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Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

Conversa bakhtiniana: a escrita online e suas relações com a aprendizagem

Ana Paula Pontes de Castro

Já se torna redundante dizer que a cultura atual está envolvida pela virtualidade. O movimento constante da sociedade contemporânea evidencia o surgimento de novos gêneros discursivos que vão se desenvolvendo a partir das demandas sociais. Novos gêneros como e-mails e blogs vão ganhando cada vez mais espaço a partir das combinações dos antigos já bem conhecidos gêneros “carta” e “diários” com as novas práticas de escrita virtual.

A internet chegou ao Brasil no ano de 1995 (Freitas & Costa, 2005). Os primeiros contatos com essa cultura virtual das crianças e jovens contemporâneos vêm se intensificando e podemos denominá-los nativos digitais. Alguns jovens que adentram os cursos de graduação atualmente já podem ser identificados como nativos digitais, pois vivem imersos na cultura digital desde a infância, convivendo, aprendendo e ampliando as práticas de leitura e escrita em ambientes online. Paiva e Freitas (2006) apontaram a realidade do curso de graduação em Pedagogia da Universidade Federal de Juiz de Fora. As alunas do curso mostraram fazer uso das tecnologias de informação e comunicação, mais especificamente o computador/internet, em suas práticas pessoais e para a realização de trabalhos acadêmicos. Essa realidade, entretanto, ainda não permeava as práticas pedagógicas dos professores desta faculdade, o que vem se modificando nos últimos anos, como pudemos perceber a partir de uma pesquisa ainda não finalizada com um grupo de professores da Faculdade de Educação desta instituição[1]. A demanda pela formação de professores aumenta e novos projetos são criados para atender a ela. Os professores passam a atuar na Universidade Aberta do Brasil (UAB) ministrando cursos à distância. Apesar de não termos chegado ainda às conclusões (o processo de análise está em andamento), a aproximação destes professores com a educação a distância fez com que descobrissem a importância do uso das tecnologias também na educação presencial. Novas práticas pedagógicas permeiam a Faculdade de Educação e parece que a cibercultura está ganhando espaço nos cursos de formação de professores. Pelo que pudemos perceber, o uso da plataforma de aprendizagem Moodle, está crescendo. Os professores se apropriam desta prática já comum na EAD, percebendo e utilizando o software com o objetivo de ampliar as possibilidades de aprendizagem de seus alunos. A educação superior não se faz apenas entre as quatro paredes da sala de aula presencial, mas se abre para novos espaços onde pode vigorar a aprendizagem.

Mas será que estes espaços estão sendo utilizados de maneira realmente a ampliar as possibilidades de aprendizagem dos alunos?

Este é um questionamento que atravessa a pesquisa que desenvolvo. Mestranda em educação, me interesso em observar as relações entre aluno/aluno e aluno/professor que se desenvolvem no Moodle, um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) no qual essas relações acontecem através da escrita. Uma escrita própria desse novo gênero discursivo. A linguagem utilizada nestes ambientes se caracteriza pela combinação da escrita com imagens, emoticons e até mesmo sons. Assim, pode-se dizer que o ambiente é multimodal. Essa mistura de novos modos de escrita em um novo ambiente não poderia ser senão um novo gênero discursivo, já que como explicitou nosso mestre Bakhtin (2006), os gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados” que se elaboram de acordo com a esfera enunciativa do discurso. Ora, é claro que uma nova cultura demanda o surgimento desses novos gêneros. E mesmo que estejamos falando aqui de um ambiente em que ocorrem relações acadêmicas, não se pode dizer que uma sala de aula virtual abarca o mesmo gênero “aula presencial”. Não! As composições são outras, os estilos são outros, mesmo que os conteúdos venham a ser os mesmos.

As relações nestes ambientes mesclam a formalidade da língua escrita e a informalidade da linguagem oral. Os interagentes podem utilizar a linguagem escrita tanto de modo mais simples, como por exemplo em um Fórum de boas-vindas, utilizado para saudar os alunos; como de modo mais complexo, como por exemplo, em fóruns que trabalham textos, conceitos, teorias, temas específicos, entre outros. Portanto pode-se perceber níveis mais simples e mais complexos de escrita, caracterizando o hibridismo do ambiente.

Este novo gênero tem sido cada vez mais estudado. Percebi, em um trabalho de revisão de literatura, que se ampliam as pesquisas acerca dos AVA. Estas pesquisas, entretanto, voltam-se, em sua maioria, para a compreensão das interações, do funcionamento das ferramentas, da avaliação no meio virtual, entre outros assuntos, focalizando principalmente a EAD. Poucas são as pesquisas que se preocuparam em compreender a escrita que compõe estes ambientes. E também são poucas as pesquisas que estudam o ambiente virtual utilizado no interior de cursos presenciais.

Se utilizado a fim de ampliar o espaço da sala de aula presencial; se proporciona interação entre alunos e professores; se as interações acontecem via escrita; se esta escrita caracteriza um novo gênero discursivo; como, então, a escrita desenvolvida em um ambiente virtual de aprendizagem (AVA), em disciplinas presenciais do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Juiz de Fora, se relaciona com a aprendizagem dos alunos? Esta é minha questão de pesquisa. E para iniciar uma reflexão acerca deste problema, convido Bakhtin para dialogar comigo. Diálogo que se fará importante para despertar um olhar atencioso ao objeto de pesquisa.

Conversa com Bakhtin: um olhar sobre a escrita online

O Círculo de Bakhtin se propõe a estudar a língua em seu movimento, na concretude do ato de enunciar, no tecer do diálogo com o outro ou consigo mesmo. Isso porque o estudo da linguagem parte da esfera social. A linguagem, portanto, é compreendida como uma ação do ser e a essência da língua é a interação verbal. Nos estudos bakhtinianos fica claro que a linguagem é o elemento central da mediação na interação verbal, pois é através dela que o sujeito dialoga com o outro.

Para atuarmos no Moodle necessitamos da linguagem: necessitamos ler, escrever, interagir. Ao trabalhar com o Moodle para ampliar o espaço da sala de aula presencial de uma disciplina do curso de Pedagogia, o professor oportuniza as práticas de leitura e escrita de seus alunos num ambiente digital. Ele possui recursos como fóruns, chats, wikis, entre outros, que se bem aproveitados poderão se tornar meios nos quais a escrita seja a fonte de uma interação dialógica entre alunos. Ao propor um fórum de discussões sobre determinada questão a ser trabalhada em sua disciplina, por exemplo, o professor objetiva que os alunos interajam naquele ambiente a fim de que possam, através do discurso escrito, construir um conhecimento coletivo. As interações poderão ser provocações a partir de uma questão a ser discutida. Para isso o professor deve provocar em seus alunos uma “necessidade” de resposta àquela questão. Os alunos, por sua vez, ao responder à questão devem buscar provocar em seus colegas a mesma “necessidade” de responder novamente. Segundo Bakhtin/Volochínov (1999) os enunciados se constituem em elos da cadeia de comunicação verbal. Neste caso os enunciados proferidos pelo professor e pelos alunos formariam a cadeia discursiva no fórum. Cada enunciado, gerando uma nova resposta e caracterizando o inacabamento. Isso porque o enunciado, para Bakhtin contém em si o germe de uma resposta (BAKHTIN, 2006). Esta pode ser uma contradição ou uma concordância. São, entretanto, respostas ao enunciado que as antecedeu. Bakhtin, ao tratar das perguntas e respostas, afirma:

Pergunta e resposta não são relações (categorias) lógicas; não podem caber em uma só consciência (una e fechada em si mesma); toda resposta gera uma nova pergunta. Perguntas e respostas supõem uma distância recíproca. Se a resposta não gera uma nova pergunta, separa-se do diálogo e entra no conhecimento sistêmico, no fundo impessoal. (BAKHTIN, 2006, p. 408)

Questiono-me, portanto: as relações escritas que ocorrem no ambiente Moodle utilizado em disciplinas presenciais do curso de Pedagogia são dialógicas? Como se dão as interações verbais no ambiente Moodle? Elas acontecem de fato, numa cadeia de movimentação da língua?

A interação verbal surge da necessidade de os sujeitos se expressarem, fazendo movimentar a língua. A expressão “é tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1999, p. 111). Assim a expressão movimenta-se entre o conteúdo, que é interior, e a exteriorização deste. Compreendemos que o sujeito se forma pelas relações sociais, num movimento do externo para o interno. Compreendemos também que expressar-se significa exteriorizar tudo aquilo que formamos internamente a partir do que era externo. Os sujeitos necessitam, portanto se expressar, dar movimento à língua, externalizar o que se formou internamente a fim de movimentar o fluxo dialógico da comunicação social.

No Moodle o fluxo da comunicação só poderá acontecer via escrita. Sabemos que o escrever organiza-se a partir do que o outro diz, do que o outro questiona. O sujeito se vê obrigado (ou instigado) a falar, a refletir a palavra do outro e expor sua palavra. Será, então, que estão presentes no Moodle enunciados que encadeiam um diálogo perpassando a atitude responsiva a partir de provocações, ou neste ambiente apenas se concretizam discursos soltos que não se interrelacionam na cadeia discursiva? O Moodle é um espaço onde vigoram as relações dialógicas através do discurso escrito? A partir destes questionamentos vejo a necessidade de perceber se e como se dão as trocas enunciativas no Moodle.

Entendo que a escrita no Moodle, por ter a possibilidade de provocar diálogos, pode ampliar as formas de comunicação e potencializar a aprendizagem do sujeito. Ao escrever o sujeito precisa organizar as idéias que quer comunicar, registrando-as no papel ou na tela do computador, dirigindo-se ao outro (leitor) que está distante para desencadear um diálogo. Dizendo isto nas palavras de Larrosa (2006, p. 25), “Toda escritura pessoal, enquanto escritura, contém vestígios das palavras e histórias recebidas”. Bakhtin (2006) afirma que “Cada palavra (cada signo) do texto leva para além de seus limites. Toda interpretação é o correlacionamento de dado texto com outros textos” (BAKHTIN, 2006, p. 400). A escrita, portanto é um diálogo de textos do “outro” com os textos do “eu” tecidos na forma de um outro texto que fica ali registrado, pronto para se submeter a um novo diálogo. Nas palavras de Larrosa,

O escritor não inventa, nem desmascara, nem descobre. O que o escritor faz é reencontrar, repetir e renovar o que todos e cada um já sentimos e vivemos, o que nos pertence de mais peculiar, mas a que os imperativos da vida e das rotinas da linguagem nos impediram de prestar atenção: o que ficou na penumbra, semi-consciente, não formulado, privado de consciência e de linguagem, ou ocultado pela própria instituição da consciência e da linguagem (LARROSA, 2006, p. 47)

Assim, compreendo que a escrita é uma possibilidade de organização mental, porque ela reorganiza aquilo que estava ocultado por algum motivo, renova, reconscientiza. A escrita é um processo de exteriorização de idéias e é através da comunicação (a exteriorização, ou, em outras palavras, a expressão) que o sujeito consegue organizar sua atividade mental.
Mas em que, afinal, as relações escritas no ambiente Moodle poderão ampliar as possibilidades de construção do conhecimento do aluno? Vejo a escrita como potencializadora da aprendizagem, ou seja, possibilita uma compreensão ativa do sujeito. A aprendizagem do sujeito é sígnica e social. Sígnica porque se dá através da linguagem, seja ela escrita ou oral. Social porque só pode acontecer a partir do diálogo com o outro. Ao dialogar com o outro, o sujeito pode internalizar as palavras alheias.

Essas 'palavras alheias' são reelaboradas dialogicamente em 'minhas-alheias-palavras' com o auxílio de outras 'palavras alheias' (não ouvida anteriormente) e em seguida [nas] minhas palavras (por assim dizer com a perda das aspas), já de índole criadora (BAKHTIN, 2006, p. 402).

Se a palavra reelaborada possui, então, índole criadora, necessário se faz exteriorizá-la. No Moodle o sujeito pode organizar seus pensamentos (estas palavras que estão em reelaboração) através da escrita. Segundo Bakhtin (2006), o processo de compreensão dos indivíduos perpassa uma atitude responsiva. O sujeito não é passivo, apenas receptor de informações. Ao contrário, ele se vê induzido a uma atitude responsiva, o que o leva a compreender ativamente essas informações, reelaborá-las e exterioriza-las.

Penso no processo de escrita, que pode ser desenvolvido no Moodle. É uma escrita que se tece de forma compartilhada num ambiente que pode ser provocador de reflexões. Ela se organiza como um encadeamento de palavras nossas-alheias. Ao escrever os alunos dialogam com os autores que leram, com os enunciados dos colegas presentes no fórum, com os futuros leitores (os colegas e o professor) e também consigo mesmos. Portanto me questiono: como as palavras do outro vão se tornando “palavras minhas” e como este encadeamento de idéias auxilia na construção do conhecimento? Os enunciados no ambiente Moodle são provocativos? Remetem à reflexão? Fazem o sujeito pensar e produzir? Ao partir das palavras do outro o sujeito constrói novos enunciados que mesclam suas palavras às palavras alheias?

Alunos e professores que se unem para construir uma disciplina são um grupo que se organiza socialmente e o Moodle é um espaço no qual estes indivíduos socialmente organizados têm a oportunidade de interagir através da escrita. O processo de compreensão dos homens se manifesta a partir do material semiótico (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1999). Assim o Moodle pode ampliar as possibilidades de compreensão dos sujeitos que nele estão envolvidos.

Nesta linha de pensamento, podemos compreender a importância do coletivo na formação da atividade mental dos sujeitos. De acordo com Bakhtin/Volochínov (1999) a atividade mental possui dois pólos de consciência: um mais consciente, a atividade mental do nós, ideológica, que é sempre de acordo com o sentimento de pertença no grupo social, o contexto do sujeito; outro com menor grau de consciência, a atividade mental do eu, com pouca marca ideológica, sendo mais primitiva por não ser totalmente social. A atividade mental do eu não é capaz de determinar raízes e consequências das situações vividas. Está num patamar de pouca consciência e só consegue perceber situações mais imediatas. Já as situações que são vividas em conjunto proporcionam uma atividade mental do nós, coletiva, capaz de desenvolver a consciência em um grau maior, pensando as raízes e consequências das situações vividas coletivamente. Segundo Bakhtin/Volochínov (1999), o centro organizador de toda enunciação não está no nível individual, mas sim no nível social, visto que a enunciação é um produto da interação social. Ao se unirem em um grupo social os sujeitos são capazes de expressar-se, tecer diálogos a fim de não permanecerem na atividade mental do eu. Este exercício dialógico é necessário para constituir formas outras de pensar.

O Moodle pode ser utilizado tanto para a realização de atividades individuais, como para atividades que favoreçam uma atividade mental do nós. É claro que, se for usado como espaço para execução de atividades que não objetivem promover a interação entre os alunos, o Moodle torna-se um ambiente tarefeiro. Pode se tornar, assim, um espaço que agrava as relações autoritárias tão comuns em nossas salas de aula. Por outro lado, o Moodle possui recursos interativos que oportunizam as relações coletivas através do diálogo escrito que pode levar ao desenvolvimento da atividade mental do nós. Pretendo observar o processo de construção coletiva do conhecimento neste ambiente. Ele ocorre? De que maneira? Professor e alunos utilizam o ambiente na tentativa de promover diálogos, de se unirem a favor de uma construção coletiva do conhecimento? As questões trabalhadas neste ambiente favorecem uma atividade mental do nós, ou seja, coletiva e não isolada?

Acredito que unir as potencialidades da escrita e do ambiente Moodle em um processo dialógico/reflexivo poderá ampliar as possibilidades de aprendizagem dos alunos para além da sala de aula presencial.

Referências bibliográficas
BAKHTIN, M./VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. 9 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Trad. Paulo Bezerra.
FREITAS, Maria Teresa de Assunção; COSTA, Sérgio Roberto (orgs.). Leitura e escrita na formação de professores. Juiz de Fora: UFJF, 2002. 260 p.
LARROSA, J. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. 4 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 208 p.
FREITAS, Maria Teresa de Assunção; FERNANDES, Olívia Paiva . A presença ausente do computador/Internet na formação do pedagogo. Educação em Foco (Juiz de Fora), Juiz de Fora, v. 10, p. 195-218, 2006.
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[1] - Projeto financiado pelo CNPq (Bolsa de Produtividade e Pesquisa e Edital Universal) e pela FAPEMIG (Programa de Apoio ao Pesquisador Mineiro), intitulado “Computador/internet como instrumentos culturais de aprendizagem na formação de professores em diferentes contextos educacionais de uma universidade federal”, desenvolvido nos anos de 2008 a 2010.

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