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Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

Ideologia e Bakhtin

Rubens Dias Maia
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A questão da ideologia relacionada a Bakhtin leva-nos primeiramente a perguntar o que se deve entender por ideologia e qual é o conceito de ideologia do lingüista russo. Augusto Ponzio, no capítulo Signo e Ideologia (A revolução bakhtiniana, p.109) nos orienta para apurar o conceito bakhtiniano de ideologia, embora deixe o leitor, às vezes, perplexo diante de muitos retornos e variações na definição de ideologia.
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Afirma Ponzio (p.113) “O termo “ideologia” que Bakhtin usa não se identifica completamente com “falsa consciência”, com “pensamento distorcido”; falso. Não se trata exatamente de mistificação nem de automistificação, ou falsificação socialmente determinada”. E ainda diz que o significado de “ideologia” para Bakhtin é diferente do significado que esse termo adquiriu em Marx e Engels como “falsa consciência”. Ponzio ainda comenta que “falsa consciência” não é a definição da ideologia em geral, mas da ideologia em sentido restrito, a ideologia burguesa. A burguesia havia se transformado em classe dominante e estava interessada em manter a divisão de classes sociais e ocultar as condições que levariam mudar as estruturas. Mais adiante, citando um ensaio de Voloshinov (p.114): “Por ideologia entendemos todo conjunto dos reflexos e das interpretações da realidade social e natural que tem lugar no cérebro do homem e se expressa por meio das palavras (...) ou outras formas sígnicas”. O conceito de Bakhtin, no entanto, não condiz com a definição do ideólogo francês Destutt de Tracy (1754-1836), para quem ideologia é simplesmente a ciência das idéias, análise das idéias e sensações. Para Bakhtin, a ideologia tem acentuação valorativa e esse termo pode ser empregado também no sentido de ideologia da classe dominante, interessada em manter a divisão das classes sociais, isto é, a ideologia em sentido restrito, a falsa consciência, ideologia burguesa, proletária e mesmo ideologia científica, esta última parece ser mesmo contraditória. Num outro sentido, diríamos, lendo Ponzio (116), que Bakhtin aceita a definição de ideologia como um sistema de concepções de uma classe que pretende impor comportamentos, a ideologia dominante. Para Bakhtin, pois, o signo ideológico tem um aspecto valorativo, não é apenas expressão de uma idéia, mas uma tomada de posição, práxis concreta, ideologia da classe dominante, interessada em manter a divisão das classes sociais. “A palavra, afirma Bakhtin, em Marxismo e Filosofia da Linguagem, p.36, é o fenômeno ideológico por excelência”. Junto com essa proposição lingüística bakhtiniana, pode ser importante citar pensamentos de alguns lingüistas nesse mesmo assunto das ideologias, para mostrar que, na verdade, a palavra tem poder. Hjelmslev em Prolegômenos, (p.185, Pensadores XLIX): “A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana.”
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Charaudeau, no Prefácio de Linguagem e discurso, afirma: “É a linguagem que permite ao homem pensar e agir... A linguagem é um poder, talvez o primeiro poder do homem” . Os discípulos de Saussure escrevem: “Philosophes et linguistiques se sont toujours accordés à reconnaître que, sans le secours des signes, nous serions incapables de distinguer deux idées d’une façon claire et constante. Prise em elle-même, la pensée est comme une nebuleuse ou rien n’est nécessairement délimité. Il n’y a pas d’idées préétablies, et rien n’est distinct avant l’apparition de la langue.”(Cours,p.155)
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Voltando a Bakhtin, em Marxismo e Filosofia da Linguagem, lemos na página32, “Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico”. E mais adiante, como já mencionamos, na página 36 vem a célebre tese: “A palavra é o fenômeno ideológico por excelência”. Percebemos, pois, que o conceito de ideologia não é tão simples.
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Podemos considerar a ideologia como visão de mundo, concepções filosóficas, religiosas, jurídicas, estéticas, num sentido bem amplo. Num sentido mais restrito, temos a falsa consciência, as idéias falaciosas e, por isso, não científicas, determinadas por um grupo dominante. Quando a concepção tem uma fundamentação crítica, ela não é ideológica. Ideologia e pensamento crítico se excluem.
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Barthes nos lembra certas afirmações que vão condicionando o pensamento das pessoas de modo quase inconsciente, como figuras ideológicas. Frases como: “ninguém nega que haja maus patrões”, “sempre foi assim, sempre será”, “são leis do mercado”, “o povo não sabe votar”, “se é muito vendido, é bom” (Apud Tringali, p.175).
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O filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) escreveu o Novum Organum em oposição ao Organum de Aristóteles. Publicado em 1620, apresentou uma interessante doutrina dos “idola”, ídolos, falsos deuses ou falsas imagens no pensamento que são obstáculos para o verdadeiro conhecimento, que podemos classificar como ideologias. O homem precisa tornar-se consciente das falsas noções que obscurecem a mente. A função da teoria dos ídolos é tornar o homem consciente dessas falsas noções. São quatro as categorias de fantasmas, que povoam a mente humana, ídolos, denominados em latim:
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1 idola tribus,
2 idola, specus,
3 idola fori, e
4 idola theatri.
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1) idola tribus, ídolos da tribo são preconceitos comuns a todos os homens ou a família humana, nascem de interesses. A inteligência humana julga as coisas conforme sua própria natureza, é o antropomorfismo.
2) Os ídolos da caverna são preconceitos individuais, egoísmos, razões e pensamentos subjetivos. Influências de leituras pessoais.
3) Os ídolos da praça são julgamentos oriundos da convivência social, dos equívocos da linguagem, são os chamados ruídos da comunicação. Surgem com os nomes, são sofismas de palavras. As palavras podem fazer violência ao intelecto e perturbar o raciocínio.
4)Os ídolos do teatro resultam dos ensinamentos, das doutrinas filosóficas, das autoridades dos mestres. Muitas doutrinas são encenadas diante do público, que se deixa levar sem reflexão crítica.
Podemos concluir com Dante Tringali (Introdução à Retórica, p.173) “Desde que se realize o debate livre de idéias, que os discursos se confrontem, sem coação, sem repressão, esconjuramos o ideológico.”

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