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Heteroglossia/Polifonia e Estratégias de Referenciação

Digenário Pessoa Souza

Tomar como fundo epistêmico as inter-relações dialéticas entre o domínio verbal e o domínio social e a discursividade dos processos referenciais é algo que tem sido feito cada vez mais constantemente nos estudos de referenciação nos últimos anos, especialmente, partindo das contribuições de Blikstein (2001) e Mondada & Dubois (2003). Realmente, muitos foram os ganhos com essa perspectiva, mas cremos que uma grande parte desses trabalhos ainda necessita dar um tratamento metodológico aos seus objetos teóricos que contemple, de fato, a discursividade e a intersubjetividade constituintes dos processos de referência. E vemos, aqui, um ponto profícuo de interlocução com a proposta teórica do Círculo de Bakhtin, haja vista compreendermos o dialogismo bakhtiniano também como um método de abordagem da realidade textual-discursiva.

Buscamos, pois, as possibilidades de interlocução entre os trabalhos da lingüística textual que defendem a construção discursiva de referentes e a perspectiva teórica do Círculo de Bakhtin. Em outras palavras, pretendemos ensejar (a) uma interlocução entre as possibilidades complementação e/ou reorientação de alguns encaminhamentos metodológicos dados aos estudos de referenciação; (b) um olhar para referenciação por meio da perspectiva teórica de Bakhtin, atentando para os aspectos teórico-metodológicos favoráveis e desencorajantes ao se tomar a referencia como um processo heteroglossicamente orientado.

Importante é também que a referenciação é dialógica, porque refrata e reflete a ordem social e genérica, uma vez que, o gênero do discurso é a estrutura organizadora e que permite a realização das práticas linguageiras. Pensar no homem é pensar em suas práticas sociais e como elas se estruturam por meio da linguagem. Conforme Bakhtin ([1979] 2003, p. 261),

os enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada (...) campo [atividade antrópica][1] não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo por sua construção composicional.

A forma como o gênero se organiza está estritamente relacionada com a atividade que ele possibilita. Os gêneros do discurso são, portanto, tipos relativamente estáveis e intrinsecamente ligados a uma esfera de atividade humana, caracterizando-a e sendo caracterizado por ela mediante processos discursivos de assimilação-reprodução da realidade (cf. BAKHTIN, [1979], 2003). Visto desse modo, o gênero é fundamental para o estudo da linguagem, inclusive, para o estudo da referenciação, haja vista ele funcionar como organizador da linguagem e, conseqüentemente, dos processos referenciais, uma vez que estes são adequados ao gênero de discurso que os empregam. Por exemplo, não se referencia do mesmo modo em uma “notícia”, em um “editorial” ou em uma “conversa informal de boteco”. Logo, ainda segundo Bakhtin ([1979] 2003, p. 264-265),

o desconhecimento da natureza do enunciado e a relação diferente com as peculiaridades das diversidades de gênero de discurso em qualquer campo da investigação lingüística[2] redundam em formalismo e em uma abstração exagerada, deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações da língua com a vida.

Um trabalho sobre linguagem, então, que desconsidere os gêneros do discurso, inevitavelmente, incorrerá em formalismo e em uma desconexão com a realidade construída através da linguagem (a vida). Nesse sentido, o estudo da referenciação, acredita-se, deve, pois, também passar pela noção de gênero do discurso para que desse modo se consiga contribuir para a explicação da relação entre linguagem e mundo.
De modo sintético, pretendemos observar as inter-relações entre a heteroglossia/polifonia e os processos de construção de referentes em um gênero de discurso específico o que, acreditamos, contribuirá para reforçar, na prática, o que já é bastante defendido teoricamente, ou seja, a discursividade da referência. Isso é relevante, ainda, por se constituir em uma oportunidade de diálogo entre trabalhos de lingüística textual e a teoria oriunda do Círculo de Bakhtin, além de ensejar um olhar para os editoriais em particular e os textos em geral que os conceba como instrumentos sociais de ação no mundo e não apenas como objetos descontextualizados e ideologicamente neutros.

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[1] Nota do redator deste projeto
[2] Grifo nosso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, M. Gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979].
_________. Marxismo e filosofia da linguagem. 6ª ed. São Paulo: Hucitec, 2002 [1929].
BLIKSTEIN, I. Kaspar Hauser ou a fabricação da realidade. São Paulo: Cultrix, 2001.
MONDADA, L. & DUBOIS, D. Construção dos objetos de discurso e categorização: uma abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M. & RODRIGUES, B B. & CIULLA, Al. (Org.). Referenciação. V. 1. São Paulo: Contexto, 2003.

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