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A Ágora Virtual. (O Computador/Internet como um espaço comum para o dialogismo e o ensino/aprendizagem de filosofia)

Luciano Tavares Torres

Desde o período clássico, a maneira de pensar e conceber o mundo ocidental se desenvolveu segundo os princípios da tradição filosófica e cultural do povo grego. Sabemos que a Grécia antiga estava subdividida em comunidades independentes que se alastravam junto à margem do mediterrâneo, e cujos modos de entender a vida se diferenciavam muito de uma cidade-estado para outra.

Apesar disso, tais parcialidades continham em seu cerne algumas semelhanças, como a língua e a religiosidade, o que, em contato com outras culturas advindas dos povos que se estabeleceram na região, resultou tanto na difusão quanto na fusão da cultura grega. Dessa forma, na medida em que se forjaram novas teias de relações interculturais, o mosaico social, político, religioso e cultural inaugurou uma nova forma de pensar: saiu de cena a consciência mítica e religiosa para a entrada da consciência racional e filosófica. As explicações mitológicas de um mundo dado e previamente determinado sucumbiram face ao advento da razão, do empirismo e do debate racional.

Essa nova forma de organização, baseada no logos, foi chamada de Pólis. Através da concepção racional da sociedade, o comércio ganhou impulso, a moeda foi cunhada e, principalmente, ganhou destaque a propalada Ágora Grega, que ao se tornar o centro da cidade, foi palco de transações comerciais e debates públicos. Temáticas como a defesa da cidade ou sua organização política eram proferidas por todos e a todos os cidadãos que a ela pertenciam, dando início ao sistema democrático direto de governo.

A palavra, o discurso e a razão aos poucos tomaram conta da praça, e os oradores com seu poder de convencimento e retórica se tornaram determinantes para a elaboração de assuntos públicos. Agora, a razão cabia a quem sabia convencer. A argumentação na Ágora tinha como princípio reconhecer o “outro” como um ser constitutivo e pertencente àquelas discussões proferidas na praça. O “outro”, na Grécia Clássica, não era apenas alguém que expunha suas idéias e valores, segundo princípios individuais, ele fazia parte de um conjunto, de um contexto e de um sistema de relações, em suma, de uma Pólis, em que o importante era a formação e compreensão do “todo” em que estavam inseridos.

Ademais, nas praças públicas (Ágoras), o diálogo adquiriu força e foi considerado como a arte da persuasão. Ele não apenas possuía como função exprimir um discurso de cunho filosófico, em que a exposição de idéias está carregada de certezas e conceitos, mas percebia no “outro” uma possibilidade de encontro, permitindo àqueles que dialogavam seduzirem e serem seduzidos pela fala alheia. No diálogo, os participantes não presumiam deter o conhecimento, mas sempre tinham com o que contribuir. A existência dessa linguagem comum fez com que as discussões passassem a ser direito de todos, complexificando as relações interpessoais.

O diálogo, na Grécia Antiga, surgiu como abertura para um novo modelo social: por meio do convencimento, do raciocínio, da exposição de idéias e da capacidade de falar e polemizar, o logos passou a ser critério para pensar e agir desse novo homem grego.

Mesmo que hoje tenhamos nos distanciado historicamente da cultura grega, é inegável considerar que a capacidade do homem moderno de se relacionar, de dialogar racionalmente e de encontrar o “outro” é um espelho longínquo do pensamento clássico. Destarte, nos propusemos a empregar uma metáfora que “desse conta” de aproximar - em face do surgimento das novas tecnologias, em particular o computador/internet - o sentido antigo da “praça pública”, dos diálogos realizados na contemporaneidade, mediados pelos diversos ambientes virtuais: ÁGORA VIRTUAL.

Entendemos que os novos instrumentos de comunicação e relacionamento surgidos no final do século XX, como o computador/internet e os múltiplos ambientes virtuais, assim como a Ágora na Grécia antiga, tornaram-se um expressivo centro de discussões, posto ter sido criada com essas tecnologias uma nova forma de comunicação digital, que além de ser integrada e hipertextual é, sobretudo, híbrida e inter-relacional.

Nos diversos ambientes virtuais, como chats, MSN, fóruns de discussões e blogs, o diálogo tornou-se significativa expressão de relacionamento, consolidando um novo modo de comunicação. O computador/internet e todo seu arsenal tecnológico ampliaram os horizontes de conhecimento do homem e, conseqüentemente, de sua linguagem. Assim, argumentar e dialogar por meio do mundo virtual tornaram-se práticas que ultrapassaram os limites de interlocução em face à presença física do outro.

Contudo, falar do relacionamento promovido através dos espaços virtuais e todo o diálogo possibilitado nos novos ambientes, em que a linguagem se encontra mais uma vez como pressuposto determinante da vida humana, não é nada simples, por isso convidamos o pensador da linguagem Mikhail Bakhtin e todo seu arcabouço filosófico para nos ajudar a entender melhor esse movimento ocorrente no mundo virtual.

A língua, para o pensador, é encarada como um fenômeno social e histórico, sendo nesse sentido dinâmica, viva e totalmente ligada ao contexto ideológico do qual participa. Por esse motivo, a apropriação que dela se faz não pode ser rígida, determinada e reta, como supõem os lingüistas de corrente formalista, mas, ao contrário, a língua é um discurso fluido, variável e flexível e está estritamente ligada ao contexto da situação concreta da comunicação verbal em que atuam seus interlocutores.

"Quando as pessoas utilizam a linguagem, não atuam como se fossem máquinas que enviam e transmitem códigos, mas como consciências empenhadas em um entendimento simultâneo: o falante ouve e o ouvinte fala" (Clark & Holquist, 1998:237, apud JUNQUEIRA, Fernanda, 2003: 25).

O filósofo entende a língua como parte de um processo evolutivo e de apropriação do mundo pelo homem. Ela não nasceu pronta para ser utilizada e transmitida, mas sim para ser assimilada, absorvida, discutida, interpretada, compartilhada, recriada e ressoada, estando de tal maneira em constante transformação. O pensador acrescenta ainda um atributo importante e inerente à língua: o de ser dialógica. A esse respeito, esclarece José Luiz Fiorin:

Segundo Bakhtin, a língua, em sua totalidade concreta, viva em seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face. Ao contrário, existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre e inevitavelmente também a palavra do outro. Isso quer dizer que o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu (Fiorin, 1996:128).

Bakhtin acredita no diálogo como uma interação entre pessoas, uma ponte de ligação ao “outro” constituidora e formadora do “ser”, que ao mesmo tempo influencia e é influenciado pela linguagem. Como infere Maria Teresa Assunção Freitas, para Bakhtin “o homem é um ser expressivo e falante e a linguagem é constituidora de sua consciência. O discurso do sujeito falante é que liberta o homem de sua condição de objeto” 1. O filósofo define então a linguagem como sendo um conjunto de práticas interacionais e dialógicas, fundado e fundante das relações sociais. É no contato entre o “eu” e o “outro”, por meio da língua e de toda a interação verbal via enunciado que a realidade concreta se apresenta ao homem. Dessa forma, a palavra, o dizer - dado num determinado contexto - sua significação e seus valores se tornam expressividades daqueles que dialogam e interagem entre si. Como nos informa Bakhtin: “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes” (Bakhtin, 1997:124).

O autor defende ainda a acepção de um novo conceito, que ultrapasse a noção comum de diálogo: o dialogismo. A necessidade de inaugurar um termo para explicitar as relações dialógicas existentes na comunicação verbal entre o “eu” e o “outro” decorre da observação de que nos processos de linguagem, a palavra viva interage sempre com o discurso alheio, mesmo que ele não esteja presente.

"A língua não é neutra e não passa livre e facilmente a pertencer, como propriedade privada, às intenções do falante; ao contrário, ela é povoada - super povoada - pelas intenções dos outros. Impedir a influência do outro, submetendo-a apenas às nossas próprias intenções, é um difícil e complicado processo" (Bakhtin apud Cazden, 1998:201).

O dialogismo destaca-se pelo seu caráter contextual de interação, em que tanto o falante quanto o seu discurso só existem a partir da existência de um “outro”, quer seja este um interlocutor, um leitor ou um próprio sistema lingüístico, instigando o permanente diálogo nem sempre harmonioso, mas que inaugura, reflete e fomenta uma relação com o “outro” de modo interdiscursivo de compreensão do mundo.

Bakhtin considera o diálogo como as relações que ocorrem entre interlocutores, em uma ação histórica compartilhada socialmente, isto é, que se realiza em um tempo e local específicos, mas sempre mutável, devido às variações do contexto. Segundo Bakhtin, o dialogismo é constitutivo da linguagem, pois mesmo entre produções monológicas observamos sempre uma relação dialógica; portanto, todo gênero é dialógico (RECHDAN, 2003: 02)

No que Bakhtin denomina como relações dialógicas são criadas e estabelecidas teias constituídas por diversas vozes ou discursos que se completam, entrecruzam e por vezes colidem, justamente por existir em sua natureza um caráter dialógico. A toda enunciação corresponderá uma reação, uma réplica, uma atitude responsiva, gerando um caráter dialético para o processo comunicativo. Como explicita Faraco et alii (1996:10), “Bakhtin tinha uma relação amorosa com a palavra do outro.”2

Em outras palavras, o dialogismo e toda a atividade discursiva exercida em seu interior, isto é, a influência da palavra do “outro” e deste “outro” sobre a sua, a contínua influência dos contextos sobre os entendimentos obtidos nos discursos e a interminável construção de significados e de enunciados são partes que determinam e constituem o próprio homem.

"Em todo enunciado, contanto que o examinemos com apuro, levando em conta as condições concretas da comunicação verbal, descobriremos as palavras dos outros ocultas ou semi-ocultas, e com graus diferentes de alteridade” (Bakhtin, 2000:318).

Por considerarmos importantes em nosso trabalho a compreensão das noções explicitadas, assumimos a perspectiva bakhtiniana como explicativa para as relações de comunicação estabelecidas nos espaços virtuais, marcadas pelo dinamismo e “vivacidade” da língua, ou mais, pelo diálogo e interação.

Entendemos e acreditamos na comunicação virtual por meio do computador/internet e seus ambientes de relação como um instrumento legítimo para o desenvolvimento da subjetividade e da argumentação, bem como para o diálogo e a reflexão filosófica. A linguagem que marca os ambientes on-line possibilita a interatividade e, com ela, o embate de pensamentos diversos, ou mesmo confrontantes, num mesmo tempo e espaço, ocasionando a geração de uma criação coletiva, tal como ocorria na praça grega3

O computador/internet, nesse sentido, possibilita àqueles que participam de seus ambientes de relacionamento inaugurarem lugares outros legítimos para o saber, o pensamento e o conhecimento que circulam e se manifestam em um espaço invisível, dinâmico e vivo, onde aprender, inventar, conhecer e produzir são termos que somente têm sentido se fizerem parte de um pensamento e de uma consciência participativa, coletiva e responsável de que o “outro” faça parte:

Não os organismos do poder, nem as fronteiras disciplinares, nem as estatísticas dos mercados, mas sim o espaço qualitativo, dinâmico, vivo, da humanidade que se inventa ao mesmo tempo em que produz o seu mundo. (Lévy, 1997, p.17).

Portanto, podemos considerar os espaços virtuais, onde o “eu” e o “outro” se fazem presentes, como um campo de luta e de encontro das diversas vozes sociais existentes num determinado meio. Nos ambientes on-line, surgem novos processos de interlocução, relação e diálogo constituídos e alimentados por valores sócio-culturais partilhados e apreendidos com as trocas, divergências e diversidades que são inerentes em seu interior. O computador/internet instigaram o homem a um mergulho profundo permeado pelas relações dialógicas, na perspectiva bakhtiniana, no qual o sujeito somente se constitui à medida que vai em direção ao “outro”, pois, como na Filosofia, este “outro” é fundamental para a constituição do seu “eu”.

Diante desta perspectiva, retornamos à crença nas tecnologias virtuais como possíveis aliadas do homem ao retorno da discussão filosófica, segundo suas raízes gregas. Motivo pelo qual concluímos anteriormente ser pertinente comparar os ambientes constitutivos da virtualidade a outros lugares de mediação, participação, democracia e inclusão, como a citada Ágora grega. Neste momento, tornou-se o computador/internet uma nova praça pública, que, através de seus diversos programas de relacionamento, constitui-se num lugar dialógico para o embate de idéias, reflexões e para a exposição das diferentes opiniões e argumentações.

Esta constatação nos levou a lançar um novo olhar para as aulas de Filosofia, que incluísse o computador/internet e toda sua potencialidade de comunicação. Refletimos que aprender Filosofia no ambiente escolar com o auxílio do computador/internet seria um modo de possibilitar ao aluno articular de maneira dialógica e interativa a compreensão de questões levantadas, ajudando-os em sua emancipação e em posicionamentos frente às indagações propiciadas pelos temas. É importante ressaltar que entendemos por aprender tudo aquilo que implica ao sujeito construir para si um mundo e um modo típico de se relacionar.

O conhecimento filosófico, alcançado com a aproximação das diversas leituras possíveis que o homem é capaz de fazer sobre si e o outro, somente teria sentido se o aluno estivesse aberto a aprender com o “outro”, quer semelhante ou diferente, e permitisse a ampliação de sua linguagem. Em relação a esse olhar aberto do homem para o mundo, o educador Jorge Larrosa nos informa que:

O mundo não existe anteriormente a uma forma que lhe dê seu perfil. Ou existe, mas como algo amorfo, desordenado e sem delimitações e, portanto, sem sentido. Não há uma experiência humana não mediada pela forma e a cultura é, justamente, um conjunto de esquemas e mediação, um conjunto de formas que delimitam e dão perfis às coisas, às pessoas e, inclusive a nós mesmos. A cultura, e especialmente a linguagem, é algo que faz com que o mundo esteja aberto para nós(Larrosa, 2006: 49).

Nesta perspectiva, o alargamento da linguagem propiciado pela multiplicidade de espaços de relação permitiria que o diálogo fosse uma atitude para o entendimento da reflexão filosófica. Como nos adverte Ludwig Wittgenstein: “os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo”4.

Logo, buscar o conhecimento filosófico com o suporte da tecnologia virtual significaria permitir aos alunos a criação de espaços específicos para o diálogo, a crítica, a interatividade, o debate e as reflexões acerca do cotidiano da vida dos homens e do mundo. Citando novamente Jorge Larrosa, “ (...) cada um tenta dar um sentido a si mesmo, construindo-se como um ser de palavras a partir das palavras” 5.

A aproximação de distâncias, a relativização do tempo e do espaço e a potencialização das relações dialógicas nos fizeram pensar na cultura digital como um lugar de produção significativo e criativo, de aprendizado filosófico e reflexão mútua. Como nos informa Pierre Lévy:

A rede não tem centro, ou melhor, possui permanentemente diversos centros que são como pontas luminosas perpetuamente móveis, saltando de um nó a outro, trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas raízes, de rizomas, finas linhas brancas esboçando por um instante um mapa qualquer com detalhes delicados, e depois correndo para desenhar outras paisagens de sentido (Lévy, 2004: 26).

Por sermos professores e termos consciência clara do papel responsável da profissão, observamos a escola com o computador/internet reveladora e inauguradora de um novo momento na educação escolar. Essa tecnologia, aliada à aprendizagem da filosofia, poderão propiciar tanto ao educador como ao educando um real instrumento para o diálogo, tornando-se um verdadeiro “locus” para o conhecimento científico e artístico e, sobretudo, sendo um ponto de partida para o saber, o encontro e a reflexão filosófica, que formam e transformam o homem.

Em nossa atuação como profissionais da educação na área da Filosofia, observamos que os alunos do ensino fundamental e médio, ao se utilizarem do computador/internet para determinada pesquisa ou elaboração de trabalhos, acabavam por aguçar suas próprias indagações e percepções, o que contribuía muito para o enriquecimento das aulas. A partir dessa constatação inicial, ficamos instigados a elaborar junto aos alunos do primeiro ano do ensino médio, numa escola da rede particular da cidade de Juiz de Fora no corrente ano (2009), um fórum virtual de debate e discussão em filosofia, com objetivo de estudo, de ampliação e troca de experiências e aprendizagem numa relação fratenal, dialogal e ao mesmo tempo acadêmica entre alunos e alunos/professor. Assim como a palavra na praça pública, a escrita no fórum adquire força, delimita seu espaço de interferência e se torna o lugar comum para o confronto de idéias.

O primeiro passo para a constituição do dito fórum foi apresentar o computador e a internet não apenas como espaços de consulta, conversas informais e acesso a conteúdo, mas sim como um lugar possível para o diálogo, o debate filosófico e a reflexão. Destarte, foi desfeita a rejeição por parte de alguns alunos, receosos em aceitar a utilização do computador/internet como meio de ensino/aprendizagem. Descobrimos em conjunto que a Filosofia não necessitava de um lugar específico para acontecer, desde que existissem espaços que posibilitassem o diálogismo, interferindo e modificando a todo instante a forma como enxergávamos o mundo.

A próxima etapa foi o levantamento em classe de temáticas de cunho filosófico que envolvessem e atraíssem os alunos para a amplição das discussões no ambiente virtual. É importante ressaltar que as questões escolhidas para o debate estavam de acordo com o conteúdo ministrado pela disciplina e com a capacidade e possibilidade de diálogo com as demais disciplinas e os diversos contextos sociais vividos pelos alunos.

Feito isso, incentivamos os estudantes a registrarem suas falas e pensamentos apresentados em sala de aula no espaço virtual de relacionamento, com intuito de tornar pública a reflexão por eles realizada e propiciar a possibilidade de “resposta” por parte dos colegas. Nesse sentido, o fórum pôde se tornar um ambiente de discussão em que a linguagem escrita, para além da verbal já estabelecida na escola, ganhou importância por ser o “veículo” do argumento e permitir a réplica e o acréscimo ao conteúdo exposto no fórum.

O resultado da criação desse instrumento virtual para o ensino/aprendizagem, propiciador de discussões, exposições de argumentos, surgimento de novas idéias, encontro com o “outro” e plurais leituras de mundo, pode ser mensurado a partir de alguns argumentos coletados no fórum. Em certo momento, os participantes do espaço debateram sobre a afirmação da filósofa Marilena Chauí, a respeito da importância e a utilidade da filosofia. Segundo ela:

Se abandonarmos a igenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela subimissão às idéias for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nós os meios para serem conscientes e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes que os seres humanos são capazes (CHAUÍ, 2004, p. 24).

A partir desta citação, alguns alunos resolveram opinar e acrescentar ou mesmo reconhecer o que anteriormente foi explicitado. Segundo o aluno R. A., de quinze anos:

Ela diz que a filosofia está acima de tudo, que a filosofia é o mais útil de todos os saberes dos seres humanos, e eu concordo com ela, pois o mundo não é só feito de respostas, mas sim de perguntas, e é isso que a filosofia traz, perguntas sobre tudo que nos rodeia. Ou seja, os cientistas procuram respostas e a filosofia traz as perguntas (sic).

A aluna R.R da mesma turma alargou um pouco mais a compreensão sobre o argumento da autora. Segundo citou:

Levando em consideração a afirmativa de Marilena Chauí, compreendemos que filosofia é o que nos move no nosso dia-a-dia; é o que nos faz pensar sobre o sentido e a existência das coisas e dos seres; é buscarmos por meio de perguntas, respostas. Pois com os questionamentos, cada pessoa impõe seu próprio modo de refletir e viver, sem “apegos à aceitação”, ou seja, é o modo próprio de pensar e argumentar; é seu modo de raciocínio, que lhe encaminha a uma finalidade útil (sic).

Como podemos observar, os alunos participantes do fórum, ao mesmo instante em que foram ao espaço para debater sobre os questionamentos tensionados em sala, se preocuparam antes em escrever de modo claro e objetivo a fim de que seus pensamentos fossem respeitados diante dos possíveis contra-argumentos que poderiam surgir, bem como tiveram a cautela de fazer pesquisas para reforçar e amadurecer seus argumentos. Assim, entenderam que conhecer e dialogar com o outro faz parte do cotidiano da vida do homem e, por isso, que ensinar e aprender são vias mútuas de relacionamento entre todos que participam e comungam de interesses, segundo seus respectivos contextos partilhados em espaços comuns como o fórum virtual.

Com a tentativa de reforçar a importância do ensino/aprendizado autônomo e de todo desenvolvimento de alteridade do aluno frente esse novo espaço virtual, vamos observar outro tópico de reflexão do fórum, que nos ajuda a perceber o debate online como instrumento para a busca do conhecimento reflexivo do estudante nas aulas de filosofia e também fora da escola. A questão levantada foi sobre o plebiscito do desarmamento, ocorrido no país em 2007. A respeito desse tópico, destacamos dois posicionamentos de alunos da turma:

Tornar legal o porte de arma de fogo é comumente defendido pelas pessoas como um meio de proteger a si mesmo, a família e o patrimônio privado, contra aqueles que desejam ameaçá-los. Já para os pacifistas, proibir o porte de armas de fogo passa primeiro pelo conceito que a única função que elas possuem: é que foram feitas para matar. E sendo assim, não é e nunca será uma boa solução contra a criminalidade e violência. Não quer dizer que você tendo uma arma em suas mãos, você estará protegido, porque se fosse tão fácil atirar, a polícia, e os militares não possuiriam um treinamento para aprender a usar uma arma. Outro fator seria que tendo uma arma em casa você está se responsabilizando por tudo que ocorrer por causa dela, caso seu filho ou algum menor ache a arma e pense que é um brinquedo e acaba ferindo alguém e/ou até mesmo ele, ou até mesmo use-a para resolver um problema com alguma pessoa, isso só estaria aumentando ainda mais os números de mortes por acidentes e por brigas com motivos insignificantes (sic). L. C.

A legalização das armas tem causado polêmica nos últimos anos. Afinal, legalizar ou não? Tal resposta só será respondida depois de observarmos os prós e os contras. Digamos que você esteja em sua casa quando, de repente, você ouve um barulho na cozinha. Você, preocupado, vai a cozinha averiguar o motivo de tal ruído e se depara com uma figura estranha com uma faca na mão e lhe rende pedindo todas as suas jóias, eletrodomésticos, etc. Você, sem ação ou meios para se defender, a deixa levar tudo. Mas, e se você tivesse uma arma? A situação com certeza seria diferente. Você ouviria o ruído, pegaria sua arma na gaveta dentro do seu armário (digamos que você é uma pessoa cuidadosa e guarda sua arma em lugares longe do alcance de crianças e estranhos) e iria até a cozinha e se deparasse com a figura. Você a renderia, ela poderia fugir ou você a repreende e a deixa sobre sua mira até a polícia chegar. Isso é um fator positivo, segurança. Mas, e se ela tivesse uma arma também? Isso é um fator negativo, a facilidade de se adquirir armas. Mas se houver a proibição, como ficarão os policiais, seguranças, entre outros? Se a lei vale para todos, como nós ficaremos? Os criminosos conseguem armas pelo tráfico com facilidade, e os policiais, sem armas, como agirão sobre eles? E nós? Ficaremos no fogo cruzado? Realmente é uma questão difícil de se responder. Portanto, vou encerrar esta questão sem a minha opinião concreta sobre o "sim" ou o "não" (sic). B. B.

Ao analisarmos ambos os argumentos expostos no fórum, podemos observar de dois modos distintos a mesma questão reflexiva. O primeiro aluno, ao se deparar com o problema, busca nas contradições da própria questão razões que o permitam convencer o outro sobre o seu pensamento, instigando o leitor a pensar de modo prático no cotidiano da vida, sem tentar impor uma conclusão e possibilitando a seu possível debatedor desenvolver um contra-argumento. O aluno seguinte, por sua vez, cria uma narrativa que dialoga com o próprio leitor, instigando os seus interlocutores a refletirem juntos sobre as questões e perguntas por ele formuladas, sobre a importância e a dificuldade de se chegar a um acordo sobre o plebiscito.

É importante ressaltar que os dois argumentos explicitados no fórum têm uma carga significativa de questões que abrem novos olhares sobre o mundo, permitindo a todos exporem suas opiniões, dialogarem, interferirem no modo de pensar do outro e se transformarem. O diálogo, segundo o próprio Bakhtin:

[...] não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra ‘diálogo’ num sentido mais amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda superação dialética dos conflitos desenvolvidos na trama. (BAKHTIN, 1997, 123).

Como podemos concluir, o fórum de debate criado para as aulas de filosofia e realizado no computador/internet tem em sua essência, evidente que de modo distinto do que ocorria na Grécia antiga, retomar o pensamento reflexivo, autônomo e com suporte argumentativo, onde a escrita é um meio, e o diálogo um caminho que reverbera no outro pela palavra e os seus contextos.

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2 Por palavra do outro, Bakhtin entende qualquer palavra, pronunciada ou escrita, que não seja a do próprio sujeito-falante. (cf. Bakhtin, 2000:383)

3 CENCI, Márcio Paulo; IBERTIS, Carlota. Internet: um recurso para o ensino de filosofia? p. 03.

4 WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical investigations. Oxford: Blackwell, 2ª edição, 1997, p.111.

5 LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. 4 ed., Trad. Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte; Autêntica, 2006, p. 23.

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