Os textos foram publicados por ordem de chegada.
Para ler os textos sobre temas específicos, clique no tema, no menu ao lado.
Para ler os textos de autores específicos, clique no nome do autor, no menu ao lado, mais abaixo.
Observamos ainda que a publicização dos textos nesse blog atendem especificamente ao objetivo de propiciar a leitura prévia dos participantes do Círculo 2009. Os textos serão devidamente reorganizados e formatados com todas as notas e publicados em Caderno Especial para o evento.

Apontamentos sobre a contribuição de Bakhtin para os estudos sobre a identidade do sujeito

Marina Célia Mendonça

Introdução


Meu objetivo, neste texto, é refletir sobre a produção da identidade do professor em uma polêmica sobre o uso de um material didático de história, Nova História Crítica, do historiador Mário F. Schmidt, que teve lugar na mídia brasileira no segundo semestre de 2007; parto de considerações já feitas em Mussalim e Mendonça (2008), em que discutimos a concepção de sentido presente na mídia, refratada na polêmica em pauta.


Em pesquisa anterior sobre o silenciamento de sentidos em materiais didáticos, analisei a identidade do professor produzida em exercícios escolares de leitura (MENDONÇA, 1995). Nos livros analisados, encontrei mecanismos que definem ao sujeito-professor um lugar a ocupar nas atividades de leitura – o lugar de um sujeito suposto-não-iniciante nessas práticas. Enquanto o aluno é iniciante, aprendiz de modos de chegar aos sentidos dos textos, e o autor do livro didático é aquele que domina os sentidos e as práticas interpretativas, ao professor se delega a função (nos exercícios então analisados) de reproduzir as leituras dos autores desses manuais didáticos. Isso se dá pela produção da identidade da incompetência e do despreparo desse sujeito em cadernos de respostas de livros didáticos, com o discurso de quais atividades o professor deve aplicar e do procedimento a adotar quando do exercício de interpretação de textos, com a sugestão detalhada de atividades (detalhamento que supõe o despreparo do interlocutor-professor), com os comentários acerca do valor (literário, histórico etc) dos textos em estudo – comentários que também supõem um interlocutor iniciante.


A partir da década de 1980, houve muitos estudos sobre a leitura em contexto escolar e novas práticas se produziram à luz desses estudos, mas, como um discurso que renasce nas entrelinhas, nas brechas, nos vãos dos discursos outros, que não são mais os outros, mas os quase-si, o sujeito-professor aparece sem voz em discursos que tratam da produção de sentido em sala de aula na mídia de referência.


Mas, em compreensão responsiva dos discursos que falam dele (ou dele se “esquecem”), o professor lança uma contrapalavra, permitindo que haja um movimento na composição de sua identidade. Identidade, aqui, não é um construto dado de antemão, pré-definido pela história, pelas ideologias “dominantes”, mas uma construção nas atividades interativas, com participação efetiva dos sujeitos, em resposta às práticas que lhes são postas.


Esta concepção de identidade baseia-se em trabalhos desenvolvidos pelo Círculo de Bakhtin. A noção de alteridade, como fundante da subjetividade e da linguagem, move os escritos do Círculo e é nela que minha reflexão se baseia. Essa noção nasce entrelaçada ao conceito de diálogo, como pensado pelo Círculo: o diálogo entre as palavras e entre os sujeitos. No primeiro caso, tem-se que, na grande temporalidade, as palavras constituem-se em relação com outras, em diálogo com as memórias (do passado e do futuro): “Não há palavra que seja a primeira ou a última, e não há limites para o contexto dialógico (este se perde num passado ilimitado e num futuro ilimitado)”. (BAKHTIN, 2000, p. 413) Acerca da subjetividade, o Círculo concebe que o outro é necessário na construção do “eu”, ou seja, as palavras dos outros são constitutivas das do “eu”, em um processo de constituição não necessariamente detectável no “fio do discurso” e não necessariamente previsto no contexto imediato da interação verbal.


As palavras são respostas aos enunciados que as precedem. A resposta, nos escritos do Círculo, gera o movimento que permite o renascimento do sentido. Enunciar, nessa perspectiva dialógica, é responder à enunciação do outro com contrapalavras que a significam a partir de um horizonte apreciativo específico, de ideologias que constituem a consciência do eu. A identidade, pensada nessa perspectiva, é fruto de uma construção conjunta do sujeito e das vozes sociais que o constituem. É fruto de um trabalho ininterrupto da relação do eu com o outro, de sua palavra com a palavra do outro. É um processo constitutivamente social/histórico/ideológico e, ao mesmo tempo, marcado pelo acontecimento, pela renovação ininterrupta da enunciação.


Com base em Bakhtin, meu objetivo aqui é olhar para o movimento da identidade do professor, indiciado em suas contrapalavras ao discurso que o representa. Assim, desejo ampliar a reflexão sobre o processo de representação e de construção de identidade visto sob a orientação filosófica do Círculo.


As contrapalavras como espaço de construção da identidade do professor


A polêmica citada, sobre material didático de história, teve espaço nos grandes jornais e revistas de circulação nacional. Dá-se enfoque, nela, à qualidade ou não dos materiais didáticos em discussão, e aos valores ideológicos presentes nesses materiais. Nesse caso, a crítica incide sobre as ideologias de esquerda, o que revela a posição ideológica daquele que critica; dessa forma, a polêmica reflete e refrata um conflito político-ideológico presente na sociedade brasileira – considero aqui o discurso (tomado como um signo, no sentido bakhtiniano) um espaço de materialização das ideologias que constituem a realidade social, mas uma materialização que não prescinde de refração, já que filtrada pela visão do sujeito que enuncia.


Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p. 22)


É nessa dinâmica de refração da realidade sócio-histórica, a partir dos valores que constituem os sujeitos que enunciam – vale dizer, valores ideológicos -, que considero a representação. Dessa maneira, a representação que se faz nessa polêmica do contexto escolar, do livro didático e do professor materializa, refratando, os conflitos ideológicos que movimentam os discursos e a realidade.


Pouca referência se faz, na polêmica, ao papel do professor em sua atuação em sala de aula. Destaco alguns poucos fragmentos em que se faz referência a esse sujeito, em mídia de grande circulação que tematizou a questão – neste caso, cito trecho de reportagem de Época, cujos argumentos vão ao encontro do posicionamento defendido nos grandes jornais citados anteriormente.


De certa forma, a esquerdização dos professores no Brasil foi um reflexo do período de ditadura militar no país, nos anos 70. “Os professores empreenderam uma grande luta de retorno à democracia”, diz Célio Cunha, assessor de educação da Unesco no Brasil. “Estamos em uma fase de transição. Naturalmente estes livros refletem a realidade recente do país”, diz. Para ele é importante manter o direito de livre escolha do professor. “É a continuidade desse processo que nos colocará, daqui a alguns anos, em um ponto de equilíbrio.” Mas a transição talvez esteja demorando demais em um país que abandonou a ditadura há 20 anos. E ela não justifica o maniqueísmo assumido pelos livros.

A qualidade dos livros didáticos e a preocupação com os pontos de vista que eles veiculam não são uma questão importante somente no Brasil. (...) Nos Estados Unidos, existem pelo menos três organizações que se dedicam a estudar e, eventualmente, denunciar os conteúdos ensinados nas escolas e nas faculdades americanas. Elas dizem querer garantir a liberdade de pensamento e evitar a doutrinação, por parte dos professores, de qualquer crença, ideologia política ou convicção. (...)

Mas talvez o maior exemplo de vigilância em relação aos livros didáticos seja dos alemães. “O governo é muito rigoroso com os livros com os quais as crianças vão estudar e com os professores que darão aulas”, diz Henning Suhr, assessor político da Fundação Konrad Adenauer. “Se algum professor disser que o nazismo não foi tão ruim, é imediatamente exonerado.” Demonstrações de nacionalismo, como o ato de cantar o hino nacional nas escolas, são vetadas. (...)

“O didático representa para a criança a fonte do conhecimento valorizado pela sociedade”, afirma Ângela Soligo, coordenadora de pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Por isso, ela tende a acreditar piamente em tudo o que está ali. Aquele conteúdo é visto como absolutamente verdadeiro.” Alguns bons professores levam para a sala recortes de revistas e jornais, filmes ou outros livros de referência. “Mas algumas vezes o professor usa o livro como bengala”, diz Bárbara.

Embora a supremacia do livro seja incontestável, a internet já começa a proporcionar conteúdos capazes de rivalizar com esse conhecimento. Sites como a Wikipédia apresentam informações cuja veracidade é equivalente à dos livros didáticos. O problema é que essa ainda é uma fonte de pesquisa restrita. “Poucos professores mandam seus alunos pesquisar na internet. E o número de alunos que efetivamente pesquisam é menor ainda”, afirma Vani Kenski, da USP, especialista em tecnologia da educação. (MANSUR, VICÁRIA, LEAL, 2007)


As representações do professor, nessa matéria, podem assim ser interpretadas:


- sujeito de esquerda: “De certa forma, a esquerdização dos professores no Brasil foi um reflexo do período de ditadura militar no país, nos anos 70. “Os professores empreenderam uma grande luta de retorno à democracia”, diz Célio Cunha, assessor de educação da Unesco no Brasil. “Estamos em uma fase de transição. Naturalmente estes livros refletem a realidade recente do país”, diz.”

- sujeito alienado em relação aos acontecimentos políticos recentes e maniqueísta (simplista, radical?): “Mas a transição talvez esteja demorando demais em um país que abandonou a ditadura há 20 anos. E ela não justifica o maniqueísmo assumido pelos livros.”

- sujeito “doutrinador” (o que seria um perigo para a democracia): “Elas dizem querer garantir a liberdade de pensamento e evitar a doutrinação, por parte dos professores, de qualquer crença, ideologia política ou convicção”.

- sujeito passível de controle do Estado: “Mas talvez o maior exemplo de vigilância em relação aos livros didáticos seja dos alemães. “O governo é muito rigoroso com os livros com os quais as crianças vão estudar e com os professores que darão aulas”, diz Henning Suhr, assessor político da Fundação Konrad Adenauer. “Se algum professor disser que o nazismo não foi tão ruim, é imediatamente exonerado.” Demonstrações de nacionalismo, como o ato de cantar o hino nacional nas escolas, são vetadas. (...)”

- sujeito incompetente e desatualizado: “Alguns bons professores levam para a sala recortes de revistas e jornais, filmes ou outros livros de referência. “Mas algumas vezes o professor usa o livro como bengala”, diz Bárbara.” / “Poucos professores mandam seus alunos pesquisar na internet.”


Como a discussão central da qualidade da coleção didática em pauta praticamente não questiona a atividade do professor, a representação desse sujeito se dá pelas margens do discurso, podendo ser encontrada em poucas referências na mídia de grande circulação. A polêmica dá a entender, com essa omissão de uma figura central nas atividades de ensino, que a presença do livro didático nas aulas é decisiva para o sucesso da aula e alunos, é decisiva para o viés ideológico abordado na escola.


Mas, mesmo nas margens, essa representação é percebida/significada e questionada pelo professor e seus simpatizantes. Sua contrapalavra circula em blogs e outros sites, revelando um fenômeno discursivo interessante que proponho chamar de pré-representação. Nesse caso, o sujeito, para interpretar uma representação que não é dita, recorre à memória discursiva para construí-la a partir das poucas pistas textuais. O subentendido, o não dito significa devido ao diálogo com a memória do passado e do futuro.


Cito alguns exemplos dessas contrapalavras que alimentam a polêmica em pauta, mesmo que, em grande parte das vezes, nas suas margens.


Vejamos um caso de contrapalavra, em entrevista ao ministro Haddad:


O GLOBO: O senhor já escreveu livros sobre questões abordadas no livro “Nova História Crítica - 8ª. série”. Como avalia os trechos que dizem que Mao Tsétung foi um grande estadista e que as propostas da Revolução Cultural chinesa eram discutidas animadamente?

HADDAD (ri antes de responder): Sou francamente favorável a que se discuta criticamente todo assunto relativo à história dos povos. Os livros didáticos têm que despertar interesse crítico dos alunos.Vou fazer um paralelo fora do livro didático: vale a pena discutir, em sala de aula, o livro “Não somos racistas”, do jornalista Ali Kamel?

O GLOBO: O que o senhor acha?

HADDAD: Vale. Se eu fosse o professor, na mesma aula discutiria também a resenha do (jornalista) Marcelo Leite, intitulada “Biologia seletiva”, que procurou desconstruir o argumento do livro nos seus próprios termos. O papel do professor é submeter os estudantes a essas provocações para despertar o seu interesse. (...) (WEBER, 2007)


Considerando-se a estrutura composicional do gênero entrevista jornalística, organizada em perguntas-respostas, em que quem pergunta é sempre o entrevistador, pode-se dizer que este tem um papel de locutor privilegiado, o que lhe permite direcionar o discurso do outro. Além de ser uma prática discursiva que mantém o poder do discurso do jornalista no social, é um gênero que pode explicitar diferentes vozes sociais. Dessa forma, o jornal O Globo, que publicou artigo do jornalista Ali Kamel (2007) criticando o governo Lula pela seleção e compra de livros tomados como “inadequados” (este artigo deflagra a polêmica que analiso aqui), pede a opinião do ministro de Lula sobre abordagens feitas por Schmidt de fatos históricos que envolvem Mao Tsétung e a Revolução Cultural chinesa – dá, portanto, um enfoque político-ideológico à pergunta, indo ao encontro do enfoque que a polêmica dá à discussão dos livros didáticos. Entretanto, na contramão dos valores que se digladiam na polêmica, o ministro assume o discurso de professor e o representa como sujeito que tem autonomia/competência para discutir temas polêmicos em sala de aula – ou seja, não é o livro didático que ensina, mas o professor, intermediando efetivamente o processo de produção de conhecimento.


Do mesmo lugar do professor que defende para si o direito de dirigir suas aulas com autonomia, enunciam-se discursos presentes no site http://www.fazendomedia.com/. Em 04 de outubro de 2007, Denilson Botelho, professor de História, posta uma carta aberta ao professor Ali Kamel, em que aborda ironicamente a representação que este faz do professor. Destaco trechos dessa carta:


Lá [na Universidade Federal Fluminense], os professores que tive, cujos conhecimentos nem se comparam à enorme sabedoria que tens, ensinaram-me que todo texto precisa ser analisado de forma crítica. Seja uma fonte utilizada para elaborar o conhecimento histórico, seja o livro didático que sintetiza as pesquisas produzidas na universidade. E tal perspectiva crítica deve ser insistentemente compartilhada com os alunos, como parte do processo de aprendizagem que se desenvolve nesta disciplina que hoje tem no senhor um notório especialista.

(...) Talvez por isso agora o senhor retome as críticas aos livros didáticos de história do Projeto Araribá, que eu, idiota, escolhi usar em 2008 com os meus alunos. Afinal, os livros didáticos de história deveriam ser como os jornais - neutros e isentos - e estão por aí catequizando nossas criancinhas na cartilha do socialismo e pior, do governo Lula, do PT. Francamente! Esse mundo está perdido, não é mesmo? Até porque professores como eu não foram “treinados” como são os jornalistas d’O Globo para identificar o que é relevante para nossos alunos...

Então eu lhe faço aqui publicamente uma proposta, senhor Kamel. Abro mão do meu posto de professor de história da escola pública municipal em que leciono e... cedo-lhe a vaga – inclusive com o respectivo salário, que há de alterar significativamente o seu padrão de vida. Venha o senhor dar aulas de história para a garotada do morro do Cruz, logo ali no Andaraí, zona norte do Rio de Janeiro. Deixe o conforto do ar condicionado da redação em que trabalha e venha enfrentar nossas calorentas salas de aula já! Venha dar sua contribuição inestimável, dando aulas não só através das páginas do jornal, mas como o professor talentoso que demonstra ser. A sociedade brasileira certamente terá muito a ganhar com uma atitude como esta... (...) (BOTELHO, 2007, negrito adicionado)


Botelho, no artigo citado, rebate a representação do professor incompetente com outra: a do professor que gerencia o processo de produção de conhecimento produzindo o debate em sala de aula (ver trechos negritados). Nesse discurso, encontra-se uma outra representação: a do professor que ganha mal e trabalha muito, representação não foi comum em outros discursos que compõem a polêmica.


Houve vários comentários do texto de Botelho no site em questão, quase todos elogiosos. As representações do professor são de um sujeito que deve ter autonomia para desenvolver suas aulas e como sujeito crítico, que tem condição de ler e discutir um livro didático. Vejamos dois comentários postados em http://www.fazendomidia.com/:


Muito bom!

Além do Ali Kamel sair disparando críticas e opiniões infundadas (quando escreveu a matéria ele nem sabia como funcionava o PNLD nem os livros que estava "analisando"), ao fazer as tais críticas ele despresa a autoridade de todos os professores que escolheram trabalhar com tais livros. Acho que na opinião do Kamel todos os professores são uns incompetentes manipulados pelo governo. Haja paciência para aguentar tanta baboseira e arrogância ao mesmo tempo!!! (

Gravatarcaro companheiro de profissão e formação...

temo por esses possíveis jovens que a globo, da malhação, das novelas, do fantástico e do bbb, querem formar. será que eles nao pararam para pensar que todo mundo tem uma idéia formada, ou em formação e que não são influenciadas apenas pelo professor mas por outros meios? será que pensam que nossos alunos são idiotas e o que nós falamos eles engolem sem crítica alguma?
nossa, penso que o parâmetro que eles tem de aluno e de professor seja o do telespectador global que consome novela e não se pergunta pra que serve aquilo?
enfim, não dou aula para paredes e nem sou uma....tenho opinião e em qualquer profissão existe a parcialidade...e meus alunos tb são críticos, apesar de tudo....

valeu pelo texto, parabéns e vamos "doutrinando" então....... (


Esses discursos apresentam uma contrapalavra ao discurso que tem privilégio na mídia. Eles caminham na contramão das representações hegemônicas que vêm sendo criticadas por muitos na esfera científica. Vale destacar as reflexões de Geraldi (1993) sobre a questão.


Ao refletir sobre a construção do conteúdo de ensino, o autor faz um estudo das identidades assumidas, ao longo da história, pelo professor. Hoje, segundo ele, devido ao modo de produção capitalista (com livros didáticos, principalmente), o professor, na maior parte das vezes, não passa de um “capataz” que cronometra o tempo das atividades, somente as conduz. Ao longo da história, o autor aponta três identidades do professor, discriminadas a seguir. Nos séculos XIV e XV, houve as “escolas de sábios” – os discípulos eram interlocutores e o professor era produtor de conhecimento. No Mercantilismo, “(...) o mestre já não se constitui pelo saber que produz, mas por saber um saber produzido que ele transmite”. (GERALDI, 1993, p.87) – de produtor de conhecimento, o professor passa a transmissor, sob o signo da desatualização. “O trabalho social do professor é o do articulador dos lixos epistemológico e das necessidades didático-pedagógicas”. (GERALDI, 1993, p.91-92) A terceira identidade se produz no capitalismo contemporâneo; o professor, nessa fase, é mero capataz – o professor passa, primeiro, de produtor a transmissor; agora, a controlador da aprendizagem.


(...) sua função é controlar o tempo de contato do aprendiz com o material previamente selecionado; definir o tempo de exercício e sua quantidade; comparar as respostas do aluno com as respostas dadas no “manual do professor”, marcar o dia da “verificação da aprendizagem”, etc (GERALDI, 1993, p. 94)


Nesta fase, a produção de material didático, segundo o autor, é ponto-chave para o desenvolvimento da identidade do professor-capataz.


A polêmica cujos fragmentos analisei reforça essa conclusão de Geraldi. Na discussão sobre a coleção didática de História, o material didático é colocado como aquele que ensina, que “representa para a criança a fonte do conhecimento valorizado pela sociedade”, “por isso, ela tende a acreditar piamente em tudo o que está ali. Aquele conteúdo é visto como absolutamente verdadeiro.”, aquele que sustenta as aulas do professor. A atuação do professor é pouquíssimo citada. Afinal, o responsável pelas aulas é o livro didático. Na voz dos novos censores, é ele que forma criança e jovens brasileiros, não os professores. A possibilidade de atuação crítica desses nas atividades de ensino e seu papel na produção de sentido em sala de aula nem se coloca em discussão.


Mas, na contramão desse discurso dominante, emergem vozes em movimento de resistência, de reconstrução (construção não repetida, mas renovada) da identidade.



Referências

BAKHTIN/VOLOCHÍNOV. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara F. Vieira. 4.ed. São Paulo: Hucitec, 1988.

_______. Estética da criação verbal. 3. ed. Tradução de Maria Ermantina G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BOTELHO, Denílson. Carta aberta ao professor Ali Kamel. Disponível em http://www.fazendomedia.com/. Acessado em 29 de maio de 2008.

GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

KAMEL, Ali. O que ensinam às nossas crianças. O Globo, Rio de Janeiro, 18 set. 2007, p. 7.

MANSUR, A., VICÁRIA, L., LEAL, R. O que estão ensinando às nossas crianças? Revista Época, São Paulo, 22 out. 2007.

MENDONÇA, Marina Célia. Silenciamentos produzidos em questões de leitura. Dissertação de mestrado. Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas (Campinas-SP), 1995.

MUSSALIM, Fernanda, MENDONÇA, Marina Célia. Apontamentos acerca da crença na neutralidade do discurso: em pauta a problemática da produção de sentidos. In: FIGUEIREDO, Maria Flávia, MENDONÇA, Marina Célia, ABRIATA, Vera Lúcia R. Sentidos em movimento: identidade e argumentação. Franca: Editora da Unifran, 2008. (Coleção Mestrado em Linguística)

WEBER, Demétrio. O MEC não pode adotar postura de censor. O Globo. Rio de Janeiro, 20 set. 2007.

http://www.fazendomidia.com/. Acessado em 29 de maio de 2008.




Este artigo é versão resumida, com algumas poucas alterações, de artigo a ser publicado nos Anais do III Simpósio Internacional de Linguística da Cruzeiro do Sul (SIL), ocorrido em agosto de 2009 na Universidade Cruzeiro do Sul (São Paulo, SP).

Nenhum comentário: