Amanda Bastos Amorim de Amorim
Uma das primeiras preocupações que surgem no princípio de um estudo é sobre a concepção de sujeito que será utilizada. Apresentam-se, inicialmente, duas opções extremas e mutuamente excludentes: o sujeito assujeitado e o sujeito fonte do sentido, destacado de qualquer lugar social, histórico ou ideológico. No estudo das afasias, entretanto, nenhum desses extremos serve adequadamente à pesquisa, pois vemos, nos sujeitos afásicos, tanto uma dimensão histórica e ideológica quanto uma dimensão individual, única em cada afásico:
Devemos admitir que os sujeitos afásicos estejam de fato mais condicionados aos fatores extra-lingüísticos, contextuais e que sejam, por isso mesmo, mais dependentes dos enunciados dos seus interlocutores do que os sujeitos não-afásicos para expressar seu querer-dizer”. (Novaes-Pinto, 1999: 167)
A concepção bakhtiniana de sujeito é adequada ao estudo das afasias numa abordagem enunciativo-discursiva porque apresenta um outro caminho, que concilia a observação de um dado contexto e as variações individuais, que advêm do estilo, único para cada indivíduo. Um enunciado que sintetiza essa concepção é a seguinte: “A escolha de todos os recursos lingüísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência do destinatário e da sua resposta antecipada” (Bakhtin, 2003: 306). O uso do termo “escolha” e o dialogismo constituindo a enunciação – já que a resposta antecipada do outro faz parte do enunciado do falante – indicam esse duplo caráter do sujeito para Bakhtin. Sobral (2008: 22) sintetiza essa concepção de sujeito:
A ênfase no aspecto ativo do sujeito e no caráter relacional de sua construção como sujeito, bem como na construção “negociada” do sentido, leva Bakhtin a recusar tanto um sujeito infenso à sua inserção social, sobreposto ao social, como um sujeito submetido ao ambiente sócio-histórico, tanto um sujeito fonte do sentido quanto um sujeito assujeitado. A proposta é a de conceber um sujeito que, sendo um eu para-si, condição de formação da identidade subjetiva, é também um eu para-o-outro, condição de inserção dessa identidade no plano relacional responsável/responsivo, que lhe dá sentido.
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Uma evidência forte que vemos em nosso estudo sobre afasias é a pouca eficiência dos testes-padrão para o diagnóstico das afasias. Como as tarefas são descontextualizadas, é comum que os sujeitos tenham resultados piores do que quando estão em situações dialógicas. Coudry (1988) mostra como a tarefa contextualizada apresenta resultados mais significativos com dados como o do sujeito N, que falha no teste de nomeação, mas acerta quando a nomeação se dá dentro de um certo contexto:
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INV. – O senhor está sentado onde?
N. – Cadera. (E acrescentou:) Se você tivesse perguntado o nome, eu não sabia. Mas assim lembro. Se pergunta “o que é isso”, não sai.
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Bakhtin (2003) aponta os problemas do isolamento das orações, que podemos estender para a descontextualização das tarefas dos testes-padrão:
Quando se analisa uma oração isolada, destacada do contexto, os vestígios do direcionamento e da influência da resposta antecipável, as ressonâncias dialógicas sobre os enunciados antecedentes dos outros, os vestígios enfraquecidos da alternância dos sujeitos do discurso, que sulcaram de dentro o enunciado, perdem-se, obliteram-se, porque tudo isso é estranho à natureza da oração como unidade da língua. Todos esses fenômenos estão ligados ao todo do enunciado, e onde esse todo desaparece do campo de visão do analisador deixam de existir para ele.
Uma vez que a concepção bakhtiniana de sujeito está tão fortemente ligada à noção de dialogismo, ela nega os extremos excludentes e favorece a análise de dados contextualizados. Dessa forma, embora não encontremos em Bakhtin propriamente uma metodologia a seguir, estão em sua obra as diretrizes conceituais básicas de nossas pesquisas.
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Referências Bibliográficas
Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Coudry, M.I.H. Diário de Narciso – discurso e afasia. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
Novaes-Pinto, R. A contribuição do estudo discursivo para uma análise crítica das categorias clínicas. Tese (Doutorado em Lingüística). Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, Campinas, 1999.
_________. Avaliação de compreensão de linguagem: análise de resultados obtidos em baterias de testes neuropsicológicos versus análise discursiva de episódios dialógicos. Veredas (UFJF), v. 1/2007, 2007.
Sobral, A. “Ato/atividade e evento”. In: Brait, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Editora Contexto, 2008.
Uma das primeiras preocupações que surgem no princípio de um estudo é sobre a concepção de sujeito que será utilizada. Apresentam-se, inicialmente, duas opções extremas e mutuamente excludentes: o sujeito assujeitado e o sujeito fonte do sentido, destacado de qualquer lugar social, histórico ou ideológico. No estudo das afasias, entretanto, nenhum desses extremos serve adequadamente à pesquisa, pois vemos, nos sujeitos afásicos, tanto uma dimensão histórica e ideológica quanto uma dimensão individual, única em cada afásico:
Devemos admitir que os sujeitos afásicos estejam de fato mais condicionados aos fatores extra-lingüísticos, contextuais e que sejam, por isso mesmo, mais dependentes dos enunciados dos seus interlocutores do que os sujeitos não-afásicos para expressar seu querer-dizer”. (Novaes-Pinto, 1999: 167)
A concepção bakhtiniana de sujeito é adequada ao estudo das afasias numa abordagem enunciativo-discursiva porque apresenta um outro caminho, que concilia a observação de um dado contexto e as variações individuais, que advêm do estilo, único para cada indivíduo. Um enunciado que sintetiza essa concepção é a seguinte: “A escolha de todos os recursos lingüísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência do destinatário e da sua resposta antecipada” (Bakhtin, 2003: 306). O uso do termo “escolha” e o dialogismo constituindo a enunciação – já que a resposta antecipada do outro faz parte do enunciado do falante – indicam esse duplo caráter do sujeito para Bakhtin. Sobral (2008: 22) sintetiza essa concepção de sujeito:
A ênfase no aspecto ativo do sujeito e no caráter relacional de sua construção como sujeito, bem como na construção “negociada” do sentido, leva Bakhtin a recusar tanto um sujeito infenso à sua inserção social, sobreposto ao social, como um sujeito submetido ao ambiente sócio-histórico, tanto um sujeito fonte do sentido quanto um sujeito assujeitado. A proposta é a de conceber um sujeito que, sendo um eu para-si, condição de formação da identidade subjetiva, é também um eu para-o-outro, condição de inserção dessa identidade no plano relacional responsável/responsivo, que lhe dá sentido.
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Uma evidência forte que vemos em nosso estudo sobre afasias é a pouca eficiência dos testes-padrão para o diagnóstico das afasias. Como as tarefas são descontextualizadas, é comum que os sujeitos tenham resultados piores do que quando estão em situações dialógicas. Coudry (1988) mostra como a tarefa contextualizada apresenta resultados mais significativos com dados como o do sujeito N, que falha no teste de nomeação, mas acerta quando a nomeação se dá dentro de um certo contexto:
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INV. – O senhor está sentado onde?
N. – Cadera. (E acrescentou:) Se você tivesse perguntado o nome, eu não sabia. Mas assim lembro. Se pergunta “o que é isso”, não sai.
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Bakhtin (2003) aponta os problemas do isolamento das orações, que podemos estender para a descontextualização das tarefas dos testes-padrão:
Quando se analisa uma oração isolada, destacada do contexto, os vestígios do direcionamento e da influência da resposta antecipável, as ressonâncias dialógicas sobre os enunciados antecedentes dos outros, os vestígios enfraquecidos da alternância dos sujeitos do discurso, que sulcaram de dentro o enunciado, perdem-se, obliteram-se, porque tudo isso é estranho à natureza da oração como unidade da língua. Todos esses fenômenos estão ligados ao todo do enunciado, e onde esse todo desaparece do campo de visão do analisador deixam de existir para ele.
Uma vez que a concepção bakhtiniana de sujeito está tão fortemente ligada à noção de dialogismo, ela nega os extremos excludentes e favorece a análise de dados contextualizados. Dessa forma, embora não encontremos em Bakhtin propriamente uma metodologia a seguir, estão em sua obra as diretrizes conceituais básicas de nossas pesquisas.
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Referências Bibliográficas
Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Coudry, M.I.H. Diário de Narciso – discurso e afasia. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
Novaes-Pinto, R. A contribuição do estudo discursivo para uma análise crítica das categorias clínicas. Tese (Doutorado em Lingüística). Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, Campinas, 1999.
_________. Avaliação de compreensão de linguagem: análise de resultados obtidos em baterias de testes neuropsicológicos versus análise discursiva de episódios dialógicos. Veredas (UFJF), v. 1/2007, 2007.
Sobral, A. “Ato/atividade e evento”. In: Brait, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Editora Contexto, 2008.
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