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Entre Bakhtin e Lacan: um limite para a alteridade?

Alberto Ramos Lautenchlager

Acerca da linguagem, Bakhtin é um dos teóricos mais interessantes para se estudar. Ele não é sempre linear, enxuto, homogêneo, mas transversal, denso, heterogêneo. Parece, por vezes, um outro que não ele mesmo, propriedade gerada que, como um enigma a ser desvendado, envolve o leitor, cativando-o numa estimulante busca pelo inapreensível. Pudera. Do contrário, não seria um falar sobre a linguagem.

Com a incorporação contemporânea do pensamento bakhtiniano no Brasil, as ideias de Bakhtin têm se disseminado em vários campos do saber, privilegiadamente no meio acadêmico, como em alguns cursos de Ciências Sociais e Humanas. Mas não é apenas nas Letras (Literatura e Linguística) ou na Educação (Pedagogia) que a perspectiva desse autor tem sido adotada. Também algumas vertentes da Psicologia como o Cognitivismo e a Psicanálise têm buscado e, por vezes, encontrado preciosos recursos teóricos e metodológicos para refletir (e / ou repensar) sobre a orientação conceitual e prática dadas as suas questões e modos de proceder. E o que encontramos nesse cruzamento entre linguagem, falar e proceder é o sujeito, produto da primeira e tributário do outro, seja ele real ou virtual.

Sob um outro ponto de vista, não menos heterogêneo, podemos ver, também, no que consiste a interação entre os sujeitos através da linguagem sob um prisma psicanalítico, mais especificamente, lacaniano. Não menos árduo, mas igualmente despojado de aridez, encontramos em Lacan algo que, à revelia de nosso controle, fala em nós, conosco e com os outros – o sujeito do inconsciente. Em Lacan, é não apenas a partir de um outro real e semelhante (por vezes, suporte físico de um Outro), mas a partir do que ele chama (grande) Outro que o (sujeito do) inconsciente se manifesta, dando-se a reconhecer e constituindo nosso próprio ser enquanto sujeitos falantes. Mas em que essas noções de outro (e de Outro) em Bakhtin e em Lacan podem ser aproximadas? Podem elas ser aproximadas? Como elas se encontram dispostas em meio à heterogeneidade da linguagem e em que medida participam como meios de subjetivação contemporânea?

De poucos anos para cá, cada vez mais estudiosos pesquisando sobre diferentes temas têm procurado delimitar alguns pontos nodais através dos quais possa ser possível estabelecer um diálogo entre as ideias de Bakhtin e Lacan, mesmo considerando suas devidas peculiaridades. Situados dentro da Psicologia a partir de uma orientação psicanalítica, visualizamos algumas noções presentes nas obras desses dois autores cujas definições parecem apontar, dentro dos devidos limites, não para termos comuns, mas, talvez, bastante próximos.

Algumas delas são: heterogeneidade em Bakhtin e linguagem em Lacan, pensando a primeira como fluidez e instabilidade dos usos da linguagem e a segunda como as diferentes possibilidades que o sujeito tem para se expressar, tanto no nível verbal (enunciação) quanto no não-verbal (sintoma); dialogismo em Bakhtin e discurso em Lacan, entendendo o primeiro como princípio constitutivo da linguagem e como categoria mediadora entre sujeitos, e o segundo como uma prática capaz de produzir vínculos sociais entre sujeitos; intertextualidade / interdiscursividade em Bakhtin e ordem Simbólica em Lacan, compreendendo a primeira como um princípio que, por fazer interagir diferentes discursos, configura cada um deles diferentemente, e a segunda como uma espécie de “parâmetro” (ordem) sócio-cultural que regula e organiza inconscientemente o curso das ações individuais e dos relacionamentos interpessoais entre os diversos sujeitos e instituições sociais; polifonia em Bakhtin e enunciação em Lacan, considerando a primeira como a capacidade que um texto / discurso tem de evocar diferentes vozes sociais (pontos de vista) que discutem entre si e a segunda como uma fala permeada pelo inconsciente, capaz de evocar sua própria alteridade.

Dessa série de noções, parece-nos possível estabelecer como semelhança básica o fato de que, para ambos os autores, o uso da linguagem através das práticas discursivas exerce uma função de interação entre os indivíduos de um contexto comum, de forma que a intersubjetividade atue como condição de formação da subjetividade. Por outro lado, as teorias desses autores guardam particularidades que não podem deixar de ser assinaladas. Enquanto a vertente de Bakhtin coloca em xeque a dimensão ideológica do contexto social no qual os interlocutores interagem, a teoria lacaniana enfoca o caráter de alteridade que uma fala concebida inicialmente como unívoca é capaz de evidenciar, apontando para a presença das formações do inconsciente no discurso do sujeito como discurso outro de si mesmo.

No entanto, mesmo considerando essas disparidades, é difícil delimitar fronteiras precisas perante aqueles quatro pares de conceitos evocados anteriormente. Talvez alguns pontos comuns entre eles possam ser: a heterogeneidade de formas com que os sujeitos são capazes de manusear a linguagem; o dinamismo com que ela é capaz de produzir significações; a plurivalência com que ela afeta os sujeitos e diz deles; a propriedade com que ela modela a realidade e aproxima os sujeitos, produzindo motivos e necessidades acerca dos quais as práticas sociais organizam a existência dos sujeitos e da cultura.

É em torno dessas questões que nos motivamos a pesquisar sobre o assunto e escrever este texto, a fim de, numa interação dialógica com outras vozes, questões e olhares, expandir os horizontes de conhecimento e compreensão acerca das possibilidades e / ou limites para a realização (se possível) de nosso intuito.

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