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Ato estético e devir ético em Bakhtin: Filosofia e Cinema

Sérgio A. Leal de MEDEIROS[1]

Neste trabalho, pretendo dialogar com textos bakhtinianos, especialmente o Para Uma Filosofia do Ato e O Autor e o Personagem, buscando, nos conceitos criados pelo autor, material teórico para criar possibilidades de abordagens que aproximem a experiência estética da responsabilidade ética na compreensão das imagens cinematográficas no ambiente escolar.
Para Bakhtin, e aqui reside sua grande potência para o escopo deste trabalho, “na arte não há filosofia, mas o ato de filosofar; não há o conhecimento, mas o processo de cognição”. Como afirma Cristovão Tezza (2003),
(...) Para o Círculo de Bakhtin, a definição do que é ou não é poético é um dado histórico e não uma categoria transcendente – do ponto de vista lingüístico, cada elemento formal da linguagem possui idêntico potencial artístico. Na sua ótima síntese, “só a enunciação pode ser bela” – ou seja, é a vida concreta, dialógica, da linguagem, que dará ou não os contornos da literatura... a palavra já entra na arte carregada de intenções, opiniões, traços sociais, com todas as marcas de seu território valorativo (Tezza; 2003 p.36).

Sendo assim, a tarefa da estética deve ser a especificação de uma obra artística no universo das enunciações sociais, no território em que palavras e imagens significam concretamente e jamais nas supostas propriedades de um sistema abstrato. Como o escritor, o cineasta, quando cria imagens, não seleciona um sistema abstrato de possibilidades imagéticas, seleciona, isto sim, as avaliações sociais implícitas em cada imagem, ou em cada palavra, em se tratando do escritor.

Apesar do grande potencial teórico para a compreensão do ato estético, inclusive da estética do cinema, a obra de Bakhtin é ainda pouco explorada nesse campo. Robert Stam, importante crítico americano, é um dos estudiosos que se debruçam sobre o potencial teórico da obra de Bakhtin para as análises fílmicas. Para esse autor,

(...) a teoria do cinema é o que Bakhtin chamará de um “enunciado historicamente localizado” e reconhece que as idéias de teóricos de um determinado período histórico podem produzir seus frutos muito posteriormente. Quem poderia adivinhar que as idéias filosóficas de Bergson ressurgiriam um século mais tarde na obra de Gilles Deleuze. Os trabalhos do Circulo de Bakhtin foram publicados nos anos 20, mas as idéias bakhtinianas somente vieram a “penetrar” na teoria nos anos 60/70, quando uma avaliação retrospectiva definiu-o como um “proto-pós-estruturalista (Stam; 2003 p.17).

Robert Stam ancora suas reflexões teóricas e estéticas sobre o cinema referenciado, principalmente, em duas obras de Bakhtin: Escritos sobre Rabelais e Problemas da poética de Dostoievski. A partir dessas obras, Stam discute as heranças que a teoria do cinema incorporou, especialmente da concepção do realismo artístico. O “realismo”, um termo surpreendentemente elástico e contestado, ingressa na teoria do cinema sobrecarregado das incrustações milenares dos debates precedentes na filosofia e na literatura. A filosofia clássica fazia a distinção entre o realismo platônico – afirmação da existência absoluta e objetiva de universais, ou seja, a crença de que formas, essências e abstrações como “beleza” e “verdade” existem independemente da percepção humana – e o realismo aristotélico – entendendo que os universais somente têm existência nos objetos do mundo exterior e não em um domínio extra-material de essências. O termo realismo é confuso, porque os usos e significados filosóficos, tradicionalmente, fazem-no parecer diametralmente oposto ao “senso comum” do realismo: a crença objetiva dos fatos e a tentativa de enxergá-los sem idealizações.

Para situar o debate estético no interior da teoria do cinema questionando se o cinema deve ser narrativo ou antinarrativo, realista ou anti-realista, enfim, sua relação com o modernismo artístico que se institucionaliza no século XX tendo como interesse central uma arte não representacional, até então caracterizada pela abstração, fragmentação e agressão, Stam, com os estudos sobre Rabelais, percebe que as manifestações estéticas são produto de uma cultura e um momento histórico específico, constituindo-se apenas como uma das muitas possibilidades de expressão. Conforme o teorizado por Bakhtin nos estudos sobre a obra de Rabelais, o realismo grotesco do carnaval inverte a estética convencional e elabora um novo tipo de beleza popular, rebelde e convulsiva, “que ousa revelar o grotesco dos poderosos e a beleza latente do vulgar”. No carnaval, todas as distinções hierárquicas, todas as barreiras, normas e proibições são temporariamente suspensas, estabelecendo-se uma espécie de comunicação qualitativamente diferente, fundada no contato íntimo livre e familiar. A gargalhada, para Bakhtin, na alegria cósmica do carnaval, possui um intenso significado filosófico e constitui uma perspectiva particular sobre a experiência, não menos profunda que a seriedade.

Stam busca também referências no texto em que Bakhtin examina a “sátira menipéia”
[2], um gênero artístico trans-histórico relacionado a uma visão carnavalesca do mundo que se diferencia por seus personagens oxímorônicos[3], estilos múltiplos, violação das normas de etiqueta e pela confrontação cômica de pontos de vista filosóficos. Em Problemas da poética de Dostoievski, Stam observa que

(...) mesmo que originalmente não tenha sido concebida como um instrumento para a análise fílmica, a categoria da menipéia é capaz de desprovincianizar o discurso crítico cinematográfico comprometido com as convenções de verossimilhança do século XX (Stam; 2003, p.30).

Além dos textos bakhtinianos trabalhados por Stam, em cuja leitura o autor encontrou grande riqueza em possibilidades teóricas para a compreensão do cinema como instrumento artístico-cultural, acredito que também os ensaios Para Uma Filosofia do Ato e O autor e o Herói na Atividade Estética são de grande vitalidade proteica para o exercício de pensar a arte do cinema e seu potencial formativo e educativo.

Primeiro, pelo que os textos significam no contexto da obra de Bakhtin. Para Amorim (2006), o texto “Para Uma Filosofia do Ato” apresenta um projeto que se realizaria ao longo da obra de Bakhtin. É um texto que difere de outros textos por ser inteiramente filosófico e dedicado à questão da ética. Aliás, para Ponzio, ambos os textos, tanto Autor e Herói na Atividade Estética como Para Uma Filosofia do Ato, são parte de um mesmo projeto de pesquisa, sendo um a continuação do outro. Ponzio (2008) está de acordo com Marília Amorim quando afirma que nesses textos, que iluminam o perfil do conjunto da obra de Bakhtin, são criados e discutidos tópicos como autoria, responsabilidade, significado moral da exotopia, pensamento participativo, não-álibi na existência, que serão sempre retomados em um e outro momento, em um e outro texto da grande obra de Bakhtin.

Em segundo lugar, os textos, apesar de escritos entre 1919 e 1923, ironicamente, foram os últimos textos publicados de Bakhtin. Michael Holquist
[4], editor e prefaciador da primeira edição em língua inglesa do Para Uma Filosofia do Ato, aponta que, com a iminência da morte, no final dos anos 1960 e início dos 1970, Bakhtin confessa a um grupo de admiradores e estudantes a existência de manuscritos deixados na cidade de Saransk. Em 1972 os manuscritos são encontrados em péssimo estado de conservação e jogados em um depósito de madeira. Os manuscritos, diz Holquist (2003), continham fragmentos de dois grandes projetos de trabalho na perspectiva da filosofia alemã. O principal dos manuscritos era Arte e Responsabilidade (Arte and Answerability), publicado em 1990 pela Universidade do Texas. Outro fragmento, Para Uma Filosofia do Ato, demonstra o interesse de Bakhtin pela escola de Marburg (neokantismo), sua obsessão em ler, estudar e discutir o pensamento de Kant. Para Holquist, o texto é uma tentativa de destranscendentalizar Kant e pensar além do imperativo ético da formulação kantiana. Se, para Kant, a ética deveria estar fundada no princípio do “como se” as conseqüências pudessem ser aplicadas a qualquer pessoa em qualquer tempo, o que Bakhtin chama de “universalidade do dever” e que procura criticar contrapondo a necessidade de recuperar a “imediaticidade nua da experiência”.

Tezza (2003), reafirmando a condição dos textos, indica que ambos faziam parte de um projeto filosófico mais amplo do jovem Bakhtin. Para Tezza, nesses estudos Bakhtin discute o princípio básico da relação entre o autor e o personagem. Sua abordagem tem como originalidade a definição de uma teoria narrativa esboçada a partir do instrumental fenomenológico. Entretanto, não é possível reduzir seu pensamento a uma escola ou categoria, pois suas proposições teóricas e práticas estão assentadas no fato de usar os elementos obtidos do fenômeno concreto, com base na concepção teórica inicial, para alterar essa concepção e em seguida voltar a ele com outra compreensão. Para Sobral (2005), “trata-se de um constante movimento de ir e vir, sem a circularidade dos sistemas fechados e com base numa permanente tensão” (p. 135). Não obstante, e segundo Oskar Walzel
[5], Bakhtin deu grande contribuição para demonstrar como a arte pode ser examinada do ponto de vista fenomenológico.

As idéias desenvolvidas nos primeiros trabalhos de Bakhtin e aplicadas a Dostoievski em 1929 inauguraram uma abordagem verdadeiramente inovadora da narrativa com implicações antropológicas e sociológicas que ainda exigem desenvolvimento (Tezza, 2003).

Essas abordagens, que Bakhtin desenvolveu nos estudos de literatura, especialmente nos estudos do romance de Dostoievski, tinham como finalidade buscar a construção de um pensamento filosófico com a literatura, ou melhor, na visão filosófica que a estética literária torna possível. Embora distante da pretensão de abordar os meandros da teoria do cinema, e muito menos transpor de forma mecânica conceitos dos estudos de linguagem literária para os estudos da análise cinematográfica, penso que as abordagens bakhtinianas contêm grande manancial ainda a ser explorado nas análises da linguagem e dos instrumentos imagéticos. Bakhtin é um autor que sempre se renova. A cada leitura de seus textos emergem novos sentidos, novos elementos aparecem explicitando, ele mesmo, o paradoxo das grandes obras, quando afirma que estas “em seu processo de vida post mortem se enriquecem com novos significados, novos sentidos; é como se estas obras superassem o que foram na época de sua criação. (...) O autor é um prisioneiro de sua época, de sua atualidade. Os tempos posteriores o libertam dessa prisão” (Bakhtin, 364). Refletir com Bakhtin na perspectiva da estética cinematográfica é atualizar seus conceitos no diálogo com a grande temporalidade presente.

Uma das muitas categorias que emergem nesses manuscritos de Bakhtin e que perpassa toda a obra do autor é o conceito de polifonia. Conceito que guarda grande potência para a reflexão sobre a enunciação na narrativa cinematográfica, embora tenha sido criado no exercício do autor na análise do romance literário. Bakhtin considera a polifonia como um jogo de falas, um encontro entre diversos campos emocional-volitivos expresso pela relação entre os personagens e o autor, entre personagens e personagens e entre personagens, o autor-criador e o autor-contemplador/leitor. Na perspectiva da linguagem cinematográfica, o referido conceito pode expandir-se, pois, no cinema, além das vozes e sons, temos um jogo de olhares, uma polivisão, formando um campo de tensão entre diversas ações carregadas de conteúdo emocional-volitivo cuja natureza é difícil de decifrar.

Se, na literatura, o tema da instância narradora já acumulou várias reflexões, na teoria do cinema muita coisa ainda está por ser feita, apesar das teorias da enunciação do cinema (Stam; 2003). No romance, em relação à narração, tudo é uma questão de voz e modo: quem fala, como e de onde fala? No cinema, quem narra o filme não é exatamente a voz que nele fala, mas a instância que dá a ver e a ouvir, que ordena os planos e os amarra, segundo uma lógica de sucessão. O sujeito da enunciação cinematográfica em Deus e o Diabo na terra do Sol
[6] não é o cantador de cordel, colocado na história como “o narrador”. No cinema não se conta propriamente uma história, pois isso implica uma relação de anterioridade do fato narrado, de que o narrador se faz porta-voz em um momento posterior. No cinema não há passado. Quando o filme começa a ser projetado, a história começa, “de fato”, a suceder diante de nossos olhos: entramos dentro dela e nela nos empenhamos num processo onírico. O próprio Bakhtin afirma que

(...) o ato realizado concentra, correlaciona e resolve dentro de um contexto unitário e único, e, desta vez, contexto final, tanto o sentido como o fato, o universal e o individual, o real e o ideal, porque tudo entra na composição de uma motivação responsável. O ato realizado constitui uma passagem, de uma vez por todas, do interior da possibilidade como tal, para o que ocorre uma única vez (Bakhtin; 1993; 46).

Se, na obra literária, alguém serve de mediador entre nós e os acontecimentos da história narrada, na narrativa cinematográfica/imagética, seguramente não é um contador de histórias, embora isso possa ser sugerido pela trilha sonora, voz em off, etc., mas um “alguém” que só pode existir na estrutura do filme, como uma lacuna, permitindo ao espectador ocupar seu lugar. O espectador e o texto fílmico não podem ser considerados separados um do outro e o processo de construção de sentidos envolve uma interação entre os dois. O próprio Bakhtin é quem fala que

... no acontecimento artístico há dois participantes: uma passivo-real, outro ativo (autor-contemplador); a saída de um desses participantes destrói o acontecimento artístico, restando-nos apenas uma ilusão precária de acontecimento artístico – o falseamento, o embuste artístico de si mesmo; o acontecimento artístico é irreal, não se realizou de verdade (Bakhtin; 2003, p.185).

Já no texto “O autor e o Herói na Atividade Estética”, Bakhtin abre possibilidades para ampliação do campo de pensamento permeáveis às reflexões sobre o cinema e o processo de significação das imagens fílmicas. Embora se ocupando, como já dito, com as questões dos estudos literários, as categorias que Bakhtin cria no campo das reflexões estéticas sugerem caminhos para a reflexão sobre a arte cinematográfica, verificando que

O homem é o centro organizador do conteúdo-forma da visão artística, e ademais que é um dado homem em sua presença axiológica no mundo. O mundo da visão artística é um mundo organizado, ordenado e acabado independentemente do antedado e do sentido em torno de um homem dado como seu ambiente axiológico: vimos como em torno dele se tornam artisticamente significativos e concretos os elementos e todas as relações espaço, tempo e sentido. Essa orientação axiológica e essa condensação do mundo em torno do homem criam para ele uma realidade estética diferente da realidade cognitiva e ética, mas, evidentemente, não é uma realidade indiferente a elas (Bakhtin, 2003; p.173).

Para Bakhtin, o objeto estético condensa uma complexa rede de relações axiológicas envolvendo três constituintes imanentes: o autor, a personagem e o contemplador/receptor/espectador. O princípio básico da relação criadora é marcado por uma exotopia, um estar-do-lado-de-fora. Como afirma Bakhtin, “a diferença axiológica profunda, essencial e de princípio entre o eu e o outro, tem um caráter de acontecimento: fora dessa diferença não é possível nenhum ato axiologicamente ponderável” (2003; p.173)

O autor não pode ser confundido com o escritor de um romance, no caso da literatura, ou com um diretor de cinema. Na visão de Bakhtin, o autor-criador é posição axiológica que dá unidade ao todo artístico, ele é a voz social que dá unidade ao objeto artístico. Sua posição axiológica de autor-criador é relacional: é um modo de ver o mundo, um princípio ativo de visão que guia a construção do objeto estético e direciona o olhar do leitor/contemplador. Para o autor-criador, os personagens não são nem um “ele”, nem um “eu”, mas um “tu” plenivalente: tanto na literatura como no cinema, o autor não apenas fala do personagem, mas fala “com” o personagem. E, como fala com os personagens, o faz sempre atento ao que os outros pensam do personagem e da própria relação dele, autor, com o personagem.

Portanto, o receptor/espectador tem uma característica imanente: é uma função estético-formal que permite transpor, para o plano estético da obra de arte, manifestações do coro social de vozes. Como dito acima, o objeto estético condensa, dessa maneira, uma complicada rede de relações axiológicas, envolvendo os três constituintes imanentes: o autor, a personagem e o espectador/receptor.

Na perspectiva da estética cinematográfica, o movimento da exotopocidade proposto por Bakhtin, no qual o eu-para-mim-mesmo se constrói a partir do eu para os outros, pode significar uma importante ferramenta para a compreensão dos movimentos de câmera como constituidores da narrativa imagética. O espectador é desterritorializado quando, por exemplo, ocorre uma coincidência entre a visão dada pela câmera e a visão de uma personagem particular; ou quando a câmera se identifica como o próprio espectador; ou, ainda, quando a interiorização de um ponto de vista particular é dada não só através de um uso da câmera, mas integrando-a aos cortes, às variações de ângulos de tomada e à objetivação do personagem dentro do campo.

Arlindo Machado (2007) chama atenção para o fato de que, na literatura, nada se aproxima dessa co-presença constante no campo de visão da própria personagem vidente, tomando como exemplo o filme Janela Indiscreta
[7] de Hitchcock:

(...) o filme começa com uma cortina se abrindo e revelando o cenário de um cortiço de subúrbio, com suas inúmeras janelinhas e as personagens anônimas enclausuradas dentro delas. A câmera faz um zoom-in, aproximando-se lentamente, até que a janela que permite ver o cenário coincida com o quadro. Essa abertura é significativa do princípio narrativo do filme: a tela é a janela do apartamento de Jeff, o fotógrafo acidentado, imobilizado em sua cadeira de rodas que passa o tempo espiando os vizinhos... tudo o que acontece fora do apartamento de Jeff é visto exclusivamente dessa perspectiva restrita. Dentro deste quadro janela aparecem outras “telas” que recortam o visível, como se o quadro cinematográfico estivesse mis en abîme para multiplicar a intriga central numa pluralidade de outras intrigas. Há uma coincidência e limites: como Jeff, a instância vidente não pode sair do apartamento; como Jeff, a instância vidente espia tudo e a todos exclusivamente através da janela indiscreta; como Jeff a instância vidente não pode saber o que se passa atrás das cortinas fechadas do apartamento de Lars Thorwald, o suposto assassino. Mas a mesma instância vidente pode ver mais que Jeff: a última saída do caixeiro-viajante na noite do crime não foi vista pelo protagonista principal que adormeceu na cadeira de rodas. (...) Nós pudemos ver esta cena, já que o narrador no-lo mostrou, mas Jeff, não, e essa diferença de olhares (de saberes) faz divergir, por algum tempo, a interpretação que espectador e personagem fazem dos acontecimentos (Machado, 2007; p.45).

Para Bakhtin, a reação do personagem à vida reúne todas as reações cognitivas e emocional-volitivas singulares e as une em um todo arquitetônico. Para assumir valor artístico, a ação unitária do autor precisa evidenciar a resistência da realidade, a alteridade da personagem e seu valor extra-artístico. Assim como no filme de Hitchcok, no poema de Puchkin
[8] analisado por Bakhtin pode-se identificar uma alteridade dialógica sob diferentes pontos de vista como o contexto do autor e o contexto dos dois protagonistas: o autor-herói e o personagem. O personagem não é descrito como um eu e assumido como objeto, mas é um centro de alteridade, perspectiva na qual organiza seu mundo.

O cinema, como o de Hitchcock, Godard, Fellini, Glauber Rocha, Fernando Meireles e tantos outros, é a representação de uma consciência, a consciência do autor, que é a consciência de uma consciência – uma consciência que engloba e dá acabamento a consciências dos personagens e do seu mundo. A relação criadora é marcada pelo princípio da exotopia, um estar-fora. Esse conceito de exotopia fundamenta-se no “excedente de visão humana” que, em Bakhtin, torna-se também uma ética: há uma limitação intransponível no meu olhar que só o outro pode preencher. Nas palavras de Bakhtin

... devo identificar-me ou me projetar neste outro ser humano, ver seu mundo axiologicamente de dentro dele, como ele vê esse mundo; devo me colocar em seu lugar, e então, depois de voltar ao meu próprio lugar, preencher seu horizonte por meio desse excesso de visão que se abre fora dele, de meu próprio lugar de fora dele. Devo emoldurá-lo, criar um ambiente que o finalize, a partir de meu excedente de visão, saber, desejo e sentimento (Bakhtin: Arte e Responsabilidade).

O conceito de exotopia implica também uma tensão sobre a idéia de tempo e espaço. Marília Amorim (2006) discute a relação espaço-tempo nas reflexões de Bakhtin, observando que o autor russo fala de uma temporalidade vivida, que não tem começo nem fim, não é cronológica, mas aiônica
[9]. Tempo como dimensão alteritária, pois é nele que deixo de coincidir comigo mesmo. Se o tempo é devir, espaço é elemento fixo. Amorim (2006) observa a tensão espaço-tempo no conceito de exotopia que acentua o caráter espacial do lugar do autor, como lugar exterior. O espaço da visão estética fixa e ordena, cria um quadro, um dado horizonte para situar os personagens.

Para Marília Amorim, outro momento da evolução da relação espaço-tempo na obra de Bakhtin está na criação do conceito de cronotopos. Aqui, a tensão entre espaço-tempo desaparece, pois o conceito designa uma unidade, o lugar de fusão entre os índices espaço-temporal em um todo concreto. Entretanto, observa Amorim (2006), o conceito de exotopía se distingue de cronotopia e, exatamente por manter a tensão entre espaço e tempo, necessária no pensamento de Bakhtin, a exotopia permanece como um tema central da obra do pensador russo. O conceito de cronotopia é construído com os estudos de linguagem desenvolvidos por Bakhtin, que define o cronotopo como “a conexão intrínseca das relações espaçais e temporais que se expressam artisticamente na literatura”. Entretanto, pode ser apropriado pela reflexão cinematográfica, quando se trata de apreensão do tempo e espaço como expressão indissolúvel da representação da realidade, contendo, em si, uma visão de mundo.

A técnica cinematográfica permite, no trato com as imagens em movimento, um desalojamento do tempo e do espaço só possível na sétima arte. No cinema, predomina o enquadramento oblíquo ao eixo da objetiva que faz com que os olhares que são trocados na cena não se dirijam jamais à câmera, mas a um ponto situado à esquerda ou à direita do quadro. A personagem do filme ignora sua platéia - ao contrário do apresentador de televisão que se dirige diretamente ao espectador, olhando para a câmera. A personagem do filme visa sempre a outro personagem situado no espaço fora do quadro e revelado na sucessão dos planos imagéticos. A presença do sujeito é marcada por sua ausência. A presença é a presença de algo vazio, de uma lacuna que será preenchida por aquele que vai se colocar diante do quadro para olhá-lo: o contemplador.

Bakhtin, como afirma Tezza (2003), vai definindo cronotopos típicos da atividade literária: da biografia antiga, do romance de cavalaria, de Rabelais e, mais modernamente, o cronotopo de Balzac, Dostoievski, a função do espaço público, da sala, do quarto como centro organizador dos eventos narrativos no romance. Se esses cronotopos são ambientes concretos de composição pictural-cognitivo e emocional-volitivo em que a literatura se realiza, podem ser também a medida na qual o cinema se movimenta. É possível falar de um cronotopo Bergman, um cronotopo Kurosawa e assim por diante? Seria produtivo para a reflexão sobre o filme a identificação de seu cronotopo?

O filme de Laurente Cantet Entre os Muros da Escola
[10] pode ser instigante para o exercício de compreensão e identificação cronotópica. O filme de Cantet retrata a vida de um professor com uma turma de alunos durante um período letivo em uma escola da periferia de Paris do séc. XXI. Toda a trama do filme se passa no espaço interno da escola (salas de aula, sala dos professores, corredores, pátio), mas os conflitos que emergem entre a liturgia tradicional da escola e a cultura, as demandas e os interesses dos alunos no aprendizado dão a impressão de que a vida acontece entre os muros da escola, quando a câmera se mostra atenta aos micro eventos que mudam uma cena, que invoca o multiculturalismo, a diversidade, a tensão e os riscos para o aprendizado da democracia, tanto para alunos como para professores.

Apesar de a trama se passar numa escola francesa, é de tal forma urdida e as imagens se movimentam de tal modo que, a qualquer aluno ou professor, em qualquer parte do mundo, é possível se reconhecer entre os personagens. É a magia do cinema com sua “impressão do real” capaz de produzir relações cronotrópicas indizíveis e impossíveis para a estética da expressão verbal.

Adail Sobral (2005) observa que Bakhtin e seu círculo desenvolveram o conceito de ato ético associado à razão prática de Kant, assim como o conceito de ato estético baseado no conceito de juízo de Kant. “Superando o transcendentalismo do sujeito kantiano, Bakhtin ressignifica a ética e a estética como categorias integradas na arquitetônica do humano, na unidade de responsabilidade que é a tarefa de cada sujeito” (Sobral; 2005 p.). Como apreender o mundo a partir dos atos teóricos, estéticos e cognitivos? Para a construção da resposta a essa pergunta, Bakhtin propõe a distinção entre ato-tipo e ato-ocorrência. Este último, da ordem do geral, do irrepetível. No ato-ocorrência não há álibi e, na vida humana, cada um responde por seus atos. O ato responsável é ato ético que envolve o conteúdo, o processo e a avaliação do agente com respeito ao seu próprio ato. Quando o sentido do ato é determinado pelo ponto de vista teórico (científico, filosófico, histórico, estético), ele perde seu caráter de evento único e de ato verdadeiramente vivido, assumindo, assim, um valor genérico e um sentido abstrato.

Essa responsabilidade do ato realmente desempenhado é o levar em conta nele todos os fatores – um levar em conta tanto a sua validade de sentido como a sua realização em toda sua concreta historicidade e individualidade. A responsabilidade do ato realmente executado conhece um plano unitário, um contexto unitário no qual esse levar em conta é possível – no qual sua validade teórica, sua factualidade histórica e seu tom emocional-volitivo figuram como momentos de uma só decisão ou resolução (Bakhtin, s/d p.46)
[11]

Bakhtin procura recuperar a imediaticidade nua da experiência, a “lava fundida dos eventos enquanto eles acontecem” (s/d, p.6), criticando a ética de Kant que, para ele, deixou algo de fora construindo um sistema abstrato porque distante da subjetividade. Bakhtin, numa imagem interessante, fundamenta sua filosofia do ato na qualidade pura do acontecer na vida “antes do esfriamento do magma da experiência, endurecendo-o em teoria ou em relatos do acontecido” (s/d, p.6). A lava se difere da pedra em que se tornará. Para Bakhtin, toda descrição do ato difere fundamentalmente do próprio ato e, embora não se possa escapar da teoria, porque qualquer oposição à teoria é, em si, inelutavelmente teórica, Bakhtin reconhece a dificuldade do mundo teórico em abrir caminho para o ser-evento, pois a unidade do ato e seu relato nunca são “a priori”, mas são conquistados em toda parte. O ato é uma ação e não mero acontecimento em que um sujeito tece uma relação com ele ou um relato sobre ele. Responsabilidade é, portanto, a fundação da ação moral: o meu não-álibi transforma uma possibilidade vazia em ato e ação responsável, porque temos consciência de que esse vácuo que é o não-álibi é o espaço entre o conhecimento objetivo e subjetivo.

A verdade (pravda) do evento não é a verdade que é auto-idêntica e auto-equivalente em seu conteúdo (istina), mas é a posição justa e única de cada participante – a verdade (pravda) do dever ser concreto, real, da cada participante. Um simples exemplo deve deixar claro o que foi dito. Eu amo um outro, mas não posso amar a mim mesmo; o outro me ama, mas não ama a si mesmo. Cada um está certo em seu próprio lugar, e está certo responsavelmente, não subjetivamente (Bakhtin; s/d, p.64).

Nos textos de Bakhtin colocados em tela para efeito deste trabalho, verifica-se uma cisão radical entre o conteúdo-sentido e a realidade histórica de um ato ou ação dados e, de outro lado, a real experimentação-realização única desse ato. A separação entre o conteúdo e a realização-experimentação de um ato promove a divisão de nossas vidas entre dois mundos: o mundo da cultura e o mundo da vida. Para Bakhtin, nem a cognição teórica nem a intuição estética têm meios de ganhar acesso ao Ser porque nelas não há unidade ou interpenetração entre o conteúdo e a realização histórica do ato. O ato inteiro de nossa atividade tem dupla face, é um “Jano Bifronte” que se dirige tanto ao conteúdo quanto ao ser do ato, ao devir: à memória do futuro. O ato precisa ter a unidade da responsabilidade e responder tanto pelo seu conteúdo como pelo Ser. Cada pensamento, dirá Liapunov
[12], constitui uma ação responsável que Bakhtin chama de Postupok (significa “um passo dado”) que é diferente de Akt (ato)[13].

O sujeito dessa ação responsável é um sujeito que se expõe. É incapaz de experiência aquele que não se expõe com tudo que isso tem de vulnerabilidade e de risco. É incapaz de experiência quem não se deixa afetar, quem não se deixa tocar, enfim, a quem nada ocorre.

Bakhtin, como diz Marília Amorim (2006), é o pensador das tensões, da crítica, especialmente no tocante ao teoreticismo que impregnava a tradição filosófica. Seu pensamento é ancorado na construção do conceito de responsabilidade que remete à unidade responsável do pensamento e da ação, introduzindo a categoria do pensamento participativo, não indiferente e responsivo. Pensar participativamente é não destacar o ato realizado de seu produto. E é essa dimensão ativa do pensamento que pode aproximar os conceitos bakhtinianos com a análise das peças fílmicas a partir da experiência da fruição e do encontro ante-predicativo entre o filme e o espectador.

Sem a percepção ativa, sem a imaginação do espectador, o cinema e os filmes não seriam mais do que meras imagens em seqüência. É com nossa atividade imaginativa que completamos o que a montagem esconde: os intervalos de significação que compõem a linguagem cinematográfica. É com a imaginação, que se alimenta da memória, que vamos preenchendo os sentidos que o filme suprime. Tudo se passa como se o que o filme esquece, nós, espectadores, devemos lembrar. A linguagem cinematográfica se aproxima, assim, de uma educação que não quer explicar tudo, que confia na atividade do outro, seja aluno ou qualquer pessoa que se aventura na arte de aprender com o outro e com as múltiplas linguagens que o homem construiu que estão disponíveis em muitos suportes.

Dessa forma, o cinema, ao construir uma nova forma de visão, propõe-se a mostrar a imagem que não vê ou a que não é vista a olho nu. O cinema construiu uma nova visibilidade. Por isso, a leitura de um filme é sempre uma atividade complexa.

Desde os anos de 1970 e 1980, vem sendo construída uma teoria da enunciação cinematográfica abordando diversos aspectos da obra fílmica, desde os aparatos tecnológicos até a modulação do imaginário forjada por seus produtos. É Stam (2003) quem observa que diversos esforços teóricos são realizados na orientação de investigações voltadas para verificar como o cinema trabalha para interpelar o seu espectador enquanto sujeito ou orientadas para compreender como o cinema condiciona seu público a identificar-se com (ou através) das posições de subjetividade construídas pelo filme.

A aproximação dos conceitos de Bakhtin à reflexão sobre a enunciação cinematográfica pode prestar relevante contribuição teórica para que as tradicionais concepções monolíticas sobre o cinema, bem como a construção idealista do espectador, sejam ultrapassadas por uma concepção que considere a heterogeneidade dos espectadores, sujeitos ativos, que interpretam ativamente negociando, com o filme, o seu sentido. Com Bakhtin é possível teorizar na perspectiva de considerar que todo filme, qualquer filme, é, para quem o assiste resultado de uma possibilidade humana de lembrar e imaginar, de se rever no filme.

Referências

AMORIM, Marília. Ato versus objetivação e outras oposições fundamentais no pensamento bakhtiniano. In FARACO, C.A; TEZZA, C; CASTRO, G. (orgs). Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Vozes; Petrópolis, 2006.
BAKHTIN, Mikhail. O Autor e a Personagem na Atividade estética. In Estética da criação Verbal. Martins fontes; São Paulo, 2003.
________________Por Uma filosofia do Ato. Tradução de Faraco e Tezza para uso didático e acadêmico. S/data.
________________ Arte e responsabilidade. In Estética da Criação verbal. Martins Fontes; São Paulo, 2003.
BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In Obras escolhidas vol. 1. Brasiliense; São Paulo, 1994
_________________ O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In Obras Escolhidas, vol. 1. Brasiliense, São Paulo, 1994.
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[1] Doutorando no PPGE da faculdade de Educação da UFJF sob orientação da Prof. Drª. Maria Teresa de A. Freitas
[2] De acordo com Robert Stam, no capítulo “Particularidades do Gênero” do texto Problemas da Poética de Dostoievski, “Bakhtin delineia as estratégias polifônicas artísticas de Dostoievski desde os gêneros “cômico-sérios” do passado, como o diálogo de Sócrates e, sobretudo, a sátira menipéia. Batizada a partir do nome do filósofo Manipo de Gádara (século III a.C), que deu ao gênero sua forma definitiva, AL gênero já existia desde a época de Sócrates. Os exemplos desse gênero citados por Bakhtin são o Satiricon, de Petrônio, as Metamorfoses, de Apuleio e Consolação da Filosofia, de Boécio. A Sátira Menipéia, para Bakhtin, esta profundamente enraizada na percepção carnavalesca do mundo, e abre caminho para a polifonia artística e a “carnavalização” literária” ( Stam: 1992, p.38).
[3] Stam (1992) toma como exemplo os personagens Macunaíma ( do romance de Mario de Andrade) e Zelig, personagem do filme de Woody Allen. Ambos são personagens-suma, uma polifonia de possibilidades humanas; ambos testam a noção de camaleonismo enquanto metáfora da experiência humana (Stam; 1992 p.40).
[4] Ver edição brasileira de Estética da Criação Verbal, publicada pela Editora Martins Fontes, São Paulo, 2003.
[5] Citado por Tezza por afirmar que a “palavra fenomenologia ressoa em toda parte em conexão com as artes. Infelizmente, Walzel acrescenta, Husserl e Scheler nunca nos mostraram como a arte pode ser examinada fenomenologicamente. Esse foi o objeto de Bakhtin em suas ‘primeiras obras’. E foi também o campo no qual ele deu sua maior contribuição” (in Tezza; 2003, p.44)
[6] Filme emblemático para a história do cinema brasileiro e mundial, dirigido por Glauber Rocha, em 1964, e uma das principais produções do Cinema Novo, movimento que, a partir dos anos de 1950, tinha o propósito de libertar o cinema brasileiro da influência da indústria cinematográfica americana. O filme mostra o sertão nordestino e seu povo esfomeado e explorado por cangaceiros, multinacionais e a Igreja.
[7] Filme de 1954, dirigido por Alfred Hitchcock que é considerado um dos principais cineastas no desenvolvimento dos recursos narrativos da linguagem cinematográfica.
[8] O poema “Separação” foi escrito por Puchkin em 1830. O poema é em memória de Amália Riznick, um dos amores de Puchkin em Odessa. Em maio de 1824, ela partiu de Odessa para a Itália e, em 1825, morreu em Gênova vítima da tuberculose. Analisando o poema, Bakhtin quer mostrar, com um exemplo empírico, como o ser humano concreto, enquanto centro de valores, funciona dentro de um todo artístico.
[9] Distinção estóica de Aion e Chronos para pensar a extra-temporalidade do acontecimento. Segundo Aion, somente o passado e o futuro subsistem no tempo. Em lugar de um presente que absorve o passado e o futuro, um futuro e um passado que dividem, a cada instante, o presente, subdividido ao infinito, em passado e futuro. Enquanto Chronos é inseparável da circularidade e de seus acidentes, Aion se estende em linha reta e ilimitada nos dois sentidos. Aion opõem-se a Chronos que designa o tempo cronológico ou sucessivo em que antes se ordena ao depois sob a condição de um presente englobante no qual, como se diz, tudo acontece (Zourabichvili, François. O Vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: 2004 p.11 mimeo)
[10] Filme dirigido por Laurent Cantet, em 2008, na França. Para produzir o filme, aconteceram vários encontros entre adolescentes e o roteirista François Bègaudeau para definir o roteiro final. Apesar de serem alunos reais, não interpretam a si próprios. Os personagens foram definidos a partir da criação dos adolescentes. A equipe percebeu que os alunos tinham condições de criar os próprios diálogos quando improvisavam situações sugeridas durante os ensaios. O filme foi todo construído em torno da linguagem.
[11] Utilizo a tradução (sem data) de Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza do texto completo da edição americana Toward a Philosofhy of the Act (Austin: University of Texas Press, 1993. Translation and notes by Vadim Liapunov; Edited by Michael Holquist &Vadim Liapunov). Essa tradução, segundo os autores, ainda não revisada e publicada, é destinada exclusivamente para uso didático e acadêmico.
[12] Ver Prefácio do Tradutor da Edição Americana Toward a Philosophy of the Act in Tezza, C. e Faraco, C. A Tradutores para o português de Para uma filosofia do Ato, S/data.
[13] Vadim Liapunov na tradução de Toward a Philosophy of the Act (Austin, 1993) esclarece que a palavra russa Postupok é definida como “ação ou ato que eu mesmo escolho realizar; meu próprio ato ou ação individualmente responsável. Para o tradutor, Bakhtin usa essa palavra para ressaltar o foco na realização do ato ou ação, ou no ato ou ação enquanto está sendo desempenhado, em oposição à consideração do fato post factum (ato já foi realizado)

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