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Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

Luta de classes nos discursos: ideologia oficial e não oficial na contemporaneidade

Luta de classes nos discursos: ideologia oficial e não oficial na contemporaneidade[1]
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Camila Caracelli Scherma
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Pensar várias ideologias contemporâneas em vez de uma ideologia contemporânea provoca o pensar sobre as relações, uma vez que a multiplicidade de ideologias é constituída pela multiplicidade de sujeitos. Isso se considerarmos o conceito de Bakhtin e seu Círculo na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem a esse respeito: o de que não há ideologia sem signo e que “Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra”. Mais adiante, acrescentam que “A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação” (Bakhtin, 2006, p.34).
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A partir dessa interação de um sujeito com outro no mundo, no contexto social em que esses sujeitos estão inseridos, os objetos ou acontecimentos, que têm uma materialidade física e sócio-histórica, recebem valor, o ponto de vista dos sujeitos que com eles se relacionam, inter-agem. A partir daí, é possível constatar diferentes concepções de mundo.
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Ao longo de processos sócio-históricos, por meio das relações entre sujeitos, constituem-se concepções distintas da realidade. E nas relações de poder há o estabelecimento de concepções mais estáveis e menos estáveis sobre as coisas e acontecimentos no mundo, o que Bakhtin e seu Círculo chamam de ideologia oficial e não oficial, respectivamente.
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Dessa forma, é possível pensar que grupos distintos de sujeitos sociais concebem o mundo e as coisas nele ocorridas de maneiras também distintas. É nesse jogo que pensamos sobre a ideologia, no jogo de interesses de diferentes classes sociais. Nessa luta, vemos um fato concreto sendo concebido distintamente por grupos de sujeitos que organizam o mundo do seu jeito, sob o seu olhar e se expressam sobre isso pela linguagem. Para tanto, olhamos para a linguagem como o lugar em que essa luta dos interesses pelas classes sociais acontece.
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Por meio da leitura dos discursos de jornais de circulação nacional, buscamos compreender o embate entre diferentes ideologias. Os textos publicados nesses jornais nos mostram essa luta de classes em atividades humanas concretas, materialmente constituídas e, também segundo Ponzio, para buscar explicações efetivas das ideologias é preciso partir “para a esfera das relações sociais materiais e das condições materiais objetivas, dentro das quais os homens operam e criam discursos e representações”. (Ponzio, 2008, p.83)
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Na contemporaneidade, destacamos o agronegócio e as relações que o cercam como acontecimento para o qual direcionamos nossa atenção. Ler e ouvir o que está sendo dito a esse respeito, por quem está sendo dito e para quem. Enxergar na linguagem as diferentes concepções de mundo que são expressas nos discursos sobre o agronegócio. A ideologia dominante (oficial), que tenta imprimir uma visão monológica, “única de produção de mundo” (Miotello, 2005, p.169), e a ideologia do cotidiano, mais instável, constituindo-se reciprocamente, na materialidade da palavra.
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Para essa discussão, trabalhamos com textos do jornal Folha de São Paulo – o caderno Agrofolha[3] – e o jornal Brasil de Fato[4]. Nossa escolha se deve ao fato de que o primeiro é direcionado a investidores[5] e o segundo, produzido por movimentos sociais como o MST, a Via Campesina, a Consulta Popular e as pastorais sociais, e que se define como um jornal que apresenta “uma visão mais popular dos fatos”.
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Nesses discursos é possível compreender as ideologias no papel de defender interesses específicos dos grupos sociais envolvidos com o agronegócio. De um lado, o discurso oficial, reproduzindo a ordem das coisas, e de outro, o discurso não oficial, questionando as relações sociais, já que
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Em sociedades que apresentam contradições de classe social, as ideologias respondem a interesses diversos e contrastantes; ora podem reproduzir a ordem social e manter como definitivos alguns dos sentidos das coisas (“integrantes do MST invadem uma fazenda em Pernambuco”), e ora podem discutir e subverter as relações sociais de produção da sociedade capitalista (“A terra é de quem nela trabalha”), desde que as mesmas obstaculizem o desenvolvimento das forças produtivas (Miotello, 2005, p.171).
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Assim também, na busca por essas diferentes concepções sobre as ações em torno do agronegócio, encontramos, sob o ponto de vista de grupos economicamente dominantes, um discurso que prega a reprodução das coisas como estão, a manutenção de um sistema vantajoso a grupos sociais como as grandes corporações ligadas ao agronegócio, por exemplo. Nessa luta, as palavras são as mediadoras na defesa de interesses, na justificativa de medidas capazes de reforçar o sistema econômico atual, nos debates a respeito das normas que regulam a produção e/ou negociação das commodities agrícolas, na ampliação da rede de poder, uma vez que o verdadeiro lugar do ideológico é o “material social particular dos signos criados pelo homem. Sua especificidade reside, precisamente, no fato de que ele se situa entre indivíduos organizados, sendo o meio de sua comunicação” (Bakhtin, 2006, p.35). A organização social dos sujeitos se dá a partir de jogos de interesses que norteiam (ou, como diria Paulo Freire, “suleiam”[6]) as ações dos grupos em defesa de seus objetivos e daquilo que lhes é mais vantajoso. Sujeitos sociais com interesses calcados na manutenção do atual sistema produtivo agrícola voltado para o agronegócio organizam-se para garantir que haja a reprodução das atuais condições econômicas e produtivas. Já os sujeitos sociais que reivindicam a posse de terras para o trabalho agrícola, que lutam pela reforma agrária, pela garantia dos meios de subsistência dessa classe trabalhadora, entre outros direitos, põem em discussão, questionam, tentam, pelo discurso, subverter a atual ordem das coisas, em busca de mudanças. São os discursos como mediadores nessa luta ideológica.
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Referências Bibliográficas
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BAKHTIN, M. M., - Marxismo e Filosofia da linguagem. 12ª ed. – São Paulo: Hucitec, 2006.
BRASIL DE FATO. Agência Brasil de Fato. Quem somos em: http://www.brasildefato.com.br/01/quemsomos. Acessado em 15 abr.2009.
FREIRE, Paulo, Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FOLHA DE SÃO PAULO. Folha de São Paulo. Grupo Folha apresenta dados sobre os diferentes departamentos que compõem o Grupo Folha. Disponível em . Acessado em: 15 jul. 2009.
MIOTELLO, V. Ideologia. In: Beth Brait. (Org.). Bakhtin – Conceitos-chave. São Paulo: Editora Contexto, 2005, v.,p. 167-177.
PONZIO, Augusto. A revolução bakhtiniana: o pensamento de Bakhtin e a ideologia contemporânea / Augusto Ponzio; [coordenação de tradução Valdemir Miotello]. – São Paulo: Contexto, 2008.

[1] Resumo expandido para discussão no “Círculo – Rodas de Conversa Bakhtiniana 2009”
[2] Aluna (mestrado) do Programa de Pós-Graduação em Lingüística – Universidade Federal de São Carlos. Orientador: Valdemir Miotello
[3] Caderno semanal publicado no interior do caderno Dinheiro.
[4] “O Jornal Brasil de Fato foi lançado no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 25 de janeiro de 2003 [...] É um jornal semanal, com circulação nacional. Por entender que, na luta por uma sociedade mais justa e fraterna, a democratização dos meios de comunicação é fundamental, movimentos sociais como o MST, a Via Campesina, a Consulta Popular e as pastorais sociais criaram o jornal Brasil de Fato” (Brasil de Fato, 2009)
[5] “A conjuntura econômica, brasileira e internacional, e o mundo dos negócios são principal alvo do Caderno Folha Dinheiro.”. [...] “Com informações precisas, linguagem clara e elucidativa, o caderno orienta quanto a investimentos, traz indicadores econômicos e faz a cobertura de temas que mereçam atenção especial em função da conjuntura econômica.”. (Folha de São Paulo, 2009)
[6] Paulo Freire (1992, p.24) usa esse termo em sua obra “Pedagogia da Esperança”. Nessa obra, encontramos uma belíssima nota a respeito do termo “sulear” – tomado do físico Márcio Campos – em vez de nortear.

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