Greice Ferreira da Silva
As crianças são desde pequenas capazes de estabelecer relações com o escrito de forma a questioná-lo, de fazer previsões, escolhas, de validar essas antecipações ou não e assim elaborar outras questões e outras respostas. Pode-se dizer que a relação entre o leitor e o texto é dialética, ou seja, o leitor no ato da leitura traz os seus conhecimentos para dialogar com o texto, para compreendê-lo e essa compreensão permite ao leitor criar, modificar e elaborar novos conhecimentos.
De acordo com Arena (2003), lemos porque temos necessidades que são criadas pelas relações sociais entre os indivíduos, por tal razão, afirma que não lemos por hábito, gosto ou prazer. Nessa perspectiva, a escola tem o papel de criar essas necessidades de leitura nas crianças, permitindo que elas vivenciem situações reais em que possam participar dessas situações ativamente, sendo sujeitos de suas aprendizagens e percebendo a função social para a qual é destinada.
Considerando esses apontamentos, o papel do professor no processo de aprendizagem da leitura é fundamental e isto desde a Educação Infantil, porque ele é o modelo, e a ele cabe a responsabilidade de criar novas necessidades nas crianças, como a necessidade de ler, o desejo, a vontade de conhecer através da leitura.
O ensino da leitura está vinculado à concepção de linguagem do professor. Para Bakhtin, a linguagem é fruto da interação verbal entre os sujeitos, em outras palavras, a relação entre os interlocutores funda a linguagem. A linguagem deve ser vista em seu uso, na atitude responsiva do outro e, por esse motivo, deve ser compreendida a partir de sua natureza sócio-histórica. Desse modo, a concepção bakhtiniana de linguagem decorre do pressuposto de que o sujeito se constitui à medida que se relaciona com o outro, à medida que vai ao encontro do outro. Nesse sentido, a linguagem pressupõe trocas lingüísticas dinâmicas numa situação e num lugar histórico e social concretos (BRAIT, 2005).
Disso resulta que a linguagem não é acabada, sistematizada e a língua é viva e se transforma constantemente devido a sua historicidade, pelo uso cotidiano, não podendo ser separada do fluxo da comunicação verbal. Para o autor, a língua está em constante movimento, em constante atualização porque se renova, se constrói e se reconstrói nas relações sociais.
De acordo com Bakhtin, o princípio dialógico da linguagem e da leitura como um encontro dos interlocutores, marcado pela atitude responsiva do leitor que interage com o texto e com o autor já traz no momento da leitura uma contrapalavra. Essa dinamicidade interlocutiva permite que o leitor considere, critique, avalie, retome, desconsidere, debata o texto e num contínuo processo de compreensão responda as suas próprias perguntas e àquelas propostas pelo autor que já tem dentro dele um leitor.
A concepção de leitura defendida neste trabalho é a de leitura como compreensão, como produção de sentido, como prática cultural. Essa concepção vem ao encontro da concepção bakhtiniana de linguagem que permite pensar a prática educativa e o ensino e a aprendizagem da leitura numa perspectiva dialógica em que as relações travadas com o texto superam a mera decifração e oralização de sinais gráficos.
A aprendizagem da criança na escola se apóia na leitura e pode-se dizer que isso é consenso, uma vez que é por meio da leitura que a criança terá contato e poderá conhecer os diferentes conteúdos escolares. Contudo, no processo de ensino e aprendizagem da leitura ocorre muitas vezes a utilização de materiais escolares que apresentam textos descontextualizados, que priorizam o trabalho com letras ou sílabas e que geralmente não causam interesse e envolvimento por parte da criança. Outrora, se priorizava somente alguns gêneros discursivos por se acreditar que eram mais adequados para a fase inicial da leitura. Ao fazer isso, descarta-se a utilização de outros gêneros que poderiam contribuir para a apropriação da leitura das crianças, levando-as a se distanciarem da concepção de leitura como uma tarefa eminentemente escolar.
Os gêneros discursivos são tipos relativamente estáveis de enunciados, que produzidos nas diferentes esferas de utilização da língua, organizam o discurso, ou seja, em cada esfera de atividade social, os falantes utilizam a língua de acordo com gêneros específicos (BAKHTIN, 2003). Sem eles a comunicação seria praticamente impossível, pois a língua só pode se manifestar pelo gênero. Como a variedade da atividade humana é cada vez maior, a diversidade dos gêneros também se amplia e se transforma na medida em que essa atividade se desenvolve e se amplia (BAKHTIN, 2003).
Bakhtin (2003) propõe a divisão dos gêneros em dois grupos: os gêneros primários, que são os gêneros mais simples de organização, ligados às relações cotidianas e por isso, não menos importantes. E os gêneros secundários, mais complexos, mais elaborados, mais abstratos, que abrangem os primários, transformando-os. Os gêneros apresentam três elementos que estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. São eles: o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional.
Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso e nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero (BAKHTIN, 2003). Os gêneros fazem parte da vida das pessoas e são aprendidos no curso de nossas vidas como participantes de determinado grupo social ou membro de alguma comunidade (BAKHTIN, 2003). Portanto, os gêneros devem ser abordados também na escola, mas apresentados sempre em situações reais em que a criança vivencie e interaja com estes, percebendo-os como necessários e essenciais. A escola é o lugar em que ao longo do processo de ensino e de aprendizagem deve aproximar os gêneros vivenciados no cotidiano e os mais elaborados.
Considerando essas afirmações, cabe à escola cuidar para que as crianças tenham contato com os diferentes gêneros discursivos ao longo dos anos de escolaridade e amplie sua capacidade de manejar o mais possível a diversa heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos), suas variações estilísticas e suas possibilidades de intervir e de dialogar com eles. Desse modo, as crianças poderão se apropriar dos gêneros discursivos que circulam socialmente e se constituir gradativamente como leitores.
Quando a criança começa a ler, ela deve ter uma atitude responsiva ativa, uma atitude leitora. Sendo assim, deve-se apresentar a ela os gêneros os mais diversos e não restringir-se ao ensino de determinados gêneros (geralmente narrativos na Educação Infantil), pois dessa forma as crianças poderão pensar sobre a língua, sobre o funcionamento do escrito e a sua dinamicidade.
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