Mariléia Tenório Dionísio
Os três eixos propostos para essas Rodas de Conversa trouxeram a oportunidade de repensar alguns pontos sobre os escritos (do Círculo) de Bakhtin, resultando por ora em algumas perguntas. É o que se segue.
“Tudo nesse mundo adquire significância, sentido e valor apenas em correlação com o homem – com aquilo que é humano. Todo Ser possível e todo significado possível se dispõe em torno do ser humano como o único centro e o único valor.”1 Considerando que esta afirmação em Para uma Filosofia do Ato pode representar minimamente as reflexões de Bakhtin quando articula as arquitetônicas valorativa concreta, estética e do mundo real, indago: ele pode ser considerado “humanista” em função principalmente desse posicionamento? Se pode, que humanista é esse? “Humanista da alteridade”, como quer Ponzio2
Continuando em Para uma Filosofia do Ato, o termo “ideologia” não é empregado. Por outro lado, a questão do valor (ou axiologia) é recorrente (o termo “valor” e seus correlatos, por exemplo, aparecem em torno de 240 vezes) e um dos principais tópicos discutidos, imbricada com a cisão entre o “mundo da cultura” e o “mundo da vida”, tendo na noção de ato a possibilidade de religação juntamente com a noção de responsabilidade/não-álibi dentro de uma filosofia moral que prioriza também a relação eu-outro. Nos demais textos posteriores a Para uma Filosofia do Ato, ideológico e axiológico às vezes se equivalem ao evidenciarem posicionamentos avaliativos ou dimensões valorativas. Pergunto: o que é pertinente afirmar sobre a relação entre essas duas noções? retomar a discussão sobre os valores pode ser considerada uma contribuição de Bakhtin para as ideologias contemporâneas?
“... antiformalista ... fenomenologista ... pós-estruturalista ... proto-estruturalista”3; “... o criador da categoria do ‘romance polifônico’ ... teórico do romance”4; “... interacionista ... marxista ... linguísta ... teórico da literatura”5; “um homem religioso e um marxista, dialogando entre si”6; “fundador de discursividades”7; “ ‘mais um formalista russo’ ... neokantiano ... moralista ... arauto da ‘carnavalização’ ”8; “cristão-ortodoxo ... pós-modernista ... teórico da cultura ... humanista ... materialista”9; “ ‘francês’ dos anos 1970 ... ‘americano’, dos anos 1980 ... ‘russo’, dos anos 1990 ... ‘visto do Oeste’ ... ‘visto do Leste’ ”10; “um incômodo ... mestre do plágio”11; “um barato ... mas difícil”12 e “Filósofo, mais que filólogo ... um pensador”13. Questiono: é possível escutar amorosamente Bakhtin e seus comentadores/estudiosos quanto a“os caminhos e processos educacionais”? isso significa somar mais um rótulo (educador, pedagogo) para a controversa lista acima? Confirma-se que “Cada um pesquisa – e encontra! – na herança teórica de Bakhtin aquilo que mais lhe interessa”14? Ou “Precisamos desenvolver e sofisticar ferramentas para escutarmos os outros ‘Bakhtins’ ”15? Ou ...?
1 BAKHTIN, M. Para uma Filosofia do Ato. [1919-21] Tradução não-revisada e de uso didático e acadêmico feita por Carlos Alberto Faraco e por Cristovão Tezza de Toward a Philosophy of the Act. Austin: University of Texas Press, 1993, p.79
2 PONZIO, Augusto. A revolução bakhtiniana: o pensamento de Bakhtin e a ideologia contemporânea [coordenação da tradução Valdemir Miotello], SP : Contexto, 2008. p. 203 e 215
3 STAM, Robert. Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa [Tradução de Heloísa Jahn] Ática : SP, 1992 (Série Temas, Vol 20), p. 9
4TEZZA, Cristovão. Entre a poesia e a prosa: Bakhtin e o formalismo. RJ : Rocco, 2003, p 13-14
5 FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. SP : Ática, 2006, p. 15-16
6SCHNAIDERMAN, Boris. Bakhtin 40 graus. Uma experiência brasileira. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, SP : Editora da UNICAMP, 1997, p. 18
7 AMORIM, Marilia. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. SP : Musa Editora, 2004 [2001], p. 15
8 FARACO, C. A., TEZZA, C., CASTRO, G. de. Apresentação. In: FARACO, C.A., TEZZA, C., CASTRO, G. de (org). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ:Vozes, 2006, p. 13
9 FARACO, C. A., TEZZA, C., CASTRO, G. de. Apresentação. In: FARACO, C.A., TEZZA, C., CASTRO, G. de (org). Diálogos com Bakhtin. Curitiba:Ed. UFPR, 2007 [1996], p. 10
10 SÉRIOT, Patrick. Bakhtin no contexto: diálogo de vozes e hibridação das línguas (o problema dos limites. In: ZANDWAIS, Ana (org.) Contribuições para a Filosofia da Linguagem e Estudos Discursivos. Porto Alegre : Editora Sagra Luzzato, 2005. p.59-60
11 WALL, Anthony. Por uma estética da recepção bakhtiniana ou O valor da mudança de expectativas. In: FARACO, C.A., TEZZA, C., CASTRO, G. de C (org). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ : Vozes, 2006, p. 310-12
12 FARACO, C. A. O dialogismo como chave de uma antropologia filosófica. In: FARACO, C.A., TEZZA, C., CASTRO, G. de (org.). Diálogos com Bakhtin. Curitiba:Ed. UFPR, 2007 [1996], p. 97
13 BAKHTIN, M., DUVAKIN, Viktor. Mikahil Bakhtin em diálogo – conversas de 1973 com Viktor Duvakin. São Carlos : Pedro & João Editores, 2008 [1996], p. 45
14 VELMEZOVA, Ekaterina. Mikhail Bakhtin, o mecânico e as fronteiras. In: ZANDWAIS, Ana (org.) Contribuições para a Filosofia da Linguagem e Estudos Discursivos. Porto Alegre : Editora Sagra Luzzato, 2005. p. 73
15 WALL, 2006: p. 316
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