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Expressão nominal definida: representações sociais em textos midiáticos

Ana Lídia da Conceição Ramos Maracahipe (UFPA)
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CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
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No processo de comunicação entre os sujeitos muitos são os recursos utilizados, desde os textos verbais até os não-verbais, na tentativa de se atribuir sentido aos mais variados enunciados (BAKHTIN, 1997a, 1997b, 1999). Essa produção de sentidos, por sua vez, é tributária da cultura da qual fazemos parte (ESCOSTEGUY, 2000, 2001). É ela que nos possibilita ter acesso aos mecanismos de representação da realidade. A linguagem, dentro dessa imersão, é o que nos permite presentificar, partilhar, nominalizar a realidade. Com este enfoque, o contexto sócio-histórico passa a integrar um elo entre a materialidade lingüística produzida e a interpretação dos sentidos de um texto. Isso acontece de tal modo que, nas primeiras escolhas do material lingüístico que os sujeitos utilizam na interação, o processo já é eminentemente intencional. E é nessa busca do ‘querer-dizer’ que o processo de referenciação recai no terreno complexo que é a cultura, uma vez que a interpretação dos sentidos dependerá do conhecimento partilhado por esses indivíduos.
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Diante dessas considerações, entende-se que urge a necessidade de modificar a paisagem sombria da sala de aula tradicional, de mudar a percepção equivocada de que o estudante é um sujeito passivo e de que a escola é o único local no qual emerge o conhecimento. A mudança significa, antes de tudo, conceber a educação como um processo inacabado, contínuo, no qual o aluno é ao mesmo tempo ator e diretor do seu processo de ensino e de aprendizagem. Assim sendo, retomamos novamente a idéia de sujeito que forma e é formado por meio da cultura.
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Ressaltamos, a partir dessas considerações, que o objetivo principal deste ensaio recai sobre a necessidade de estimular a prática de textos midiáticos em sala de aula. É importante lembrar, no entanto, que esta proposta deve levar em consideração as especificidades que esses textos possuem e os pré-requisitos que são necessários para lê-los, já que a legitimidade do campo dos media é proveniente do reconhecimento, por parte dos outros campos, da competência deste em selecionar e em distribuir a informação em grande escala no sistema heterogêneo e complexo que é a sociedade. Nesse esforço de pensar a linguagem como constituinte da cultura e como realidade fundamental da língua, este trabalho foi realizado com a intenção de contribuir para a abordagem do processo de referenciação, com ênfase principalmente ao uso de expressões nominais definidas em texto midiático, entendendo-o como processo dinâmico, cultural, interacional. O trabalho propõe uma reflexão sobre a utilização dessas expressões, como fonte de construção de identidade(s) no processo de formação de (pré)conceitos, caracterizados pela construção de expressões pejorativas.
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Quanto aos encaminhamentos metodológicos, interessa-nos apontar sucintamente como essas expressões são utilizadas em texto midiático, especificamente coletado em mídia escrita. Propaganda da Folha de São Paulo, incluída na revista Veja de 05 de fevereiro de 1997, que aborda, de maneira peculiar, os grandes momentos políticos do Brasil, selecionada pela sua relevância histórica e pelos mecanismos verbais e não-verbais que apresenta.
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POR UMA PERSPECTIVA ENUNCIATIVA PAUTADA NO PROCESSO DIALÓGICO
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Pertencente a uma época na qual os estudiosos da linguagem separavam as noções de língua e de sujeito do contexto sócio-histórico mais imediato, Bakhtin (1997a, 1997b, 1999), em outra direção, traça um percurso teórico-metodológico importante e inovador para a concepção de língua, de processo de comunicação verbal e de cultura. É assim que a língua, o sujeito e a cultura estão entremeados e por esse motivo não podem ser dissociados, considerados de forma desconectada. A língua, assim, é um lugar privilegiado para as manifestações enunciativas; a linguagem, por sua vez, é elo de interação entre os sujeitos e, também, mediação desses com a realidade. Para Bakhtin, o sujeito constitui-se no diálogo com o outro e nas situações discursivas em que se encontra inserido, das quais participa direta ou indiretamente. A partir desse enfoque, entende-se que é no processo de interação verbal – realização concreta e fundamental da língua – que ocorrem as mais diversas trocas sociais e negociações intersubjetivas entre os sujeitos.
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Considerando que a utilização da linguagem se dá por meio de enunciados, partimos do princípio de que esses refletem as condições específicas e as finalidades comunicativas dos sujeitos. Isso ocorre evidenciando uma rica e variada forma de efetivação das atividades humanas, razão pela qual cada esfera elabora determinados tipos de enunciados relativamente estáveis. A essa “interconexão da linguagem com a vida social” (FIORIN, 2006, p.61), realizada por meio de enunciados, Bakthin denominou de gêneros discursivos ou gêneros do discurso. Sendo assim, a competência sociocomunicativa dos sujeitos aciona os mecanismos do que é (in)adequado em cada uma das práticas sociais existentes no dia-a-dia, razão pela qual os gêneros discursivos são considerados formas relativamente estáveis – tomadas pelos enunciados, de acordo com as situações de uso.
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Outra contribuição importante para entender a relação desses sujeitos com a linguagem e com o contexto social no qual eles estão inseridos é dada pelos estudos culturais. No escopo desses estudos, nas relações existentes entre as formas, as instituições e as práticas culturais o indivíduo ocupa, em uma acepção mais abrangente de cultura, diversas posições e/ou identidades, transformando-se tanto em assunto para estudos quanto em reflexo dos processos de interação, o que os tornam descentrados e múltiplos. Por esse olhar a produção de sentido é preponderantemente cultural. Tal perspectiva colabora para com a concepção de sujeito movente, incompleto e ativo, proposta por Bakhtin, a qual propicia um olhar diferenciado sobre os produtos midiáticos, artísticos, entendidos como produtos culturais, elaborados, produzidos e experienciados por sujeitos sócio-historicamente situados, repletos de discursos e ideologias.Para elaboração desse trabalho, adotamos o conceito de texto como a materialização de discursos – o modo pelo qual os discursos são concretizados, bem como o de identidades como modo de os indivíduos se sentirem pertencentes de uma comunidade semiótica específica, e de serem reconhecidos nos processos de interação. É assim que entendemos a importância do contexto sócio-histórico (cultural) e a questão da subjetividade como um meio de investigar as posições que os sujeitos ocupam nas várias esferas sócio-discursivas de produção da linguagem.
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EXPRESSÕES NOMINAIS DEFINIDAS COMO PROCESSO DE REFERENCIAÇÃO
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A ampliação do conceito de texto demonstra que qualquer produção textual está inserida nas condições de sua produção. Como conseqüência, os enunciadores, ao elegerem, interpretarem e manipularem os mecanismos de referenciação que servirão para explicitar ao interlocutor os objetos-de-discurso de que tratam, estão na verdade evidenciado um (pré)conceito ou um ponto de vista, por meio das operações de categorização e de identificação. Por essa razão, Cortez (2003, p.15) aponta que é esse encadeamento referencial que “configura a orientação interpretativa do texto”, e que também “contribui para a formação de cadeias coesivas e para o andamento do tópico”, na tessitura textual. Assim, para se realizar uma leitura proficiente e adequada em práticas sociais, faz-se necessário conhecer alguns aspectos interativos da língua capazes de nos propiciar a racionalização de fenômenos relativos à coesão e à coerência enquanto fatores formais e conceituais da língua, diretamente associados à construção do sentido. Para isso, é necessário se valer de estratégias que partam do pressuposto de que a linguagem é uma atividade interativa, discursiva, interdiscursiva e funcional.Para tanto as condições procedentes do uso da língua dependem diretamente da relação contextual em que são produzidas. No mesmo contexto, à medida que o discurso é (re)constituído, a língua se revela por suas possibilidades múltiplas e significativas, com o objetivo de ativar uma determinada informação presente na memória discursiva do interlocutor. Assim, de acordo com Koch (2006), é possível entender que a realidade é constituída dentro desse processo de representação contínua. Processo que é utilizado nas interações humanas como mecanismo de referenciação para dar coerência às nossas intenções comunicativas e para possibilitar a atribuição de sentido entre os participantes do discurso. Nesse caminho, a referência é considerada como o resultado da operação lingüística daquilo que empregamos, tanto para designar, quanto para representar ou sugerir algo. Desse modo, quando os sujeitos criam termos, nomes, designações, atributos, por meio de mecanismos lingüísticos, estão na verdade utilizando representações dos objetos-de-discurso.
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EXPRESSÕES NOMINAIS IN/DEFINIDAS
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Na perspectiva de Koch (2006), a referenciação é um processo realizado no discurso, por isso ao tratar da progressão referencial, situa as expressões nominais definidas como uma das principais estratégias desse processo. Primeiro, por essas expressões serem um dos recursos coesivos mais férteis, no âmbito textual; segundo, porque elas funcionam tanto como anáforas, quanto como catáforas. Outra característica importante das expressões nominais é o fato de se tratarem de recursos argumentativos que rotulam, predicam, orientam a interpretação dos sentidos de um texto. Assim, de acordo com Koch (2006), denominam-se expressões ou formas nominais definidas os mecanismos lingüísticos constituídos, minimamente, de um determinante, definido ou demonstrativo, seguido de nome. Em outros casos, é constituída de determinante + Modificadores (adjetivo, oração relativa) + Nome + Modificadores. Quando construída a partir de um pronome demonstrativo a expressão nominal definida tem função de mostrar, de situar o interlocutor em um dado contexto discursivo. Já quando precedida pelo artigo definido, a expressão dá caráter existência àquilo a que se refere. Quanto ao uso da expressão nominal indefinida é importante salientar que ela é constituída por artigo indefinido (um) + Nome. O uso do indefinido tem dentre outras estratégias a de dar continuidade a construção do referente, cuja função é anafórica. Nessa perspectiva, as expressões nominais definidas enquadram-se como “elos” coesivos utilizados para imprimir uma determinada impressão sobre o objeto-de-discurso. Isto significa dizer que a utilização dessas formas sempre sugere uma escolha, relacionada à propriedade, à “qualidade” que caracteriza o referente. Tal seleção é realizada em decorrência do contexto situacional e dos propósitos que deverão ser atingidos pelo locutor, o que implica a ativação dos conhecimentos supostamente partilhados entre os interlocutores. Por essa razão, constatamos que a multiplicidade de significados atribuídos pela utilização das expressões nominais definidas é decorrente da atividade discursiva nas relações sociais, que envolve não só os fatores lingüísticos, mas também os ideológicos e os culturais. No processo de construção das expressões nominais definidas, na comunidade semiótica que envolve a cultura brasileira, dá-se um fenômeno lingüístico-social no qual a representação dos sujeitos ou dos objetos referidos apoia-se em aspectos grotescos destes, construindo imagens sociais caricatas, exageradas exatamente no que apresentam de feio, nocivo, engraçado. Para Bhabha (1998) o estereótipo é uma estratégia discursiva, é uma forma de conhecimento e identificação que vacila entre o que estar sempre “no lugar”, já conhecido, e algo que deve ser ansiosamente repetido. Dessa forma, as expressões nominais definidas não se caracterizam tão-somente enquanto formas lingüísticas capazes de instituir co-referencialidade entre um vocábulo ou a uma expressão determinada, mas de (re)significar o plano real. Em outras palavras, é por meio dela que podemos (des)dizer, da maneira que nos convêm, a realidade pela qual concebemos o mundo. Portanto, a relevância desse trabalho incide na necessidade de percebermos a maneira “peculiar” pela qual somos levados – por questões ideológicas e culturais – a utilizar as expressões nominais definidas, centrando o foco deste estudo na questão do sujeito. Para tanto, o corpus para análise evidencia o quão tais expressões “constroem um sujeito” de forma caricata, aumentando-lhe os aspectos grotescos.Os atos de ler, de escrever, de consumir deveriam estar ligados diretamente à reflexão crítica, mais que isso, deveriam ser usados como forma de agir na/da sociedade, na busca pelos direitos de cada cidadão; como possibilidade de desenvolver social e culturalmente as habilidades e competências dos alunos em sala de aula; como mecanismo crítico e comprometido com a sociedade, pelos veículos de comunicação. Ainda que distantes algumas dessas ações elas são viáveis e simples, desde que haja interesse e comprometimento por parte dos professores. Ler os mais variados gêneros midiáticos, em tempos de internet, já é uma ação possível para as nossas escolas. Já realizar a leitura eficiente desses meios, ainda é um desafio. Por isso, nossa proposta é trazer um desses gêneros para discussão, por meio de uma análise discursiva/textual.
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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BAKHTIN, M.(VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 1997a.
_________. Estética da Criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997b.
_________. A cultura popular na Idade Média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Editora Hucitec, 1999.
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BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte:Editora UFMG, 1998. CHARAUDEUA, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.
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CHIAVENATO, Júlio J. O golpe de 64 e a ditadura militar. São Paulo: Moderna, 1994. CORTEZ. Suzana Leite. Referenciação e construção do ponto de vista. Campinas, SP: [s.n], 2003/ Dissertação (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.
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ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos Culturais: uma introdução. IN: SILVA, Tomaz Tadeu (Org). O que é afinal Estudos Culturais. Belo Horizonte, Autêntica, 2000._____________. Os Estudos Culturais. IN: HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C. & FRANÇA, VERA, Veiga (Orgs). Teorias da Comunicação: Conceitos, Tendências e Debates. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.FIORIN, Jose Luis. Introdução ao Pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
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KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2006.MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: Dionísio, Ângela; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Org). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucena, 2002.
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MARTINO, Luiz C. & FRANÇA, VERA, Veiga (Orgs). Teorias da Comunicação: Conceitos, Tendências e Debates. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.MARTIN-Barbero, Jesus. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003.
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RODRIGUES, Adriano Duarte. Delimitação, natureza e funções do discurso midiático. In.: MOUIALLAUD, M & PORTO, S.D. O Jornal da forma ao sentido. Brasília: Paralelo 15, 1997.TRAQUINA, Nelson. O Estudo do Jornalismo no Século XX. São Leopoldo: UNISINOS, 2005.

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