Maria Geralda de Miranda
A revista Cult, recentemente, publicou um dossiê sobre as universidades. Das várias entrevistas publicadas, a do professor da Unicamp, Laymert Garcia dos Santos, me instigou a pensar sobre algumas questões relativas à educação brasileira. Segundo Santos, o ponto principal da crise da universidade hoje é a conjunção de neoliberalismo com sociedade da informação. Ele afirma que esse “contexto está, de certa maneira, aposentando a universidade, pois a produção do conhecimento não mais se dá fundamentalmente no âmbito universitário” (SANTOS, 2009, p. 46).
Salienta também que a universidade não percebeu que a produção de conhecimento hoje não é só feita por humanos, mas por homens e máquinas. E que “como a universidade é anterior a isso e em certa medida não está pensando muito sobre o assunto, a reação é passadista - na tentativa de conter o movimento -, ou então uma espécie de ‘fuga para frente’, sem uma visão crítica sobre essa transformação.” (SANTOS, 2009, p. 46-7).
Penso que o citado professor tem razão, pois percebo no meu cotidiano de prática docente que as tecnologias causam muito desconforto a um grupo grande de colegas, sobretudo quando se trata de educação a distância. Percebo também que a universidade não está discutindo amplamente o assunto, daí não ter propostas mais ajustadas às nossas necessidades concretas. Em razão disso, a articulação entre economia e tecnologia, como bem observou Santos, acaba sendo fatal.
Como docente da área de Letras, questões concernentes à prática leitora dos alunos tem me preocupado bastante. Já faz algum tempo que não tenho conseguido pensar essa questão sem refletir sobre o impacto das linguagens tecnológicas no ensino de leitura e de escrita. Não é novidade para ninguém que em nosso país parte significativa dos alunos termina os Ensinos Fundamental e Médio e até mesmo o Superior sem domínio das competências de escrita e leitura, conforme as exigências do nosso modelo escolar. São desafios a serem enfrentados pela sociedade, pelos governos, e pela escola, enquanto instituição, que deve questionar se aquilo que ela tem ensinado tem validade para a vida prática das pessoas.
Fica muito difícil enfrentar os problemas relativos à compreensão leitora, que parecem ser de base, e de fato são, se a universidade não travar esse debate. O estudioso Charles Bazerman (2005, p. 15), ao mencionar as formas de letramento social e o ensino da escrita, afirma que desde o aparecimento da escrita há cinco mil anos, “poderosas funções da sociedade têm sido de modo crescente mediadas por textos escritos. Esse desenvolvimento da escrita tem sido acompanhado por uma proliferação de formas escritas e situações cada vez mais complexas que requerem a escrita”.
Claro está que a não incorporação das práticas sociais da escrita e da leitura no cotidiano de parte significativa da população em idade laborativa se configura como um grave problema social, pois a nossa sociedade, culturalmente grafocêntrica, exige o uso desses dois domínios. Na verdade, o avanço tecnológico tem revelado, cada vez mais, a necessidade do envolvimento de homens e mulheres com essas duas habilidades humanas.
Pierre Bourdier, por seu turno, pontua que as práticas da leitura e da escritura envolvem o simbólico em que as comunidades estão imersas. Desse modo, o acesso à letra, o contato com múltiplos saberes e a reflexão resultam em benefício para a sociedade, seja em forma de arte e manifestações culturais diversas, seja em forma de alimento para futuros trabalhos de pesquisa. Sobre o poder simbólico das palavras, ele observa:
O poder simbólico é um poder de fazer coisas com palavras. E somente na medida em que é verdadeira, isto é, adequada as coisas, que a descrição faz as coisas. Nesse sentido, o poder simbólico é um poder de consagração ou de revelação, um poder de consagrar ou de revelar coisas que já existem. (BOURDIER, 1999, p. 215).
Na verdade, as práticas de linguagem são consideradas aquisições acumuladas pelos grupos sociais no curso da história. São o reflexo e o principal instrumento de interação social. Nesta perspectiva, é necessário confrontar os alunos com práticas de linguagem historicamente constituídas, para lhes dar a possibilidade de reconstruí-las e delas se apropriarem. A utilização de microcomputadores e a democratização de informações proporcionadas pelo acesso à WEB constituem-se em conquistas inestimáveis da humanidade, no entanto, insuficientes.
A escola e a universidade precisam, cada vez mais, se dispor a ouvir e a apreender linguagens e discursos acumulados - produtos de um novo tempo histórico. Devem promover estratégias de leitura de gêneros variados, como os que contêm as especificidades de linguagem típicas da rede, que dificultam e, por vezes, impedem a compreensão. Necessitam promover mecanismos propícios à reflexão, pois somente dessa maneira haverá por parte do aluno a possibilidade de formulação de discursos acerca dos saberes ensinados, ou orientados. Muitas vezes o aluno não escreve porque não domina os mecanismos formais para dizer um conteúdo, incluindo a própria noção de gênero textual. Como diz Beth Brait se referindo à noção de dialogismo bakhtiniano:
É impossível pensar o dialogismo como forma cabal do diálogo comunicativo. Ora, Bakhtin situa o conceito no campo do diálogo socrático, definindo-o como um debate tenso de idéias em que as palavras de um se confrontam com as palavras de outro no interior de um único discurso.” (MACHADO, in BRAIT, 2005, p. 135).
Ora, hoje é impossível pensar a educação sem os mecanismos dialógicos que estão na raiz da produção dos discursos. Se a escola, aí incluída a universidade, está perdendo um dos seus antigos papéis – que era o de também informar – para as redes computacionais, ela precisa urgentemente repensar o seu papel, que talvez seja, para além dos interesses econômicos imediatos, contribuir para a ressignificação dos discursos.
Referências:
BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. Ângela Paiva Dionísio e Judith Chambliss Hoffnagel (Orgs.); tradução e adaptação de Judith Cambliss Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2005.
BOURDIEU, Pierre. O campo econômico: a dimensão simbólica da dominação. São Paulo: Papirus, 2000.
BRAIT, Beth. Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.
SANTOS, Laymert Garcia. A universidade em debate. São Paulo: Cult, 2009, no. 38, pp46-7.
A revista Cult, recentemente, publicou um dossiê sobre as universidades. Das várias entrevistas publicadas, a do professor da Unicamp, Laymert Garcia dos Santos, me instigou a pensar sobre algumas questões relativas à educação brasileira. Segundo Santos, o ponto principal da crise da universidade hoje é a conjunção de neoliberalismo com sociedade da informação. Ele afirma que esse “contexto está, de certa maneira, aposentando a universidade, pois a produção do conhecimento não mais se dá fundamentalmente no âmbito universitário” (SANTOS, 2009, p. 46).
Salienta também que a universidade não percebeu que a produção de conhecimento hoje não é só feita por humanos, mas por homens e máquinas. E que “como a universidade é anterior a isso e em certa medida não está pensando muito sobre o assunto, a reação é passadista - na tentativa de conter o movimento -, ou então uma espécie de ‘fuga para frente’, sem uma visão crítica sobre essa transformação.” (SANTOS, 2009, p. 46-7).
Penso que o citado professor tem razão, pois percebo no meu cotidiano de prática docente que as tecnologias causam muito desconforto a um grupo grande de colegas, sobretudo quando se trata de educação a distância. Percebo também que a universidade não está discutindo amplamente o assunto, daí não ter propostas mais ajustadas às nossas necessidades concretas. Em razão disso, a articulação entre economia e tecnologia, como bem observou Santos, acaba sendo fatal.
Como docente da área de Letras, questões concernentes à prática leitora dos alunos tem me preocupado bastante. Já faz algum tempo que não tenho conseguido pensar essa questão sem refletir sobre o impacto das linguagens tecnológicas no ensino de leitura e de escrita. Não é novidade para ninguém que em nosso país parte significativa dos alunos termina os Ensinos Fundamental e Médio e até mesmo o Superior sem domínio das competências de escrita e leitura, conforme as exigências do nosso modelo escolar. São desafios a serem enfrentados pela sociedade, pelos governos, e pela escola, enquanto instituição, que deve questionar se aquilo que ela tem ensinado tem validade para a vida prática das pessoas.
Fica muito difícil enfrentar os problemas relativos à compreensão leitora, que parecem ser de base, e de fato são, se a universidade não travar esse debate. O estudioso Charles Bazerman (2005, p. 15), ao mencionar as formas de letramento social e o ensino da escrita, afirma que desde o aparecimento da escrita há cinco mil anos, “poderosas funções da sociedade têm sido de modo crescente mediadas por textos escritos. Esse desenvolvimento da escrita tem sido acompanhado por uma proliferação de formas escritas e situações cada vez mais complexas que requerem a escrita”.
Claro está que a não incorporação das práticas sociais da escrita e da leitura no cotidiano de parte significativa da população em idade laborativa se configura como um grave problema social, pois a nossa sociedade, culturalmente grafocêntrica, exige o uso desses dois domínios. Na verdade, o avanço tecnológico tem revelado, cada vez mais, a necessidade do envolvimento de homens e mulheres com essas duas habilidades humanas.
Pierre Bourdier, por seu turno, pontua que as práticas da leitura e da escritura envolvem o simbólico em que as comunidades estão imersas. Desse modo, o acesso à letra, o contato com múltiplos saberes e a reflexão resultam em benefício para a sociedade, seja em forma de arte e manifestações culturais diversas, seja em forma de alimento para futuros trabalhos de pesquisa. Sobre o poder simbólico das palavras, ele observa:
O poder simbólico é um poder de fazer coisas com palavras. E somente na medida em que é verdadeira, isto é, adequada as coisas, que a descrição faz as coisas. Nesse sentido, o poder simbólico é um poder de consagração ou de revelação, um poder de consagrar ou de revelar coisas que já existem. (BOURDIER, 1999, p. 215).
Na verdade, as práticas de linguagem são consideradas aquisições acumuladas pelos grupos sociais no curso da história. São o reflexo e o principal instrumento de interação social. Nesta perspectiva, é necessário confrontar os alunos com práticas de linguagem historicamente constituídas, para lhes dar a possibilidade de reconstruí-las e delas se apropriarem. A utilização de microcomputadores e a democratização de informações proporcionadas pelo acesso à WEB constituem-se em conquistas inestimáveis da humanidade, no entanto, insuficientes.
A escola e a universidade precisam, cada vez mais, se dispor a ouvir e a apreender linguagens e discursos acumulados - produtos de um novo tempo histórico. Devem promover estratégias de leitura de gêneros variados, como os que contêm as especificidades de linguagem típicas da rede, que dificultam e, por vezes, impedem a compreensão. Necessitam promover mecanismos propícios à reflexão, pois somente dessa maneira haverá por parte do aluno a possibilidade de formulação de discursos acerca dos saberes ensinados, ou orientados. Muitas vezes o aluno não escreve porque não domina os mecanismos formais para dizer um conteúdo, incluindo a própria noção de gênero textual. Como diz Beth Brait se referindo à noção de dialogismo bakhtiniano:
É impossível pensar o dialogismo como forma cabal do diálogo comunicativo. Ora, Bakhtin situa o conceito no campo do diálogo socrático, definindo-o como um debate tenso de idéias em que as palavras de um se confrontam com as palavras de outro no interior de um único discurso.” (MACHADO, in BRAIT, 2005, p. 135).
Ora, hoje é impossível pensar a educação sem os mecanismos dialógicos que estão na raiz da produção dos discursos. Se a escola, aí incluída a universidade, está perdendo um dos seus antigos papéis – que era o de também informar – para as redes computacionais, ela precisa urgentemente repensar o seu papel, que talvez seja, para além dos interesses econômicos imediatos, contribuir para a ressignificação dos discursos.
Referências:
BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. Ângela Paiva Dionísio e Judith Chambliss Hoffnagel (Orgs.); tradução e adaptação de Judith Cambliss Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2005.
BOURDIEU, Pierre. O campo econômico: a dimensão simbólica da dominação. São Paulo: Papirus, 2000.
BRAIT, Beth. Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.
SANTOS, Laymert Garcia. A universidade em debate. São Paulo: Cult, 2009, no. 38, pp46-7.
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