Compreender a contemporaneidade não é olhar diretamente para o mundo em que vivemos e estabelecer uma verdade definitiva. Compreender o mundo contemporâneo no seu espaço-tempo é olhar para os signos que circulam na atualidade e estabelecer um diálogo com eles. A atitude responsiva é inevitável. Compreender o mundo é também uma atitude responsiva que nos obrigamos e enfrentamos em relação aos discursos circulantes. No livro Problemas da poética de Dostoievski, Bakhtin afirma que o escritor russo Dostoievski “tinha um dom genial de auscultar o diálogo de sua época, ou, em termos mais precisos, auscultar a sua época como um grande diálogo, de captar nela não só vozes, a interação dialógica entre elas” (BAKHTIN, 2008, p. 100). Aqui vemos que Dostoievski era um sujeito que conseguia se relacionar com seu tempo, entendê-lo e acima de tudo, transformar esses diálogos. Não queremos dizer que Dostoievski mudou os discursos do seu tempo, mas em suas obras literárias ele consagrava lugares para cada um desses discursos, reconfigurando-os de acordo com o todo da sua obra. Os discursos do seu tempo circulavam também em sua obra e de forma dialógica, de forma que tais discursos não se sobrepunham uns aos outros. Quando o discurso se transfere do mundo para a obra, não há como ele escapar do olhar do autor, mas sobretudo do olhar das personagens. Dos heróis. Da ética. Da estética.
Todos esses elementos de um romance confrontavam-se com os discursos e interagiam. Ideias eram defendidas. Debatidas à exaustão. Dostoievski, portanto, construiu esteticamente todo um horizonte social dentro do todo da obra. Toda uma ética dentro da estética da obra. Mas essa criação não vinha do nada, como uma espécie de iluminação. O autor captava esse horizonte social da contemporaneidade. Veja,
“No diálogo do seu tempo, Dostoievski auscultava também os ecos das vozes-ideias do passado, tanto do passado mais próximo quanto do mais distante. Como já dissemos, ele procurava auscultar também as vozes-ideias do futuro, tentava adivinhá-las, por assim dizer; pelo lugar a elas destinado no diálogo do presente, da mesma forma que se pode adivinhar no diálogo já desencadeado, a réplica ainda não pronunciada do futuro.” (p. 101).
Encontramos nos diálogos atuais, da nossa contemporaneidade, os discursos hegemonicamente constituídos. Esses discursos, apesar de serem hegemônicos, eles o são apenas relativamente, pois sua essência ética está constantemente se reformulando de acordo com os diálogos que eles estabelecem na circulação dentro de um determinado horizonte social. Foi isso que Dostoievski fez em suas obras, e é isso que queremos TENTAR fazer nesse momento.
Para isso, poderíamos olhar para os discursos políticos e compreender as relações internacionais, como os países dialogam entre si, fatalmente seríamos tentados a responder a esses discursos como se eles fossem tão poderosos a ponto de serem imbatíveis; também a política nacional do Brasil e concluir que nossa política também se manifesta de tal forma que é impossível fugir dessa ordem estabelecida. Certamente esses diálogos políticos surtem efeitos no mundo na nossa contemporaneidade. Mas também poderíamos olhar para as ciências e compreender que elas são tão importantes para a nossa vida que não vivemos sem o contato com elas. Certamente produzem seus sentidos no mundo. A religiosidade, a mesma coisa. As pessoas ainda pensam no mundo através da moral do bem e do mal.
Todos esses diálogos circulam, produzem seus sentidos, são compreendidos, são respondidos. Porém, não são esses diálogos os únicos do mundo. Com certeza também não são imbatíveis, podemos respondê-los impondo novas formas de olhar para o mundo. Todos eles buscam hegemonizar-se. Essas relações de hegemonia são dialéticas. Não dialógicas. Exatamente porque não se apresentam como um debate, mas como uma verdade. Tenta-se estabelecer uma verdade fora das relações. Como se a política sempre tivesse sido assim, como se não fosse mudar. Como se não dialogasse com o seu horizonte social. Também a cientificidade busca uma verdade fora das relações, independente do seu tempo, a ciência descreve regras e leis universais. A religião também. Não depende do grupo social em que está vinculada a religião. Todas as religiões buscam uma verdade que está nos céus (ou em outro lugar). Não podemos tocar.
É preciso entretanto deixar claro que cada um desses discursos e outros criam um efeito de verdade. Essa verdade única é uma ilusão criada nos signos ideológicos. É ideologicamente constituída. Na verdade, esse efeito de verdade é construído pela linguagem, pelo signo, pelo discurso. É a palavra que estabelece essa relação dos sujeitos com o mundo. Também, sendo ideologicamente constituído, através do discurso, o efeito de verdade é construído historicamente, dentro de um momento da história. Todo discurso está inserido em seu espaço-tempo, produzindo seus sentidos dentro desse horizonte social. Esses sentidos muitas vezes se formam além do seu tempo, através da memória. É a memória a responsável por manter ou derrubar uma verdade.
Discurso, ideologia e memória são três formas de uma verdade se constituir em um efeito de verdade. O efeito de verdade se dá direcionando-se para um passado e reconfigurando-o para adequar-se ao presente. E também esse efeito de verdade se dá nas relações do presente olhando para o futuro. A inda e vinda é constitutiva do efeito de verdade. Somente nesse jogo histórico podemos compreender o diálogo do presente, compreendendo como nosso tempo reconfigurou a história do passado e tentando compreender como nossa sociedade está orientando esses discursos para o futuro. O efeito de verdade é dialógico. Pois é construído uma relação do passado com o futuro na produção do presente. Dialética e dialogia são dois processos com que convivemos em nosso dia-a-dia. É preciso auscultar essas relações.
Dessa maneira, não queremos analisar os grandes discursos de que já discutimos até agora como se fossem verdades estabelecidas. Não queremos olhar a ciência, a política e a religião na sua busca de uma pureza. De seu isolamento com o mundo, mas queremos analisar como um determinado gênero do discurso reconfigurou todas essas relações políticas, científicas e religiosas. O gênero do discurso escolhido para tentar compreender a nossa contemporaneidade foi o discurso da autoajuda. Que tão fortemente circula pelos nossos tempos.
O efeito de verdade
Para que um determinado efeito de verdade se formasse em torno do que estamos chamando de gênero do discurso de autoajuda, precisamos compreendê-lo na imanência dessas três esferas discursivas: a política, a ciência e a religiosidade. É porque são elas que condicionam nossas sociedades de hoje, foram historicamente constituídas enquanto verdades. Os séculos precedentes legitimaram-nas. Essas três esferas do efeito de verdade são a todo o momento confrontadas, transformadas, quando elas circulam. Tanto no universo oficial do discurso quanto no universo cotidiano. A autoajuda é um exemplo disso.
O gênero do discurso da autoajuda se conforma através dos tempos por quatro elementos de efeitos de verdade: a crença, a inquestionabilidade, a seriedade universal e a dialética. Veremos adiante esses quatro elementos.
Nossas convicções são submetidas a avaliações nesse diálogo com tal discurso da autoajuda. O primeiro elemento que tal discurso se apropria na sua estética para efetivar uma verdade é a crença. Para crermos que seremos “melhores” depois da leitura de um discurso de autoajuda é preciso FÉ, da mesma forma que temos de acreditar nas leis estabelecidas pela política. Sem essa crença, não teríamos uma vida política. Também a ciência nos faz crermos, não sabemos de que forma, nas leis universais, como por exemplo a lei da gravidade, formou-se na história, somos levados a acreditar que essa lei sempre existiu, e sempre há de existir. Simplesmente temos fé nisso. Esperamos, cremos, caso contrário ficaríamos a todo o momento com medo de voarmos para o universo. Também, os discursos da religiosidade formam-se nessa necessidade da crença. Cremos em Deus ou em outras divindades, sem eles aparecerem em nossa frente, sem os tocarmos. Da mesma forma, o discurso da autoajuda nos faz acreditar em nosso potencial, somos levados a acreditar em sua efetividade. Sem a crença, não autoajuda.
Outro elemento do discurso dos efeitos de verdade da autoajuda e que se efetiva nos discursos políticos, científicos e religiosos é a inquestionabilidade. Não podemos questionar a política. Se assim o fizermos, podemos até ser presos por violar a constituição, por exemplo. Não se questiona a constituição. Se para nossa consciência, a corrupção é algo que deveria prevalecer na sociedade (e se não formos políticos ou alguém importante dentro dos níveis hierárquicos da sociedade) fatalmente estaríamos aptos a sermos presidiários. A constituição federal não permite certos comportamentos (e muitas vezes pensamentos) que não se enquadrem em determinados valores historicamente constituídos. Quando nascemos, já assinamos um acordo com a sociedade: “Não cometerei crimes”. Nem todos cumprem, até porque todos os discursos podem ter uma resposta, mesmo que seja de sua negação, porém em nossa sociedade a política irá castigar essas respostas negativas.
Também politicamente podemos compreender outros discursos que se formam como inquestionáveis, os direitos humanos, por determinados fatores históricos, foram estabelecidos como direitos universais. Direitos à moradia, à educação, ao respeito, à liberdade. Todos esses direitos foram convencionados. São hoje inquestionáveis. Também a ciência é assim. Vários já ouviram ou já disseram “Contra fatos não há argumentos”. Essa é uma das manifestações da ciência no cotidiano, pois quando falamos isso, assumimos uma certa verdade, a de que os fatos em si mesmos não podem ser questionados; a ciência até hoje ocupou esse lugar. O lugar da observação objetiva. Sem influência de quem olha. O fato se dá como verdade e cabe ao cientista descrevê-lo. Nós, bakhtinianos, claro não concordamos com isso, esse fato, na verdade, constrói-se enquanto um acontecimento passível de ser interpretado. É o ponto de vista quem vai formular esse fato, aliás, são vários pontos-de-vista de diversos grupos sociais e de diversos períodos históricos. Há argumentos sim contra os fatos, exatamente porque esses fatos aparecem para nós mesmos enquanto argumentos. Respondemos a essas interpretações com nossa própria interpretação. O cientista interpreta, mas não foi e não é assim que a sociedade construiu o lugar da ciência. A ciência, em seu efeito de verdade, circula na sociedade enquanto inquestionável.
Da mesma forma, a religiosidade tem seu lugar social. As religiões não podem ser questionadas. Se o forem deixam de existir. Os participantes das religiões não questionam a sua crença. Não pode questionar a existência de Deus ou de outras divindades. Ou dos seus valores. Exatamente pelo seu efeito de verdade. A verdade religiosa é uma verdade que se dá como se fosse universal. Não há possibilidade dentro de cada religião de se afirmarem outras verdades. Ela, a verdade religiosa, é dentro de sua lógica, inquestionável.
Da mesma forma a autoajuda, dentro de sua própria lógica inquestionável, se há maneiras que cada esfera criou para efetivar sua lógica própria, como a política que prende, a ciência que exclui e a religião que relega o descrente ao inferno, a autoajuda ameaça seus adeptos ao insucesso. Não se pode questionar o discurso da autoajuda.
O terceiro elemento do efeito de verdade das três esferas aqui questionadas é a seriedade unilateral. Bakhtin, em seu livro Cultura popular da Idade Média: o contexto de François Rabelais, diz que o riso era libertador na época de Rabelais e em tempos precedentes. Na Antiguidade, através das saturnais; na Idade Média, através dos carnavais e no Renascimento, o riso na praça pública era uma forma de se libertar da opressão da oficialidade da Igreja. O riso era ambivalente, pois ao mesmo tempo em que negava a oficialidade, afirmava uma nova concepção de mundo. Essa ideia expressa por Bakhtin nos faz pensar muito no mundo de hoje. Nem o riso é ambivalente hoje, e tampouco a seriedade. O riso moderno é um riso que agride ao outro. Nas festividades carnavalescas antigas, o riso era uma alegre manifestação do baixo material corporal e dessa forma rebaixava as imagens oficiais da Igreja. Não era negativo isso, mas sim positivo. Trazia uma nova forma de pensar o mundo. O riso moderno não. O riso moderno é uma afirmação das ideologias dominantes e um rebaixamento das imagens da ideologia dos dominados. Não é ambivalente, e sim dominador. Da mesma forma, o efeito de verdade das ciências, das políticas e das religiões construiu uma determinada seriedade. O lugar da seriedade é o lugar da verdade universal expressa por essas três esferas.
“O riso na Idade Média estava relegado para fora de todas as esferas oficiais da ideologia e de todas as formas oficiais, rigorosas, da vida e do comércio humano. O riso tinha sido expurgado do culto religioso, do cerimonial feudal e estatal, da etiqueta social e de todos os gêneros da ideologia elevada. O tom sério exclusivo caracteriza a cultura medieval oficial. (...) o tom sério afirmou-se como a única forma que permitia expressar a verdade, o bem, e de maneira geral tudo que era importante, considerável. O medo, a veneração, a docilidade, etc, constituíam por sua vez os tons e matizes dessa seriedade.” (BAKHTIN, 1993, p. 63)
Percebemos essa seriedade unilateral em todas essas esferas. Na política, os sujeitos sempre devem adequar seus comportamentos e pensamentos às regras diplomáticas, da “boa educação” e essas regras de civilidade impedem a expressão de suas paixões. Sabemos que há diferentes manifestações apaixonadas da política, mas essas manifestações geralmente não são bem vistas pelos grupos sociais dominantes da política. Além disso, o riso sempre gera diferentes possibilidades de interpretação, o que pode ocasionar problemas diplomáticos, ambigüidades, contradições. Sair do padrão não pode ser o foco da política. O riso sempre foi deixado em segundo plano nos discursos políticos. A seriedade prevalece.
Na ciência, a objetividade impede a manifestação do riso. A frieza, com que se expressa o objeto de estudos, apaga a liberdade do riso em favor de uma seriedade unilateral. Quase sempre as pesquisas científicas estão submetidas a uma tentativa de apagamento do sujeito. Apagamento das expressões da paixão do ser que se envolve em um determinado acontecimento. Também, a religião relega ao esquecimento o riso, pois este é libertador. Dar liberdade ao sujeito é diminuir a importância aos valores estabelecidos pela Igreja. É preciso para estas três esferas de atividade humana um sujeito sério. Rigoroso. Que busque a iluminação através de suas verdades.
O discurso da autoajuda dá um certo lugar ao riso, mas esse riso é temporário. É frouxo. É fraco, pois a maior parte do tempo nós temos que nos concentrar em conquistar o sucesso. Pensar em nosso sucesso. Sem esse esforço mental (e no discurso da autoajuda é meramente mental) o sujeito não conquista o que deseja. E de um modo geral, os discursos de autoajuda já nos listam o que queremos. Não precisamos pensar no novo, pensemos os já-pensados.
O último elemento do efeito de verdade é a dialética. Todos esses discursos que já citamos têm uma característica de serem dialéticos. Tudo já está pronto para o sujeito operar essas ferramentas. Na política, o sujeito deve entrar na engrenagem política na qual estará se inserindo, fugir destas engrenagens é ir contra a ordem. Na ciência, a mesma coisa. Tudo já está pensado, qualquer opinião não científica é relegada ao ficcionismo. À invenção. Temos apenas que receber o conhecimento científico e depois disso estamos agindo corretamente, de acordo com as normas científicas. A religião, ao invés de operar com o instrumental científico, ela opera com o conhecimento sagrado. Deus já nos deu suas palavras, precisamos apenas entrar nesse universo pronto e acabado e usar de maneira adequada. Na dialética, as teses e as antíteses imbricam-se e formam UMA síntese. Isso quer dizer que na síntese ou se destrói uma das teses e a outra se sobressai, ou as duas se desintegram para formar uma outra. De qualquer forma, com a dialética há uma relação de poder unilateral. Da mesma forma, essas esferas de discursos. Como já vimos será uma tese forte demais contra os sujeitos. Submetendo-os a uma ordem que os apaga. Isso é dialética. Porém, toda a dialética é uma parte integrante da dialogia, já que toda dialética está inserida em um diálogo maior com outras relações dialéticas. Há no encadeamento histórico lugar para todas as sínteses, todas as formas de ver o mundo, todas as relações entre sujeitos, todas as formas de existência.
O discurso da autoajuda é dialético, porque todo o conjunto de regras que devemos seguir para conquistar nossos objetivos com a autoajuda já está pronto. De um modo geral apenas utilizamos essas regras para conseguir o que queremos. Esse relativo acabamento dá o tom de conforto para o sujeito, que não precisa agir. O ato de pensar está vinculado sempre com o pensamento pronto. Fechado. Inquestionável. Pensar diferente é abrir caminho para o insucesso na sua vida. O efeito de verdade se constitui, portanto, nesses quatro elementos (crença, inquestionabilidade, seriedade e dialética), que perpassam por todos esses discursos que vimos. A política, a ciência e a religião.
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O discurso da autoajuda é um discurso extremamente circulante na nossa sociedade contemporânea e surte efeito a todo o momento. O que podemos relativamente concluir é que em todos os momentos da existência humana os sujeitos necessitam do lugar-verdade. Cada grupo social estabelece suas verdades através de diferentes discursos. O gênero da autoajuda, se estudado rigorosamente, poderá fortalecer a compreensão de diversos outros discursos, visto que dentro desse gênero encontramos a convivência de diferentes vozes que se ressignificam no interior do discurso da autoajuda, produzindo novos sentidos. É preciso, entretanto, entender esse discurso não como um discurso oficial consolidado na nossa sociedade. Ao contrário, ele está em um processo contínuo de consolidação, é um daqueles discursos que se apresentam atualmente como um embrião que está no porvir.
Outra conclusão importante é perceber que esse discurso ocupa um espaço caro para nossa sociedade, já que ele por vezes parece deslocar o significado de Deus ou outras divindades para o Universo. Nesse discurso não oramos para Deus para pedimos nossos sucessos e sim oramos para o Universo. É mais fácil que acreditar na divindade, pois esta divindade está sempre nos observando e castigando nossos pecados. O Universo na concepção do Segredo, livro de autoajuda, faz parte da nossa consciência, ele não está somente fora, mas dentro de nós. O que nos coloca como centro de tudo. A individualização também é uma característica do livro O Segredo, a palavra Você está presente em cada parágrafo marcando nossa presença no livro, e mais, aparece mais de uma vez em cada parágrafo.
“Se você pensar na lei da atração, em termos de todos nós sermos Um, verá a absoluta perfeição dessa lei. Você entenderá por que seus pensamentos negativos sobre uma pessoa retornarão para ferir apenas você. Nós somos Um! Você só pode sofrer dano se suscitar o dano pela emissão de pensamentos e sentimentos negativos. Você é dotado de livre-arbítrio para poder escolher.” (p. 162)
Além disso, a individualização gera duas conseqüências, a passividade do indivíduo e a sua culpabilidade. Percebemos a passividade em toda a obra, há para o leitor conquistar seu sucesso uma lista de passos que ele deve aplicar para realizar seu desejo. A forma de conquistar já está pronta, o indivíduo deve apenas aplicar, e não agir, o sujeito é passivo no processo. “Primeiro passo: Peça” (p. 47); “Segundo passo: Acredite” (p. 48); “Terceiro passo: Receba” (p. 52). Para o Segredo o indivíduo que quiser conquistar seu sonho deve pedir, em primeiro lugar. Pedindo ao Universo, ele reorganizará o mundo para que o leitor consiga o desejado, mas para isso, o pedinte não pode dizer para o Universo como conquistar, ele deve simplesmente pedir. O segundo passo é a ampliação da individualização e da passividade, pois a pessoa deve acreditar. Para o Segredo esse é um passo importantíssimo, pois requer fé. Aqui vemos uma influência da religiosidade. O terceiro passo é o último, você deve receber, sem resistência. De acordo com o Segredo, a resistência impedirá a Harmonia da sua realização.
No trecho citado anteriormente, vimos o outro elemento da individualização, a culpabilidade. Para a autora do Segredo, os problemas do mundo acontecem porque as pessoas emitem para o Universo muita energia negativa. Inclusive a Mídia, ao mostrar os desastres que acontecem, ou as corrupções , emite muita energia negativa, gerando mais desastres e mais corrupções no mundo. Também há um trecho em que a autora do Segredo se mostra contra os manifestantes. Pois ao se concentrarem no que é negativo do que é protestado por eles o mundo recebe essa energia negativa.
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Nesse estudo percebemos que há um grande discurso que está no porvir, chamaremos, por falta de outras palavras, de Humanismo Idealista, pois é a construção de um determinado sujeito, individualista, passivo, responsável por uma realidade que sequer ele ajudou a construir. O segredo. Colocamos esse livro como uma complexificação dos livros de autoajuda anteriores a ele, já que eles incluíram em seu discurso elementos científicos, religiosos e políticos que geralmente não apareciam simultaneamente nos discursos de autoajuda anteriores. Ou no livro de autoajuda surgia um discurso mais politizado, ou mais científico, ou mais religioso. Entender esse discurso é importante por essa razão, estamos prestes a sentir irromper uma nova forma de ver o mundo, e se não a compreendermos, não podemos refletir sobre o que estamos criando, sobre o que queremos de fato e sobre como deveríamos nos contrapor. O novo discurso da autoajuda se constitui na sua dialética, porque constrói um determinado efeito de verdade. Porém, ele também se constitui na dialogia com nossa época, porque nós podemos responder ao seu discurso, aceitando ou negando. Afirmando a passividade do sujeito ou negando essa passividade. A ideia de sujeito para os próximos anos está em debate, e a síntese desse sujeito em construção não se resume a uma lógica única, natural e neutra, e sim a diversas sínteses. A diversas dialéticas que formam o todo da contemporaneidade. O sujeito que estamos construindo está em debate.
Referências bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail. Cultura popular da idade média. São Paulo: HUCITEC, 1993.
________. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
BYRNE, Rhonda. O Segredo. Rio de Janeiro. Ediouro, 2007.
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