.
=
O enunciado, concebido como unidade da comunicação verbal, vincula-se à realidade concreta imediata, sócio-histórica, e a outros enunciados; espera uma resposta do seu interlocutor desde o início de sua construção – expressiva, individual, e coletiva, como eco dos discursos alheios - pois lhe é intrínseca a capacidade de suscitar uma atitude responsiva; pressupõe expressividade (relação subjetiva valorativa do sujeito com o conteúdo do objeto e do sentido do enunciado) e tem como limite a alternância de locutores e interlocutores.
=
É exatamente esse o fator que institui o enunciado como unidade concreta da comunicação verbal: o fato de estar direcionado a alguém, visando obter uma resposta, posição do seu interlocutor, uma atitude responsiva ativa, na qual o interlocutor que compreende o sentido do enunciado passa a apresentar uma atitude de concordar ou discordar da idéia apresentada pelo locutor. Assim,
=
(...) o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e essa atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor. (Bakhtin, 1997, p.290)
=
Tal possibilidade de resposta (de compreensão responsiva) é proporcionada pela totalidade do acabamento específico do enunciado que, como toda obra a ser iniciada e terminada, requer um acabamento específico do que se pretende dizer. Por isso, a possibilidade de se responder a algo é determinada por três fatores: o tratamento exaustivo do objeto do sentido; o intuito, o querer-dizer do locutor; e as formas típicas da estruturação do gênero do acabamento.
=
É importante esclarecer que para Bakhtin (1997, p. 299), a palavra existe para o locutor sobre três aspectos: a palavra da língua, a palavra do outro que pertence aos outros e a palavra minha. A palavra neutra é a aquela pertencente ao léxico, a qual apresenta apenas significação lingüística, não sendo utilizada em situação concreta de comunicação verbal; a palavra do outro são os “ecos dos enunciados alheios” ou as vozes dos interlocutores, os quais se apropriam de discursos anteriores, acrescentam sua expressividade, suas marcas individuais e os tornam seus; e a palavra minha, torna-se “minha” no momento em que a utilizo em uma situação comunicativa.
=
A expressividade corresponde à intenção valorativa, estabelecida na relação entre o locutor e os enunciados. Ao endereçar um enunciado a outrem, as palavras do interlocutor apresentam-se carregadas de ideologia, de marcas subjetivas que fazem das palavras que compõem o léxico, enunciados. Assim, pode-se dizer que em um processo de interação verbal, o interlocutor comunica-se por meio de seus enunciados, que se tornam seus à medida que neles são colocadas marcas individuais, subjetivas, expressivas. O interlocutor assimila, reestrutura, modifica a palavra do outro. No processo de interação verbal, as “perguntas” e as “respostas” dos diálogos dependem dos sujeitos envolvidos, ou seja, a elaboração do enunciado enquanto processo é uma ponte lançada entre o locutor e o interlocutor. Os enunciados concretos, cabe esclarecer, nascem, vivem e morrem no processo de interação social. Eles possuem fronteiras claramente delimitadas pela alternância dos sujeitos ou pela alternância dos locutores, os quais sentem, percebem por meio de uma competência lingüística, o início, o meio e o fim de um enunciado.
=
A totalidade acabada do enunciado, que proporciona a possibilidade e responder (de compreender de modo responsivo), é determinada por três fatores: o tratamento exaustivo do objeto do sentido, o querer-dizer e as formas típicas de estruturação do gênero do acabamento.
=
O primeiro fator seria o tema, o qual varia conforme as esferas da comunicação verbal e é teoricamente objeto inesgotável; o segundo, corresponde à tese, que representa o querer-dizer do locutor, momento em que ele coloca em seus enunciados tudo o que já viu e percebeu no mundo, sua opinião, seu ponto de vista, sua individualidade; e o terceiro, faz referência à escolha do gênero, a qual deve ser apropriada, a qual deve levar em consideração o outro, a situação comunicativa, a esfera social.
=
A fronteira traçada pela alternância dos sujeitos falantes é marcada pela troca de enunciados; só há respostas no contexto enunciativo; trocam-se enunciados, que são definidos como unidade de interação verbal, capazes de suscitar respostas e não orações, unidades da língua, gramaticais, as quais possuem somente “significação”, pois se situam fora de um contexto social.
=
O eu individual, expressivo, constitui-se da relação com os outros. A identidade subjetiva se forma a partir da relação com a identidade coletiva, do contato social com os outros. Ao falar, ao interagir por meio dos enunciados concretos, há uma apropriação da palavra dos outros, dos enunciados dos alheios, que passam a ser em certo grau do interlocutor que os utiliza, pela influência que exercem também, na situação comunicativa, misturada às suas marcas individuais.
=
Desta forma, os enunciados dos locutores e interlocutores são impregnados de vozes sociais, o que caracteriza o enunciado como social e individual. Somos assim, seres social-individuais; paradoxais, portanto. Dessas vozes sociais, polifônicas, resulta o traço social do enunciado, o qual tem seu traço individual resultante da expressividade do locutor. Bakhtin (1992, p. 125) bem expressa essa relação entre o que denomina discurso interior (expressivo) e discurso exterior (dos outros) por meio da analogia com uma ilha:
=
O processo de fala, compreendida no sentido amplo como processo de atividade de linguagem tanto exterior, é ininterupto, não tem começo nem fim. A enunciação realizada é como uma ilha emergindo de um oceano sem limites, o discurso interior. As dimensões e formas dessa ilha são determinadas pela situação da enunciação e por seu auditório.
=
Sendo o enunciado um ato comunicativo concreto, na qual os interlocutores interagem entre si, é comum que ele tenha fronteira determinada pela alternância dos sujeitos falantes, na qual um apresenta uma afirmação, o outro concorda, complementa ou refuta o que foi apresentado, desenvolvendo seu ponto de vista em relação à idéia alheia.
=
Há quem afirme que o estilo esteja voltado para a expressão individual, mas para Bakhtin é algo mais complexo, que pertence ao campo da comunicação dialógica, envolvendo a relação do locutor com o ouvinte, o leitor, o interlocutor, o discurso do outro etc., ligando-se a unidades temáticas e composicionais. Brait (2005, p.96) alerta para o fato de que o conceito bakhtiniano de estilo:
=
não pode separar-se da idéia de que se olha um enunciado, um gênero, um texto, um discurso, como participante, ao mesmo tempo, de uma história, de uma cultura e, também, da autenticidade de um acontecimento, de um evento.
=
O sujeito do enunciado pode imprimir sua marca de expressividade na construção de seu discurso, mas também pode sofrer influência de outros discursos, de outros textos, imagem que ele constrói de seu interlocutor, para provocar, direcionar seu leitor a um sentido específico do texto. Discini (2003, p. 66) destaca que
Estilo é um “corpo” único de significado, constituído por um conjunto de discursos, com uma voz que se constitui pela relação com outras vozes do mundo. Da relação enunciado/enunciação de uma totalidade, é construído o corpo do estilo. Parte-se do estilo para se chegar ao sujeito.
=
Assim, o estilo funciona como pista a ser seguida pelo interlocutor para se chegar ao sentido do enunciado.
=
Por seu caráter concreto, dialógico, único e histórico é que o estudo da teoria do enunciado tem uma grande importância para a concretização deste trabalho de análise da construção da paródia nos contos de fadas modernos. Visto que, ele pertence ao plano discursivo, assim como a paródia, e também nos permite uma interação com a situação social vigente, possibilitando leitura ampla da intenção dos interlocutores envolvidos no processo de construção enunciativa.
=
Bakhtin concebe os gêneros como resultado de um uso comunicativo da língua em sua relação dialógica, de forma que, ao se comunicar, os sujeitos não trocam apenas orações ou palavras, trocam enunciados que se constituem com os recursos formais da língua aliados a outras estratégias argumentativas. Além disso, o gênero não é decidido aleatoriamente pelos interlocutores, mas é construído e constituído gradativamente, a partir de práticas sociais e freqüentes, que lhe garantem estabilidade. O próprio intuito discursivo de um locutor realiza-se, essencialmente, na opção por determinado gênero acessível.
=
Nessa perspectiva de gênero, todo e qualquer enunciado das mais diversas situações de comunicação são tidos como gêneros. O bilhete, a carta, o e-mail e o texto publicitário são exemplos de gêneros textuais, uma vez que todos são constituídos de uma forma padrão de materialização e expressam uma intenção do locutor.
=
De acordo com Brait (2005), os gêneros são classificados em primários e secundários. Os gêneros primários correspondem aos textos presentes em situações discursivas cotidianas, como, por exemplo, o bilhete. Já os secundários dizem respeito a textos com formações mais complexas, elaborados em uma dada situação formal, no qual o gênero publicitário é incluído.
=
Cada um dos gêneros discursivos caracteriza-se por exercer uma função social específica, possuindo aspectos lingüísticos, estilísticos e pragmáticos peculiares, além de intenções particulares e um determinado conteúdo temático.
=
Não acontece diferente com o texto publicitário, que possui estratégias argumentativas próprias e uma função social definida, além de um objetivo específico. Quando surgiu, o texto publicitário tinha como principal objetivo informar o consumidor e se articulava em torno de relatar as vantagens do produto para incentivar seu consumo, relacionando-o com o universo social e psicológico do interlocutor. Tudo girava em torno de captar a atenção e influenciar a instância da recepção.
=
Dessa forma, o primeiro conceito de publicidade como ato de tornar público determinado fato ou idéia perde espaço para a publicidade relacionada ao plano social, passando a exercer função específica nas representações coletivas. O objetivo continua sendo o de promover a aquisição de um produto, idéia ou serviço, contudo, suas estratégias procuram associar o produto a certos valores que permeiam o imaginário de sucesso social e satisfação pessoal de uma determinada esfera da sociedade. Para isso, o texto publicitário é composto de diversas estratégias argumentativas, voltadas para a mobilização e articulação dos mais variados discursos que, por sua vez, são representativos de uma determinada ideologia hegemônica.
=
A junção dos códigos lingüísticos com as demais estratégias argumentativas e os códigos sociais faz do texto publicitário um espaço privilegiado de jogos intertextuais, nos quais os diferentes discursos evocados revelam os valores e o universo do consumidor. Porém, segundo Sandman (2005, p. 12), esta junção não é simples de ser trabalhada, “Por isso a criatividade incansável do propagandista ou publicitário na busca incessante de meios estilísticos que façam com que o leitor ou ouvinte preste atenção ao seu texto, chocando-o até se for necessário”.
=
Nesse sentido, a utilização de inúmeros recursos contribui para o sucesso do texto publicitário. Entre os recursos lingüísticos e extralingüísticos, pode-se destacar: rimas, grafias exóticas, aliteração, ironia, paisagens, ambigüidade etc. Desse modo, a imagem da criança também é utilizada como recurso nesse tipo de texto. Essa imagem é utilizada a fim de comover o interlocutor, uma vez que o locutor conhece as vozes sociais a ela associadas e disso se utiliza capciosamente. O locutor, então, retoma valores comuns da sociedade que se identificam com a realidade do consumidor, para que a mensagem se torne familiar e de fácil percepção.
=
Neste trabalho, observar-se-á a relação dialógica existente em textos publicitários e a sociedade, produzidas a partir do uso da imagem da criança como estratégia principal. Para tanto, serão usadas propagandas com imagens de criança, retiradas da revista Veja dos anos de 2006 e 2007, classificadas em três categorias. São elas: utilização da imagem da criança como voz para convencer os pais; a imagem da criança como “centro” da família e a ajuda à criança (responsabilidade social).
=
No círculo de Bakhtin, o termo ideologia adquire sentido mais amplo, como Faraco (2003, p. 46) esclarece:
=
A palavra ideologia é usada, em geral, para designar o universo dos produtos do “espírito” humano, aquilo que algumas vezes é chamado por outros autores de cultura imaterial ou produção espiritual (talvez como herança de um pensamento idealista); e, igualmente, de formas da consciência social (num vocabulário de sabor mais materialista). Ideologia é o nome que o círculo costuma dar, então, para o universo que engloba a arte, a ciência, a filosofia, o direito, a religião, a política, ou seja, todas as manifestações superestruturais (para usar uma certa terminologia marxista).
=
Percebe-se que o termo ideologia não é fechado no entorno marxista, e não é considerado em sentido restrito, linear. Portanto, deve ser considerada como área de expansão das criatividades intelectual e cultural. Tudo que for produzido por meio de qualquer área do conhecimento humano precisa ser inserido na realidade concreta da qual participa.
=
Miotello (2005) chama a atenção para o fato de que ideologia não tem um conceito pronto e acabado segundo o círculo de Bakhtin, que a concebe não apenas na consciência individual do homem, mas sim, inserida em questões filosóficas de várias naturezas, sem absorver apenas a perspectiva idealista. Bakhtin (apud Miotello, 2005, p. 169) posiciona-se: “Por ideologia entendemos o conjunto dos reflexos e das interpretações da realidade social e natural que tem lugar no cérebro do homem e se expressa por meio de palavras (...) ou outras formas sígnicas”.
=
Miotello (2005) conclui que não se pode tratar a ideologia como falsa consciência, ou uma simples expressão de idéia, mas como expressão de uma tomada de posição determinada. Segundo ele, Bakhtin e seu círculo reconstruíram o conceito inicial de ideologia, colocando a ideologia do cotidiano ao lado da ideologia oficial. Enquanto a ideologia oficial é a dominante, que busca estabelecer a concepção de mundo que interessa a seus propósitos como certa; por outro lado, a ideologia do cotidiano é aquela que é constituída a partir das relações cotidianas, nas condições de produção e reprodução da vida, defendendo concepções contra-hegemônicas. Ao passo que esta é considerada relativamente instável por ser “acontecimento”, a outra é estável, uma vez que é considerada como conteúdo ou estrutura.
=
De acordo com a concepção de ideologia para Bakhtin, as ideologias, estáveis e instáveis, estão em constante movimento, participando da composição do signo. Portanto, há uma forte conexão entre ideologia e o estudo da linguagem. Acerca desta relação, Miotello (2005, p. 170) explica: “Objetos materiais do mundo recebem função no conjunto da vida social, advindos de um grupo organizado no decorrer de suas relações sociais, e passam a significar além de suas próprias particularidades materiais”.
=
Assim, cada signo, além de seu sentido físico-material e sócio-histórico, representa uma certa realidade, contém valores dela, desmascarando-a. Desse modo, todo signo é ideológico; sem eles, a ideologia não existe, e vice-versa.
=
Nessa perspectiva, a imagem ou figura no texto publicitário é muito mais do que um simples fato, pois nela estão contidos valores que ratificam a ideologia oficial. Portanto, a imagem tal qual expressa e apresentada na publicidade também é um signo ideológico, uma vez que está associada a outros inúmeros aspectos verbais e não-verbais do texto, que a contextualizam e compõem sentido. Este, naturalmente, condicionado pelas intenções argumentativas, persuasivas do “locutor publicitário”.
=
Intenciona-se evidenciar o trabalho do fotógrafo e jornalista Oliviero Toscani, em campanhas feitas para a empresa Benetton,além de outras grifes, que divulgam uma concepção de sujeito atrelada à irreverência, à ironia, à acuidade na percepção crítica de aspectos da realidade, enfim, toda um visão de mundo específica e bastante peculiar. Oliviero Toscani propôs uma “venda” diferenciada de produtos vários, entre lingeries, óculos, roupas em geral, assim como edredons, lençóis, toalhas etc. Nesse sentido, as campanhas publicitárias dialogam – por meio de textos verbais e não-verbais – com uma sociedade que, justaposta em frente ao “espelho” publicitário de Toscani, não se reconhece, pelo contrário, repudia a sua “própria imagem”. Tal qual se pode notar nas propagandas a seguir,
=

=
Essa imagem mostra o foco principal da empresa Benetton, uma vez que a aposta principal da empresa consistia em mostrar a união de todas as cores e etnias distintas.
=


=


=
Estas duas imagens mostram a possibilidade do amor inter racial, uma vez que as vestimentas são em cores preto em branco, além das cores dos pelos dos cavalos. Além disso, evidencia a crítica contundente aos comportamentos de membros da igreja católica. Há também a possibilidade de um aspecto subliminar no que se refere a sexualidade dos cavalos, uma vez que, conforme disse um grupo de estudantes da USP, há a possibilidade de serem dos dois animais do sexo masculino na imagem dos animais.
=

=
Esta campanha evidencia o desejo de manter a estética do corpo perfeito, sem a preocupação com a saúde, tudo em função da premazia da beleza. Nota-se a expressão da modelo que posa para a foto, julgando estar de acordo com esses padrões exigidos pela ‘moda’, sem perceber que sofre da doença em questão. Oliviero, em seu livro, afirma que
=
“A publicidade em geral está morta, é um cadáver que fede e sobre o qual continuam jogando grandes garrafas de perfume francês. É uma imunda podridão”.
=
Os textos-propagandas de Toscani exprimem discursos-proibidos, que não se encaixam com a espectativa que a sociedade tem dela mesma, ou ainda, com a visão do self que realiza sobre si. Evidenciam, assim, o preconceito contra os aidéticos e os portadores de doenças contagiosas, o racismo, a homossexualidade, o trabalho infantil escravo, a violência doméstica, enfim, Toscani objetiva desnudar as vicissitudes sociais que se distanciam dos padrões vigentes e valorizados na pós-modernidade, pela ideologia hegemônica.
=
REFERÊNCIAS
=
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.
_______. Os gêneros do discurso. In: –––. Estética da criação verbal , [trad. francês : Maria Ermantina Galvão; revisão : Marina Appenzeller]. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes , 1997.
_______. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2003.
CLARCK, Katerina. Michel Holquist; Tradução j. Guinsburg – São Paulo: Perspectiva, 2004.
DISCINI, Norma. O estilo nos textos: história em quadrinhos, mídia, literatura. São Paulo: Contexto, 2003.
MIOTELLO, V.; NAGAI, E.; COVRE, A. et al. Quimera e a peculiar atividade de formalizar a mistura do nosso café com o revigorante chá de Bakhtin. São Carlos (SP): Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso – GEGE, 2004.
TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
=
[1] Neste trabalho, priorizaremos a referência de Self e Selves (“eu” e “eus” respectivmente), em função do referencial teórico da (tradução), por não haver, na língua portuguesa, a palavra “eus” (no plural).

Nenhum comentário: